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- É coisa do século passado - concordou o oriental, indignado com a ignorância do comentário. - Este aí tem mais de cem anos, e custou uma fortuna.

O que Maria via era uma série de válvulas, uma manivela, circuitos elétricos, pequenos contatos de metal, pilhas. Parecia o interior de um antigo aparelho de rádio, com dois fios saindo, em cujas extremidades estavam pequenos bastões de vidro, do tamanho de um dedo. Nada que pudesse custar uma fortuna.

- Como funciona?

Nyah não gostou da pergunta de Maria. Embora confiasse na brasileira, as pessoas mudam de uma hora para outra, e ela podia estar de olho no seu cliente.

- Ele já me explicou. É o Bastão Violeta.

E, virando-se para o oriental, sugeriu que saíssem, porque decidira aceitar o convite.

Mas o homem parecia entusiasmado com o interesse que seu brinquedo despertava.

- Por volta de 1900, quando as primeiras pilhas começaram a circular no mercado, a medicina tradicional começou a fazer experiências com eletricidade, para ver se curava doenças mentais ou histeria. Também foi usada para combater espinhas e estimular a vitalidade da pele. Está vendo estas duas extremidades? Elas eram colocadas aqui -apontou para suas têmporas - e a bateria provocava a mesma descarga estática que sofremos quando o ar está muito seco.

Aquilo era uma coisa que jamais acontecia no Brasil, mas na Suíça er a muito comum, Maria descobrira quando certo dia, ao abrir a porta de um táxi escutara um estalido e levara um choque. Achou que tinha sido um problema do carro, reclamou, disse que não ia pagar a corrida, e o chofer quase a agrediu, chamando-a de ignorante. Ele tinha razão; não era o carro, era o ar muito seco. Depois de vários choques, passou a ter medo de tocar em qualquer coisa de metal, até que descobriu em um supermercado uma pulseira que descarregava a eletricidade acumulada no corpo.

Virou-se para o orientaclass="underline"

- Mas é extremamente desagradável!

Nyah estava cada vez mais impaciente com os comentários de Maria. Para evitar futuros conflitos com sua única possível amiga, mantinha o braço em torno do ombro do homem, de modo a não deixar nenhuma dúvida sob re a quem ele pertencia.

- Depende de onde você colocar - o oriental riu alto.

Em seguida, girou a pequena manivela, e os dois bastões pareceram ficar da cor violeta. Em um movimento rápido, ele encostou-os nas duas mulheres; houve o estalido, mas o choque parecia mais uma espécie de coceira que dor.

Milan aproximou-se.

- Por favor, não use isso aqui.

O homem tornou a colocar os bastões na caixa. A filipina aproveitou a oportunidade e sugeriu que fossem logo para o hotel. O oriental pareceu um pouco decepcionado, a recémchegada estava muito mais interessada no Bastão Violeta do que a mulher que agora o convidava para sair. Vestiu seu casaco, guardou a caixa dentro de uma pasta de couro, comentando:

- Hoje em dia estão fabricando de novo, virou uma espécie de moda entre pessoas que procuram prazeres especiais. Mas este que você viu aí só pode ser encontrado em raras coleções médicas, museus ou antiquários.

Milan e Maria ficaram parados, sem saber o que dizer.

- Você já tinha visto isso?

- Deste tipo, não. Deve realmente custar uma pequena fortuna, mas este homem é um alto executivo de uma companhia petrolífera. Já vi outros, modernos.

- E o que fazem?

- Enfiam no corpo... e pedem que a mulher gire a manivela. Levam o choque lá dentro.

- Não podiam fazer isso sozinhos?

- Qualquer coisa em sexo você pode fazer sozinho. Mas é melhor que continuem achando que tem mais graça quando estão com outra pessoa, ou meu bar iria à falência e você teria que trabalhar em uma loja de verduras. Por falar nisso, o seu cliente especial disse que virá hoje à noite. Por favor, recuse qualquer convite.

- Recusarei. Inclusive o dele. Porque vim apenas despedirme, estou indo embora.

Milan pareceu não acusar o golpe.

- O pintor?

- Não. O Copacabana. Existe um limite, e cheguei a ele esta manhã, enquanto olhava aquele relógio de flores perto do lago.

- Qual é o limite?

- O preço de uma fazenda no interior do Brasil. Sei que posso ganhar mais, trabalhar mais um ano, que diferença faria, não é verdade?

"Pois eu sei a diferença: estaria para sempre nesta armadilha, como você está, e estão os clientes, os executivos, os comissários de bordo, os caçadores de talento, os executivos de companhias de discos, os muitos homens que conheci, a quem vendi meu tempo, e que não podem me vendê- lo de volta. Se eu ficar mais um dia, fico mais um ano, e se ficar mais um ano, não sairei nunca."

Milan fez um discreto sinal afirmativo, como se entendesse e concordasse com tudo, embora não pudesse dizer nada - porque podia contagiar todas as meninas que trabalhava m para ele. Mas era um homem bom, e embora não tivesse dado sua bênção, tampouco fez menção de tentar convencer a brasileira de

Do diário de Maria, ao voltar para casa:

Não me lembro mais quando foi, mas em um domingo desses, resolvi entrar numa igreja para assistir à missa. Depois de muito tempo esperando, foi que me dei conta de que estava no lugar errado - era um templo protestante.

Ia sair, mas o pastor começou o sermão, achei que seria indelicado levantar- me - e isso foi uma bênção, porque naquele dia escutei coisas que precisava muito ouvir.

O pastor disse algo como:

"Em todas as línguas do mundo existe um mesmo ditado: o que os olhos não vêem, o coração não sente. Pois eu afirmo que não há nada mais falso do que isso; quanto mais longe, mais perto do coração estão os sentimentos que procuramos sufocar e esquecer. Se esta era uma estrangeira em uma terra estrangeira, e agradeci por ter me lembrado de que o que os olhos não vêem, o coração sente. E por ter sentido tanto, hoje vou embora.

Pegou as duas malas e colocou-as em cima da cama; sempre estiveram ali, esperando o dia em que tudo chegaria ao final. Imaginava que iria enchê - las de muitos presentes, vestidos novos, fotos na neve e nas grandes capitais européias, lembranças de um tempo feliz em que havia conhecido o país mais seguro e mais generoso do mundo. Tinha alguns vestidos novos, era verdade, e algumas fotos na neve que um dia caíra em Genève mas, afora isso, nada mais seria como havia imaginado.

Chegara com o sonho de ganhar muito dinheiro, aprender sobre a vida e sobre quem era, comprar uma fazenda para os pais, encontrar um marido, e trazer a família para conhecer onde morava. Voltava com o dinheiro exato para realizar um sonho, sem ter visitado as montanhas, e - o que era pior - uma estranha para si mesma. Mas estava contente, sabia que era chegado o momento de parar.

Pouca gente no mundo reconhece esse momento.

Vivera apenas quatro aventuras - ser dançarina em um cabaré, aprender francês, trabalhar como prostituta e amar perdidamente um home m. Quantas pessoas podem vangloriar-se de tanta emoção em um ano? Estava feliz, apesar da tristeza, e aquela tristeza tinha um nome, não se chamava prostituição, nem Suíça, nem dinheiro, mas Ralf Hart.

Embora jamais tenha reconhecido, no fundo do coração gostaria de ter se casado com ele, o homem que agora a esperava em uma igreja, pronto para levá-la a conhecer seus amigos, sua pintura, seu mundo.

Pensou em faltar ao encontro, hospedar-se em um hotel perto do aeroporto, já que o vôo saía na manhã seguinte; a partir de agora, cada minuto passado ao seu lado seria um ano de sofrimento no futuro, por tudo aquilo que ela poderia ter dito e não diria, pelas lembranças da sua mão, de sua voz, de seu apoio, de suas histórias.

Abriu de novo a mala, retirou o pequeno vagão do trem elétrico que ele lhe dera na primeira noite em seu apartamento. Contemplou-o por alguns minutos e jogou-o no lixo; aquele trem não merecia conhecer o Brasil, tinha sido inútil e injusto para com a criança que sempre o desejara.

Não, não iria à igreja; talvez ele lhe perguntasse algo, e se respondesse a verdade -

"estou indo embora" - ele iria pedir que ficasse, prometeria tudo para não perdê- la naquele momento, declararia seu amor já demonstrado em todo o tempo que passaram juntos. Mas tinham aprendido a conviver em liberdade, e nenhuma outra relação iria dar certo - talvez esta fosse a única razão pela qual ambos se amavam, porque sabiam que um não precisava do outro. Os homens sempre se assustam quando uma mulher diz "eu quero depender de você", e Maria gostaria de levar consigo a imagem de um Ralf Hart apaixonado, entregue, pronto a qualquer coisa por ela.