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Mas havia outra frase: tempo de abraçar, tempo de separar. Preparou o café, fechou a porta da cozinha, telefonou e chamou um táxi. Reuniu sua força de vontade, que a levara tão longe, a fonte de energia de sua "luz", que lhe dissera a hora exata de partir, que a protegia, que a faria guardar para sempre a lembrança daquela noite. Vestiu-se, pegou as malas e saiu, torcendo para que ele acordasse antes e lhe pedisse que ficasse.

Mas ele não acordou. Enquanto esperava o táxi, do lado de fora, uma cigana passou, com um buquê de flores.

- Quer comprar uma?

Maria comprou; era o sinal de que o outono havia chegado, o verão ficava para trás.

Genève já não teria, por muito tempo, as mesas nas calçadas e os parques cheios de gente passeando e banhando-se de sol. Não fazia mal; estava indo embora porque essa era a sua escolha, e não havia o que lamentar.

Chegou ao aeroporto, tomou outro café, ficou quatro horas esperando o vôo para Paris, sempre pensando que ele iria entrar a qualquer momento, já que, em algum momento antes de dormir, dissera a hora de sua partida. Assim acontecia nos filmes: no momento final, quando a mulher está quase entrando no avião, o homem aparece desesperado, a agarra, dá- lhe um beijo, e a traz de volta para o seu mundo, sob o olhar risonho e complacente dos funcionários da companhia aérea. Entra o letreiro "Fim", e todos os espectadores sabem que, a partir dali, viverão felizes para sempre

"Os filmes nunca contam o que acontece depois", dizia a si mesma, tentando se consolar. Casamento, cozinha, filhos, um sexo cada vez mais inconstante, a descoberta do primeiro bilhete da amante, decidir fazer um escândalo, escutar promessas de que isso não se repetirá de novo, o segundo bilhete de uma outra amante, outro escândalo e a ameaça de separar, desta vez o homem não reage com tanta segurança, apenas diz que a ama. O

terceiro bilhete, da terceira amante, e então escolher o silêncio, fingindo que não sabe, porque pode ser que ele diga que não a ama mais, que é livre para partir.

Não, os filmes não contam isso. Acabam antes que o verdadeiro mundo comece.

Melhor não ficar pensando.

Leu uma, duas, três revistas. Finalmente chamaram seu vôo, depois de quase uma eternidade naquele saguão de aeroporto, e embarcou. Ainda imaginou a famosa cena em que, assim que aperta os cintos, sente-se a mão no ombro, olha para trás, e ali está ele, sorrindo.

E nada aconteceu.

Dormiu durante o curto trecho que separava Genève de Paris. Não teve tempo de pensar no que diria em casa, que história contaria - mas com toda certeza seus pais ficariam contentes, sabendo que tinham uma filha de volta, uma fazenda, e uma velhice confortável.

Acordou com o solavanco da aterrissagem. O avião taxiou por muito tempo, a aeromoça veio dizer que ela precisava trocar de terminal, pois o vôo para o Brasil sairia do terminal F e ela estava no terminal C. Mas que não se preocupasse, não havia atrasos, ainda tinha muito tempo, e se tivesse alguma dúvida o pessoal de terra poderia ajudá- la a encontrar seu caminho.

Enquanto o aparelho se aproximava do local do desembarque, pensou se valia a pena passar um dia naquela cidade, apenas para tirar umas fotos e contar aos outros que conhecera Paris. Precisava de tempo para pensar, estar sozinha consigo mesma, esconder bem fundo as lembranças da noite anterior, de modo que pudesse usá- las sempre que precisasse se sentir viva. Sim, Paris era uma excelente idéia; perguntou à aeromoça quando sairia o próximo vôo para o Brasil, se resolvesse não embarcar naquele dia.

A aeromoça pediu seu bilhete, lamentou muito, mas era uma tarifa que não permitia este tipo de escalas. Maria consolou a si mesma, pensando que ver uma cidade tão linda sozinha iria deixá-la deprimida. Estava conseguindo manter o sangue- frio, a força de vontade, não ia estragar tudo com uma bela paisagem e as saudades de alguém.

Desembarcou, passou pelos controles de polícia; sua bagagem iria diretamente para o outro avião, não havia com que se preocupar. As portas se abriram, os passageiros saíam e se abraçavam com alguém que os esperava, a mulher, a mãe, os filhos. Maria fingiu que nada daquilo era com ela, ao mesmo tempo que pensava de novo em sua solidão; só que desta vez tinha um segredo, um sonho, não era tão amarga, e a vida seria mais fácil.

- Sempre haverá Paris.

Não era um guia turístico. Não era um motorista de táxi. Suas pernas tremeram quando escutou a voz.

- Sempre haverá Paris?

- É a frase de um filme que adoro. Gostaria de ver a Torre Eiffel?

Gostaria, sim. Gostaria muito. Ralf tinha um buquê de rosas, e os olhos cheios de luz, a luz que ela vira no primeiro dia, quando a pintava enquanto o vento frio fazia com que se sentisse incomodada por estar ali.

- Como você chegou aqui antes de mim? - perguntou apenas para disfarçar a surpresa, a resposta não tinha o menor interesse, mas precisava de algum tempo para respirar.

- Vi você lendo uma revista. Podia ter chegado perto, mas sou romântico, incuravelmente romântico, e achei que seria melhor tomar a primeira ponte-aérea para Paris, passear um pouco pelo aeroporto, esperar três horas, consultar um semnúmero de vezes os horários dos vôos, comprar suas flores, dizer a frase que Ricky diz para sua amada em Casablanca, e imaginar sua cara de surpresa. E ter certeza de que isso é o que você queria, que me esperava, que toda a determinação e vontade do mundo não bastam para impedir que o amor mude as regras do jogo de uma hora para outra. Não custa nada ser romântico como nos filmes, você não acha?

Não sabia se custava ou não, mas o preço agora era o que menos lhe importava -

mesmo sabendo que acabara de conhecer aquele homem, tinham feito amor pela primeira vez havia poucas horas, fora apresentada aos seus amigos na véspera, sabia que ele já havia freqüentado a boate onde trabalhava, e que fora casado duas vezes. Não eram credenciais impecáveis. Por outro lado, ela tinha dinheiro para comprar uma fazenda, a juventude pela frente, uma grande experiência de vida, uma grande independência de alma. Mesmo assim, como sempre o destino escolhia por ela, achou que mais uma vez podia correr o risco.

Beijou-o, sem nenhuma curiosidade de saber o que se passa depois que escrevem

"Fim" nas telas de cinema. Apenas, se algum dia alguém decidisse contar sua história, ia pedir que começasse como os contos de fadas, em que se diz:

Era uma vez...

NOTA FINAL

Como todas as pessoas do mund o - e neste caso não tenho o menor receio de generalizar -, demorei até descobrir o sentido sagrado do sexo. Minha juventude coincidiu com uma época de extrema liberdade, com descobertas importantes e muitos excessos, seguida de um período conservador, repressivo, preço a ser pago por exageros que realmente deixaram seqüelas um pouco duras.

Na década dos excessos (estamos falando dos anos 70), o escritor Irving Wallace escreveu um livro sobre a censura americana, usando para isso as manobras jurídicas visando impedir a publicação de um texto sobre sexo: Os sete minutos.

No romance de Wallace o livro, que é motivo da discussão sobre a censura, é apenas insinuado, e o tema da sexualidade raramente aparece. Fiquei imaginando o que conteria o livro proibido; que m sabe poderia tentar escrevê-lo?

Acontece que, durante o seu romance, Wallace faz muitas referências ao livro inexistente, e isso terminou por limitar - e impossibilitar - a tarefa que eu havia imaginado.

Ficou apenas a lembrança do título (acho que Wallace foi muito conservador com relação ao tempo, e resolvi ampliá- lo) e a idéia de que era importante abordar a sexualidade de uma maneira séria - o que, aliás, já foi feito por muitos escritores.

Em 1997, logo após terminar uma conferência em Mantova (Itália), encontrei no hotel onde estava hospedado um manuscrito que haviam deixado na portaria. Não leio manuscritos, mas li aquele - a história real de uma prostituta brasileira, seus casamentos, suas dificuldades com a lei, suas aventuras. Em 2000, passando por Zurique, entrei em contato com a prostituta - cujo nome de guerra é Sonia - e disse que tinha gostado do seu texto. Recomendei que enviasse à minha editora brasileira, que decidiu não publicá-lo.