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Maria ignorou o aviso, vestiu-se com aquele presente dos céus, ficou horas diante do espelho, arrependida de não ter trazido uma simples máquina fotográfica para registrar o momento, até que finalmente se deu conta de que já estava atrasada para o compromisso.

Saiu correndo, tal qual Cinderela, e foi até o hotel onde o suíço se encontrava.

Para sua surpresa, o intérprete foi logo dizendo que não iria acompanhá- los:

- Não se preocupe com a língua. O important e é ele sentirse bem ao seu lado.

- Mas como, se não vai entender o que eu estou dizendo?

- Justamente por isso. Não precisam conversar, é uma questão de energia.

Maria não sabia o que significava uma "questão de energia". Na sua terra, as pessoas precisavam trocar palavras, frases, perguntas, respostas, sempre que se encontravam. Mas Maílson assim se chamava o intérprete/segurança - garantiu que no Rio de janeiro, e no resto do mundo, as coisas eram diferentes.

- Não precisa entender, apenas procure fazê- lo sentir-se bem. O homem é viúvo, sem filhos, dono de uma boate, e está procurando brasileiras que queiram apresentar-se no exterior. Eu disse que você não fazia o tipo, mas ele insistiu, dizendo que se apaixonara assim que a vira sair da água. Também achou o seu biquíni lindo.

Fez uma pausa.

- Sinceramente, se quiser arranjar namorado aqui, precisa trocar o modelo de biquíni; afora este suíço, acho que ninguém mais no mundo irá gostar; é muito antiquado.

Maria fingiu que não ouvira. Mailson continuou.

- Acho que ele não deseja apenas uma aventura com você; acha que tem talento suficiente para transformar-se na principal atração da boate. Claro que não a viu cantar, nem dançar, mas isso se pode aprender, enquanto a beleza é algo com que se nasce. Esses europeus são mesmo assim: chegam por aqui, acham que todas as brasileiras são sensuais e sabem sambar. Se ele for sério em suas intenções, aconselho que peça um contrato assinado

- e com firma reconhecida no consulado suíço - antes de sair do país. Amanhã estarei na praia, em frente ao hotel, procureme se tiver alguma dúvida.

O suíço, sorrindo, pegou-a pelo braço e mostrou o táxi que os esperava.

- Se entretanto a intenção dele for outra, e a sua também, o

preço normal de uma noite é de trezentos dólares. Não deixe

por menos. -

Antes que pudesse responder, já estava a caminho do restaurante, com o homem ensaiando as palavras que desejava dizer. A conversa foi muito simples:

- Trabalhar? Dólar? Estrela brasileira?

Maria, entretanto, ainda pensava no comentário do segurança/intérprete: trezentos dólares por uma noite! Que fortuna!

Não precisava sofrer por amor, podia seduzi- lo como fizera com o dono da loja de tecidos, casar, ter filhos e dar uma vida confortável aos pais. O que tinha a perder? Ele era velho, talvez não demorasse muito a morrer, e ela ia ficar rica - afinal, parecia que os suíços tinham muito dinheiro e poucas mulheres em sua terra.

Jantaram sem conversar muito - sorriso para cá, sorriso para lá, Maria entendendo aos poucos o que era "energia" -, e o homem lhe mostrou um álbum com várias coisas escritas em uma língua que não conhecia; fotos de mulheres de biquíni (sem dúvida, melhores e mais ousados do que o que estava usando aquela tarde), recortes de jornais, folhetos espalhafatosos em que tudo que entendia era a palavra "Brazil", escrita errado (afinal, na escola não lhe ensinaram que se escrevia com "S"?). Bebeu muito, com medo de que o suíço lhe fizesse uma proposta (afinal, embora jamais tivesse feito isso na vida, ninguém pode desprezar trezentos dólares, e com um pouco de álcool as coisas ficam muito mais simples, principalmente se ninguém de sua cidade está por perto). Mas o homem comportou-se como um cavalheiro, inclusive puxando a cadeira na hora em que ela se sentou e levantou. No final, disse que estava cansada e marcou um encontro na praia no dia seguinte (apontar o relógio, mostrar a hora, fazer com as mãos o movimento das ondas do mar, dizer "a-ma- nhã" bem devagar).

Ele pareceu satisfeito, olhou também para o relógio (possivelmente suíço) e concordou com a hora.

Não dormiu direito. Sonhou que tudo era um sonho. Acordou e viu que não era: havia um vestido na cadeira do quarto modesto, um belo par de sapatos, e um encontro na praia.

Do diário de Maria, no dia em que conheceu o suíço:

Tudo me diz que estou prestes a tomar uma decisão errada, mas os erros são uma maneira de agir. O que o mundo quer de mim? Que não corra meus riscos? Que volte de onde vim, sem coragem de dizer "sim" para a vida?

Já agi errado quando tinha onze anos, e um menino veio me pedir um lápis emprestado; desde então, entendi que às vezes não existe uma segunda oportunidade, é melhor aceitar os presentes que o mundo oferece. Claro que é arriscado, mas será que o risco é maior do que um acidente no ônibus que levou quarenta e oito horas para me trazer até aqui? Se tenho que ser fiel a alguém ou a alguma coisa, em primeiro lugar tenho que ser fiel a mim mesma. Se busco o amor verdadeiro, antes preciso ficar cansada dos amores medíocres que encontrei. A pouca experiência de vida me ensinou que ninguém é dono de nada, tudo é uma ilusão - e isso vai dos bens materiais aos bens espirituais. Quem já perdeu alguma coisa que tinha como garantida (algo que já me aconteceu tantas vezes) termina por aprender que nada lhe pertence.

E se nada me pertence, tampouco preciso gastar meu tempo cuidando das coisas que não são minhas; melhor viver como se hoje fosse o primeiro (ou o último) dia da minha vida. ÇXo dia seguinte, junto com Maílson, o intérprete/segurança, agora se dizendo seu empresário, disse que aceitava o convite, desde que tivesse um documento fornecido pelo consulado suíço. O suíço, que parecia acostumado a tal tipo de exigência, afirmou que aquilo também era desejo seu, já que, para trabalhar na sua terra, uma estrangeira deveria provar que tinha uma ocupação que nenhuma nativa pudesse exercer. Não seria difícil conseguir isso, já que as suíças não tinham grande aptidão para o samba. Foram juntos até o centro da cidade. O segurança/intérprete/empresário exigiu um adiantamento em dinheiro vivo assim que assinaram o contrato, e ficou com 30% dos quinhentos dólares recebidos.

- Isso é uma semana de adiantamento. Uma semana, você entende? Irá ganhar quinhentos dólares por semana, limpos, porque só recebo comissão no primeiro pagamento!

Até aquele momento, as viagens, a idéia de ir para longe, tudo parecia um sonho - e sonhar é muito confortável, desde que não sejamos obrigados a fazer aquilo que planejamos. Assim, não passamos por riscos, frustrações, momentos difíceis, e quando ficarmos velhos, poderemos sempre culpar os outros nossos pais, de preferência, ou nossos maridos, ou nossos filhos - por não termos realizado aquilo que desejávamos.

De repente, ali estava a chance que Maria tanto esperava, mas que torcia para que não chegasse nunca! Como enfrentar os desafios e perigos de uma vida que ela não conhecia?

Como abandonar tudo aquilo a que estava acostumada? Por que a Virgem decidira ir tão longe?

Maria consolou-se com o fato de que podia mudar de idéia a qualquer momento, tudo não passava de uma brincadeira irresponsável - algo diferente para contar quando voltasse a sua terra. Afinal de contas, morava a mais de mil quilômetros dali, tinha agora trezentos e cinqüenta dólares na carteira, e se amanhã resolvesse fazer as malas e fugir, eles jamais conseguiriam saber onde havia se escondido.

Na tarde em que foram ao consulado, ela resolveu passear sozinha pela beira do mar, olhando as crianças, os jogadores de vôlei, os mendigos, os bêbados, os vendedores de artesanato típico brasileiro (fabricado na China), os que corriam e faziam exercícios para afugentar a velhice, os turistas estrangeiros, as mães com seus filhos, os aposentados jogando baralho no final da orla. Tinha vindo ao Rio de janeiro, conhecera um restaurante de primeiríssima classe, um consulado, um estrangeiro, arrumara um empresário, ganhara de presente um vestido e um par de sapatos que ninguém -absolutamente ninguém - em sua terra poderia comprar.