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"Perder a oportunidade", ela havia aprendido muito cedo o que isso significava. "Eu te amo", porém, era uma frase que havia escutado muitas vezes ao longo de seus vinte e dois anos, e parecia que já não tinha mais nenhum sentido - porque nunca resultara em algo sério, profundo, que se traduzisse em uma relação duradoura. Maria agradeceu as palavras, anotou-as em seu subconsciente (nunca se sabe o que a vida nos preparou, e é sempre bom saber onde se encontra a saída de emergência), deu um casto beijo no rosto do ex-patrão e partiu sem olhar para trás.

Voltaram para o Rio, e em apenas um dia ela conseguiu seu passaporte (o Brasil realmente havia mudado, comentara Roger com algumas palavras em português e muitos sinais, que Maria traduziu como "antigamente demorava muito"). Aos poucos, com a ajuda de Maílson, o intérprete/segurança/empresário, as providências restantes foram tomadas (roupas, sapatos, maquiagem, tudo que uma mulher como ela podia sonhar). Roger a viu dançar em uma boate que visitaram na véspera da viagem para a Europa, e ficou entusiasmado com sua escolha -realmente estava diante de uma grande estrela para o cabaré Cologny, a bela morena de olhos claros e cabelos negros como as asas da graúna (um pássaro brasileiro, com que os escritores da terra costumam comparar os cabelos negros). A certidão de trabalho do consulado suíço ficou pronta, fizeram as malas, e no dia seguinte estavam viajando para a terra do chocolate, do relógio e do queijo, com Maria secretamente planejando fazer aquele homem apaixonar-se por ela - afinal de contas ele não era tão velho, nem feio, nem pobre. Que mais desejar?

Chegou exausta e, ainda no aeroporto, seu coração apertou de medo: descobriu que estava completamente dependente do homem ao seu lado - não conhecia a terra, a língua, o frio. O comportamento de Roger ia mudando à medida que as horas se passavam; já não tentava ser agradável, e embora jamais tentasse beijá-la ou tocar seus seios, seu olhar tinha se tornado o mais distante possível. Colocou-a em um pequeno hotel, apresentandoa a outra brasileira, uma mulher jovem e triste chamada Vivian, que se encarregaria de prepará-la para o trabalho.

Vivian a olhou de cima a baixo, sem a menor cerimônia ou o menor carinho por quem está tendo sua primeira experiência no exterior. Em vez de perguntar como se sentia, foi direto ao assunto.

- Não tenha ilusões. Ele vai ao Brasil sempre que alguma de suas dançarinas se casa, e pelo visto isso está acontecendo com muita freqüência. Ele sabe o que quer, e acredito que você também saiba, deve ter vindo em busca de uma das três coisas: aventur a, dinheiro ou marido.

Como é que ela podia imaginar? Será que todo mundo buscava a mesma coisa? Ou será que Vivian podia ler os pensamentos alheios?

- Todas as meninas aqui buscam uma destas três coisas continuou Vivian, e Maria convenceu-se de que estava lendo seu pensamento. - Quanto à aventura, está muito frio para qualquer coisa, e além do mais o dinheiro não sobra para viagens. Quanto ao dinheiro, você terá que trabalhar quase um ano para pagar sua passagem de volta, além dos descontos da hospedagem e da comida.

- Mas...

- Já sei: não foi isso o combinado. Na verdade, foi você quem se esqueceu de perguntar, como aliás todo mundo esquece. Se tivesse mais cuidado, se lesse o contrato que assinou, saberia exatamente onde se meteu, porque os suíços não mentem, embora usem o silêncio para ajudar a si mesmos.

O chão fugia dos pés de Maria.

- Finalmente, quanto ao marido, cada menina que se casa significa um grande prejuízo econômico para Roger, de modo que estamos proibidas de conversar com os clientes. Se quiser alguma coisa neste sentido, terá que correr grandes riscos. Isso daqui não é um lugar onde as pessoas se encontram, como na Rue de Berne.

Rue de Berne?

- Os homens vêm aqui com suas mulheres, e os poucos turistas, assim que se dão conta do ambiente fa miliar, vão em busca de mulheres em outros lugares. Saiba dançar; se souber também cantar, seu salário aumentará, e a inveja das outras também, de modo que sugiro que não tente cantar.

"Sobretudo, não use o telefone. Vai gastar tudo que ainda tem por ganhar, e que será muito pouco."

- Mas ele me prometeu quinhentos dólares por semana!

- Você verá.

Do diário de Maria, em sua segunda semana na Suíça:

Fui até a boate, encontrei um "diretor de danças" de um país chamado Marrocos, e tive que aprender cada passo daquilo que ele - que jamais pisou no Brasil -acredita ser

"samba". Não tive nem tempo de descansar da longa viagem de avião; era sorrir e dançar -

logo na primeira noite. Somos seis meninas, nenhuma delas está feliz, e nenhuma sabe o que está fazendo aqui. Os clientes bebem e batem palmas, jogam beijos e fazem gestos pornográficos escondidos, mas não passa disso.

O salário foi pago ontem, apenas um décimo do que havíamos combinado - o resto, segundo o tal contrato, será usado para pagar minha passagem e minha estada. Pelos cálculos de Vivian, isso deve demorar um ano - ou seja, durante este período não tenho para onde fugir.

Mas será que vale a pena fugir? Acabei de chegar, ainda não conheço nada. Qual o problema de dançar durante sete noites por semana? Antes eu fazia isso por prazer, agora faço por dinheiro e fama; as pernas não reclamam, a única coisa difícil é manter o sorriso nos lábios.

Posso escolher entre ser uma vítima do mundo, ou uma aventureira em busca do seu tesouro. Tudo é uma questão de como vou encarar minha vida.

Maria escolheu ser uma aventureira em busca do tesouro deixou de lado os seus sentimentos, parou de chorar toda noite, esqueceu-se de quem era; descobriu que tinha força de vontade suficiente para fingir que tinha acabado de nascer, e portanto não precisava sentir saudades de ninguém. Os sentimentos podiam esperar, agora era preciso ganhar dinheiro, conhecer o país, e voltar vitoriosa para sua terra.

De resto, tudo a sua volta parecia o Brasil em geral, e sua cidade em particular: as mulheres falavam português, queixavam-se dos homens, conversavam alto, reclamavam dos horários, chegavam atrasadas à boate, desafiavam o patrão, achavamse as mais belas do mundo e contavam histórias dos seus príncipes encantados - que geralmente estavam muito longe, ou eram casados, ou não tinham dinheiro e viviam do trabalho delas. O ambiente, ao contrário do que tinha imaginado ao ver os folhetos de propaganda que Roger trazia consigo, era exatamente como Vivian descrevera: familiar. As meninas não podiam aceitar convites ou sair com fregueses, porque estavam registradas como "dançarinas de samba"

nas respectivas carteiras de trabalho. Se fossem flagradas recebendo um papel com telefone, ficavam quinze dias sem trabalhar. Maria, que esperava algo muito ma is movimentado e emocionante, foi aos poucos deixando-se dominar pela tristeza e pelo tédio.

Nos primeiros quinze dias, ela pouco deixou a pensão onde morava - principalmente quando descobriu que ninguém falava sua língua, mesmo que ela pronunciasse DE-VAGAR cada frase. Também ficou surpresa ao saber que, ao contrário do que acontecia em seu país, a cidade onde estava agora tinha dois nomes diferentes - Genève para os que viviam ali, e Genebra para as brasileiras.

Finalmente, durante as longas horas de tédio em seu pequeno quarto sem televisão, ela concluiu:

a) nunca chegaria a encontrar o que estava procurando, se não soubesse dizer o que pensava. Para isso, precisava aprender a língua local;

b) como todas as suas companheiras estavam também procurando a mesma coisa, ela precisava ser diferente. Para isso ainda não tinha uma solução ou um método.

Do diário de Maria, quatro semanas depois de desembarcar em Genève/Genebra: Já estou aqui há uma eternidade, não falo a língua, passo o dia escutando música no rádio, olhando o quarto, pensando no Brasil, torcendo para que chegue a hora de trabalhar e

- quando estou trabalhando - torcendo para que chegue a hora de voltar para a pensão. Ou seja, estou vivendo o futuro em vez do presente.