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No momento estou sozinha demais para pensarem amor, mas preciso me convencer de que isso vai passar, conseguirei meu emprego, e estou aqui porque escolhi este destino.

A montanha-russa é a minha vida, a vida é um jogo forte e alucinante, a vida é lançar-se de páraquedas, é arriscar-se, cair e voltar a levantar-se, é alpinismo, é querer subir ao topo de si mesmo, e ficar insatisfeita e angustiada quando não se consegue.

Não é fácil estar longe da minha família, da língua na qual posso expressar todas as minhas emoções e sentimentos, mas a partir de hoje, quando ficar deprimida, vou me lembrar daquele parque de diversões. Se eu tivesse dormido e acordado de repente em uma montanha-russa, o que iria sentir?

Bem, a primeira sensação é a de estar prisioneira,

ficar apavorada com as curvas, querer vomitar e sair dali. Entretanto, se confiar que os trilhos são o meu destino, que Deus está governando a máquina, este pesadelo se transforma em excitação. Ela passa a ser exatamente o que é, uma montanha -russa, um brinquedo seguro e confiável, que vai chegar ao final, mas que, enquanto a viagem dura, me obriga a olhar a paisagem ao redor, gritar de excitação.

Mesmo sendo capaz de escrever coisas que julgava muito sábias, ela não conseguia seguir seus próprios conselhos; os momentos de depressão tornaram-se cada vez mais freqüentes, e o telefone continuava sem tocar. Maria, para distrair-se e exercitar o idioma francês nas horas vagas, começou a comprar revistas de artistas famosos, mas logo descobriu que gastava muito dinheiro com isso e foi procurar a biblioteca mais próxima. A senhora encarregada de emprestar livros disse que ali não alugavam revistas, mas podia lhe sugerir alguns títulos que a ajudariam a dominar o francês cada vez mais.

- Não tenho tempo para ler livros.

- Como não tem tempo? O que está fazendo?

- Muitas coisas: estudando francês, escrevendo um diário e... - E o quê?

Ia dizendo, "esperando que o telefone toque", mas achou melhor ficar calada.

- Minha filha, você é jovem, tem a vida pela frente. Leia. Esqueça o que lhe disseram sobre livros, e leia.

- Já li muito.

De repente, Maria lembrou-se daquilo que o segurança Maílson descrevera certa vez como "energia". A bibliotecária à sua frente parecia alguém sensível, doce, alguém que poderia ajudá-la se tudo o mais falhasse. Precisava conquistá- la, sua intuição dizia que ali podia estar uma possível amiga. Rapidamente mudou de opinião:

- Mas quero ler mais. Por favor me ajude a escolher os livros.

A mulher trouxe O pequeno príncipe. Naquela noite ela começou a folheá-lo, viu os desenhos do início, onde aparecia um chapéu - mas o autor dizia que na verdade, para as crianças, aquilo era uma cobra com um elefante dentro. "Acho que nunca fui criança", pensou consigo mesma. "Para mim, isso parece mais um chapéu." Na ausência da televisão, ela começou a acompanhar o principezinho em suas viagens, embora ficasse triste sempre que o tema "amor" aparecia - havia proibido a si mesma de pensar no assunto, pois se arriscava ao suicídio. Afora as dolorosas cenas românticas entre um príncipe, uma raposa e uma rosa, o livra era muito interessante, e ela não ficou a cada cinco minutos verificando se a bateria do celular estava carregada (morria de medo de que sua chance maior passasse por causa de um descuido).

Maria passou a freqüentar a biblioteca, conversar com a mulher que parecia tão sozinha como ela, pedir sugestões, comentar sobre a vida e os autores - até que seu dinheiro chegou quase ao fim; mais duas semanas e já não teria nem o suficiente para comprar a passagem de volta.

E como a vida sempre espera situações críticas para então mostrar o seu lado brilhante, finalmente o telefone tocou.

Três meses depois de ter descoberto a palavra "advogado", e dois meses depois de estar vivendo da indenização recebida, uma agência de modelos perguntou se a Sra. Maria ainda se encontrava naquele número. A resposta foi um "sim" frio, ensaiado durante muito tempo, para não demonstrar nenhuma ansiedade. Soube então que um árabe, profissional da moda em seu país, gostara muito de suas fotos, e queria convidá-la a participar de um desfile. Maria lembrou-se da decepção recente, mas também do dinheiro de que precisava desesperadamente.

Marcaram o encontro em um restaurante muito chique. Encontrou um senhor elegante, mais encantador e maduro que sua experiência anterior, que lhe perguntou:

- Sabe de quem é aquele quadro ali? De Joan Miró. Sabe quem é Joan Miró?

Maria ficava calada, como se estivesse concentrada na comida, bastante diferente dos restaurantes chineses. Por outro lado, fazia anotações mentais: devia pedir um livro sobre Miró em sua próxima visita à biblioteca.

Mas o árabe insistia:

- Aquela mesa ali era a preferida de Federico Fellini. O que você acha dos filmes de Fellini?

Ela respondeu que adorava. O árabe quis entrarem detalhes e Maria, percebendo que sua cultura não passaria pelo teste, resolveu ir direto ao assunto:

- Não vou ficar aqui representando para o senhor. Tudo que eu sei é a diferença entre uma Coca-cola e uma Pepsi. O senhor não deseja conversar sobre um desfile de modas?

A franqueza da moça pareceu impressioná-lo bem.

- Faremos isso quando formos tomar um drink, depois do jantar.

Houve uma pausa, enquanto os dois se olhavam e imaginavam o que o outro estava pensando.

- Você é muito bonita - insistiu o árabe. - Se resolver tomar um drink comigo em meu hotel, lhe dou mil francos.

Maria imediatamente entendeu. Era culpa da agência de modelos? Era culpa sua, que devia ter perguntado melhor a respeito do jantar? Não era culpa da agência, nem dela, nem do árabe: era assim mesmo que as coisas funcionavam. De repente, sentiu que precisava do sertão, do Brasil, do colo de sua mãe.

Lembrou-se do aviso de Maílson, na praia, quando ele falara em trezentos dólares; naquela época julgara engraçado, acima do que esperava receber por uma noite com um homem. Entretanto, naquele momento, deu-se conta de que não tinha mais ninguém, absolutamente ninguém no mundo com quem pudesse conversar; estava sozinha, em uma cidade estranha, com vinte e dois anos relativamente bem vividos, mas inúteis para ajudá-la a resolver qual seria a melhor resposta.

- Sirva- me mais vinho, por favor.

O árabe colocou mais vinho em seu copo, enquanto o pensamento viajava mais rápido que o Pequeno Príncipe em seu passeio por diversos planetas. Viera em busca de aventura, dinheiro, e talvez um marido, sabia que ia terminar recebendo propostas como essa, porque não era inocente e já se acostumara com o comportamento dos homens. Mas ainda acreditava em agências de modelos, estrelato, um marido rico, família, filhos, netos, roupas, retorno vitorioso à cidade onde nascera. Sonhava em superar todas as dificuldades apenas com a sua inteligência, seu charme, sua força de vontade.

A realidade acabara de desabar em sua cabeça. Para surpresa do árabe, ela começou a chorar. O homem, dividido entre o medo do escândalo e o instinto masculino de proteger a moça, não sabia o que fazer. Fez sinal para o garçom para pedir logo a conta, mas Maria o interrompeu:

- Não faça isso. Sirva- me mais vinho, e deixe- me chorar um pouco.

E Maria pensou no menino que lhe pedira um lápis, no rapaz que a beijara de boca fechada, na alegria de conhecer o Rio de janeiro, nos homens que a tinham usado sem dar nada em troca, nas paixões e nos amores perdidos ao longo de toda a sua caminhada. Sua vida, apesar da aparente liberdade, era um sem- fim de horas esperando um milagre, um amor verdadeiro, uma aventura com o mesmo final romântico que sempre vira nos filmes e lera nos livros. Um autor escrevera que o tempo não transforma o homem, a sabedoria não transforma o homem - a única coisa que pode fazer alguém mudar de idéia é o amor. Que tolice! Quem escreveu aquilo conhecia apenas um lado da moeda.

Realmente, o amor era a primeira coisa capaz de mudar totalmente a vida de uma pessoa de um momento para o outro. Mas existia o outro lado da moeda, aquilo que fazia o ser humano tomar um curso totalmente distinto do que havia planejado: chamava-se desespero. Sim, talvez o amor fosse capaz de transformar alguém; o desespero, no entanto, transforma mais rápido. E agora, Maria? Devia sair correndo, voltar para o Brasil, transformar-se em professora de francês, casar como dono da casa de tecidos? Devia ir um pouco mais adiante, uma só noite, em uma cidade em que não conhecia ninguém e ninguém a conhecia? Será que uma só noite, e o dinheiro tão fácil, a fariam continuar seguindo adiante, até um ponto do caminho de onde não poderia mais voltar? O que estava acontecendo naquele minuto: uma grande oportunidade, ou um teste da Virgem Maria?