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Telefonou para Maeve Livingstone, mulher de Morris Livingstone, que fora o mais famoso comediante baixinho oriundo de Yorkshire em toda a Inglaterra e que era cliente da Agência Grahame Coats havia muito tempo.

— Alô? Aqui é Charles Nancy, do departamento de contabilidade da Agência Grahame Coats.

Ah — disse a mulher do outro lado da linha. — Pensei que o próprio Grahame ligaria para mim.

— Ele está um pouco ocupado. Então ele., ahm — delegou a tarefa. A mim. Então — Posso ajudar?

— Não sei ao certo. Eu queria saber... bom, o gerente do banco é que queria saber... quando o resto do dinheiro dos bens do Morris vai aparecer. O Grahame Coats explicou para mim da última vez... bom, eu acho que foi da última vez em que nos falamos... que o dinheiro foi investido... quer dizer, eu entendo que essas coisas levam tempo... ele disse que caso contrário eu perderia muito dinheiro...

— Bom, eu sei que ele está cuidando do problema. Mas essas coisas realmente levam tempo.

— Sim — disse ela. — Suponho que levam tempo mesmo. Liguei para a BBC e eles disseram que realizaram vários pagamentos desde a morte de Morris. Sabia que lançaram toda a série Morris Livingstone, I Presume em DVD? E vão lançar as duas séries de Short Baek and Sides no Natal.

— Eu não sabia — admitiu Fat Charlie. — Mas tenho certeza de que Grahame Coats sabe. Ele sempre está a par dessas coisas.

— Eu tive que comprar meu próprio DVD — disse, melancólica. — Mesmo assim, tudo voltou. O pessoal se maquiando nos bastidores, aquela atmosfera do clube da BBC. E eu vou te contar uma coisa, me fez sentir falta de estar sob um holofote. Foi assim que eu conheci o Morris. Eu era dançarina. Tinha minha própria carreira.

Fat Charlie disse a ela que informaria Grahame Coats de que o gerente do banco da sra. Livingstone estava um pouco preocupado e depois desligou.

Ficou se perguntando como alguém pode sentir falta de estar sob os holofotes.

Nos piores pesadelos de Fat Charlie, um holofote brilhava sobre ele, proveniente de um céu escuro, sobre um grande palco, e figuras ocultas tentavam forçá-lo a ficar sob a luz do holofote e cantar. Por mais rápido que ele corresse, ou para mais longe, por melhor que se escondesse, sempre o encontravam e o arrastavam de volta para o palco, diante de dezenas de pessoas ansiosas por um espetáculo. Ele sempre acordava antes de reamente cantar, suando e tremendo, com o coração batendo feito um tambor no peito.

O dia de trabalho passou. Fat Charlie trabalhava ali havia quase dois anos. Estava na empresa havia mais tempo que todo mundo, com exceção do próprio Grahame Coats. A rotatividade na agencia era grande. Mesmo assim, ninguém gostava muito de vê-lo por ali.

Fat Charlie às vezes sentava-se à sua mesa e ficava olhando através da janela enquanto a chuva cinzenta e insensível lá fora batia contra o vidro. Então se imaginava numa praia tropical, com as ondas de um mar impossivelmente azul arrebentando sobre a areia impossivelmente dourada. Muitas vezes se perguntava se as pessoas na praia, na sua imaginação, observando os dedos brancos das ondas acariciando a areia, ouvindo os pássaros tropicais assobiando nas palmeiras, não sonhavam estar na Inglaterra, na chuva, numa sala do tamanho de um caixote, no quinto andar de um escritório, a uma distância segura do tédio que representava areia a dourada e da chatice infernal de um dia tão perfeito que nem mesmo um drink cremoso com excesso de rum e um guarda-chuvinha de papel vermelho poderia fazer alguma coisa para melhorar os ânimos. E isso o consolava.

No caminho para casa, parou na loja de bebidas e comprou uma garrafa de vinho branco alemão, uma vela com cheiro de patchouli no pequeno supermercado ao lado e pegou uma pizza na pizzaria ali perto.

Rosie ligou durante sua aula de ioga, às 7h30, para avisar que se atrasaria um pouco, depois de seu carro, às 8h, para avisar que estava presa no trânsito, e finalmente às 9hl 5, para avisar que estava virando a esquina, mas aí Fat Charlie já tinha bebido quase toda a garrafa de vinho sozinho e consumido apenas um solitário pedaço de pizza.

Mais tarde, ele se perguntaria se tinha sido o vinho que o fizera dizer aquilo.

Rosie chegou às 9h20, com toalhas, um saco de supermercado cheio de xampus, sabonetes e um grande pote de creme para o cabelo. Ela recusou, de modo vigoroso mas bem-humorado, a taça de vinho e o pedaço de pizza oferecidos por Fat Charlie. Explicou que tinha comido enquanto estava presa no tráfego. Tinha pedido pelo telefone. Fat Charlie sentou-se na cozinha, serviu-se da última taça de vinho branco e catou o queijo e o pepperoni da cobertura da pizza fria enquanto Rosie foi até o banheiro e começou, de repente, a gritar muito alto.

Fat Charlie chegou ao banheiro antes que o primeiro grito morresse no ar, no exato momento em que Rosie enchia os pulmões para soltar outro grito. Estava convencido de que a encontraria ensopada em sangue. Para sua surpresa e alívio, ela não estava sangrando. De calcinha e sutiã azuis, apontava para a banheira, no centro da qual havia uma aranha de jardim grande e marrom.

— Desculpe — choramingou. — Me pegou de surpresa.

— Acontece — disse Fat Charlie. — Vou abrir a torneira e deixar a água levá-la embora.

— Não ouse fazer uma coisa dessas! — ameaçou Rosie com firmeza. — É um ser vivo. Leve para fora.

— Certo.

— Vou esperar na cozinha. Me avise quando terminar.

Quando você bebe um garrafa inteira de vinho branco, fazer uma aranha de jardim bastante tímida entrar num copo de plástico transparente usando apenas um cartão de aniversário velho torna-se uma tarefa mais difícil para a coordenação entre os olhos e a mente do que de costume. E uma tarefa em nada auxiliada por uma noiva parcialmente nua, à beira de um ataque histérico, e que, apesar de anunciar que esperaria na cozinha, está debruçada sobre o seu ombro, dando palpites.

Apesar da ajuda, ele logo conseguiu colocar a aranha dentro do copo, cuja boca permanecia firmemente coberta por um cartão de aniversário enviado por um velho amigo dos tempos de escola que dizia: VOCÊ TEM A IDADE QUE SENTE TER (e que, do lado de dentro, acrescentava jocosamente à mensagem ENTÃO PÁRA DE FICAR SENTINDO O QUE VOCÊ TEM NO BOLSO, SEU TARADO! — FELIZ ANIVERSÁRIO).

Ele levou a aranha escada abaixo, saiu pela porta da frente e foi para o pequeno jardim frontal, que consistia numa cerca viva utilizada pelos transeuntes para vomitar e diversas pedras com grama entre elas. Ergueu o copo. Sob a luz de sódio amarelada, a aranha ficava negra. Imaginou que ela o estivesse encarando.

— Desculpe o que aconteceu — disse em alto e bom som à aranha, com o vinho branco percorrendo seu corpo.

Colocou o cartão e o copo numa pedra rachada, ergueu o copo e esperou a aranha sair correndo dali. Em vez disso, ela ficou simplesmente parada, imóvel, sobre a face do feliz ursinho de pelúcia desenhado no cartão. Homem e aranha ficaram se observando.

Lembrou-se de algo que a Sra. Higgler havia lhe dito, e as palavras saíram de sua boca antes que pensasse nelas. Talvez fosse alguma influência demoníaca. Talvez fosse o álcool.

— Se você vir o meu irmão — disse Fat Charlie para a aranha —, diga para me fazer uma visitinha.

A aranha ficou parada no mesmo lugar. Ergueu uma perna, quase como se estivesse pensando no que lhe foi dito, e depois saiu correndo pela pedra na direção da cerca viva. Então desapareceu.