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Spider levantou-se e disse:

— Eu conheci essas pessoas. Essas das revistas. Já convivi com elas. Eu vi, em primeira mão, sua vida vazia, imatura. Eu as observei, escondido nas sombras, quando pensavam estar sozinhas. E digo uma coisa pra você: acho que não existe uma única dessas pessoas capaz de trocar de vida com você, mesmo sob a mira de um revólver, meu irmão. Vamos.

— Hã? Aonde você vai?

— Nós vamos. Já cumprimos a primeira parte da nossa missão trina da noite. Bebemos vinho. Existem duas tarefas a cumprir.

— Ahm — Fat Charlie seguiu Spider até saírem do bar, esperando que o ar fresco da noite clareasse seus pensamentos. Mas não funcionou. Parecia que sua cabeça sairia flutuando por aí, como se não estivesse presa ao corpo.

— Agora, as mulheres. E depois música.

Talvez seja bom deixar claro que as mulheres simplesmente não apareciam no mundo de Fat Charlie. Seria preciso que alguém o apresentasse a elas. Você tinha que tomar coragem para falar com elas. Era preciso encontrar um assunto para conversar com elas. E, assim que você conseguisse passar por tudo isso, havia desafios ainda maiores. Você tinha que ousar perguntar a elas se tinham planos para o sábado à noite e, quando perguntava, a maioria precisava lavar o cabelo, atualizar o diário, cuidar do papagaio ou simplesmente esperar em vão, perto do telefone, a ligação de outro homem.

Mas o mundo de Spider era diferente.

Andaram na direção do West End e pararam quando chegaram a um pub cheio de gente. Os clientes se derramavam pela calçada. Spider parou e cumprimentou o que parecia ser um grupo festejando o aniversário de uma moça chamada Sybilla, a qual ficou muito lisonjeada quando ele insistiu em pagar uma rodada de bebidas para ela e seus amigos, em comemoração à data. Ele contou piadas (“então o bêbado parou no velório e ouviu alguém dizer ‘coitado, morreu feito um passarinho! e, quando perguntaram para o bêbado do que o sujeito tinha morrido, ele respondeu: ‘ah, pelo que eu ouvi, foi de pedrada “) e ria das próprias piadas, uma risada alta, alegre. Conseguia lembrar o nome de todas as pessoas ao seu redor. Falava com elas e ouvia o que tinham a dizer. Quando anunciou que era hora de ir para outro pub, todo o grupo que celebrava o aniversário decidiu, como se fosse uma única mulher, que iria com ele.

Quando chegaram ao terceiro pub, Spider parecia um desses astros em videoclipes de rock. Estava rodeado de garotas. Elas o abraçavam. Muitas o beijavam, meio de brincadeira, meio a sério. Fat Charlie observava com um misto de horror e inveja.

— Você é o guarda-costas dele? — perguntou uma das moças.

— Como?

— O guarda-costas dele. Você é ou não é?

— Não. Sou o irmão dele.

— Nossa. Não sabia que ele tinha um irmão. Eu acho ele fantástico.

— E, eu também — concordou outra moça, que passara algum tempo agarrada a Spider até ser forçada a sair dali pela pressão exercida por outros corpos com a mesma intenção. Ela notou a presença de Fat Charlie pela primeira vez.

— Você é o empresário dele?

— Não. É irmão dele — respondeu a primeira moça. — Ele acabou de me dizer — acrescentou, enfática.

A segunda moça a ignorou. — Você também é americano? — perguntou. — Tem um pouco de sotaque.

— Quando eu era mais jovem — respondeu Fat Charlie —, a gente morava na Flórida. Meu pai era americano, minha mãe era... Bom, originalmente ela veio de Saint Andrews, mas ela foi criada-

Ninguém mais ouvia o que ele dizia.

Quando saíram dali, o que restava da comemoração de aniversário os acompanhou. As mulheres cercavam Spider, perguntando para onde estavam indo. Sugeriram restaurantes e casas noturnas. Spider simplesmente sorria e continuava a andar.

Fat Charlie os seguia, lá atrás, sentindo-se mais desprezado do que nunca.

Andaram por um mundo cheio de luzes de néon. Spider tinha os braços em volta de muitas mulheres. Ele as beijava enquanto caminhava, sem distinção, como um homem que dá uma mordida numa fruta tropical e depois experimenta outra. Nenhuma delas parecia se importar.

“Isso não é normal”, pensou Fat Charlie. “Não mesmo.” Ele nem tentava alcançá-los, apenas fazia o máximo para não ficar totalmente para trás.

Ainda sentia o gosto amargo do vinho na boca.

Deu-se conta de que havia uma moça caminhando ao seu lado. Era pequena, bonitinha, de um jeito delicado. Puxou a manga dele.

— O que nós vamos fazer agora? — perguntou. — Para onde estamos indo?

— Estamos de luto pelo meu pai. Eu acho.

— Isso é uma daquelas pegadinhas da TV?

— Espero que não.

Spider parou e virou-se. O brilho em seus olhos era perturbador.

— Chegamos — anunciou. — Chegamos. É o que ele gostaria que a gente fizesse.

Havia uma mensagem escrita à mão, numa folha de papel de um laranja bem gritante, sobre a porta do pub que dizia: “Hoje à noite, KARAOKÊ no andar de cima”.

— Música — disse Spider. E gritou: — Está na hora do show!

— Não — interrompeu Fat Charlie. Ele parou e ficou onde estava.

— É o que ele adoraria.

— Eu não canto. Não em público. E estou bêbado. E realmente acho que isso não é uma boa idéia.

— E uma excelente idéia! — Spider tinha um sorriso perfeitamente convincente. Se utilizado de maneira adequada, um sorriso daqueles poderia dar início a uma guerra santa. Fat Charlie no entanto não se convenceu.

— Olha... — começou, tentando esconder o pânico em sua voz. — Existem coisas que as pessoas não fazem. Certo? Algumas pessoas não conseguem voar. Outras não fazem sexo em público. Outras não se transformam em fumaça e saem por aí. Eu não consigo fazer nada disso, e também não consigo cantar.

— Nem mesmo pelo nosso pai?

— Especialmente nesse caso. Ele não vai conseguir me fazer passar vergonha depois de morto. Bem, pelo menos não mais do que já fez.

— Licença — disse uma das moças. — Com licença, a gente vai entrar? Porque eu estou ficando com frio, e a Sybilla precisa fazer xixi.

— A gente vai entrar — assentiu Spider, e sorriu para ela.

Fat Charlie quis protestar, fazer valer sua opinião, mas percebeu que o arrastaram para dentro, e se odiou por isso. Alcançou Spider nas escadas.

— Está bem, eu vou entrar. Mas não vou cantar.

— Você já entrou.

— Eu sei. Mas não vou cantar.

— Não faz muito sentido dizer que você não vai entrar se você já entrou.

— Eu não sei cantar.

— Então você está me dizendo que eu herdei também todo o talento musical?

— Eu estou dizendo que, se eu tiver que abrir a boca para cantar em público, eu vomito.

Spider apertou o braço dele para passar confiança.

— É só ver como eu faço.

A aniversariante e duas de suas amigas subiram, trôpegas, no palco e cantaram, entre risadinhas, “Dancing Queen”. Fat Charlie ficou tomando uma tônica com gim que alguém colocou na mão dele e fazia uma leve careta a cada nota desafinada que cantavam, a cada mudança de tom errada. Houve uma salva de palmas do restante do grupo da aniversariante.

Outra mulher foi para o palco. Era a mocinha pequenina que havia perguntado a Fat Charlie para onde iriam. A música começou — “Stand By Me” —, e ela foi atrás, pronunciando a letra da melhor maneira que conseguia para acompanhar a música. Não acertava uma nota, começava cada estrofe muito antes ou muito depois, e alterou grande parte da música. Fat Charlie ficou condoído.

Ela desceu do palco e foi até o bar. Fat Charlie planejava dizer algo para demonstrar empatia, mas ela vibrava de alegria.

— Foi o máximo! Sério, foi fantástico. — Fat Charlie pagou uma bebida para ela, um drink de vodca com laranja. — Foi tão divertido. Você vai cantar também? Vai lá. Você tem que cantar. Aposto que não é tão ruim quanto eu.