— Bem — ele respondeu, lembrando-se das diversas situações constrangedoras por que passou, cada uma delas fazendo com que involuntariamente contraísse os dedos dos pés. Decidiu contar uma delas. — Bom, quando eu mudei de escola, ainda criança, meu pai fez questão de me dizer que sempre ficava ansioso pelo Dia do Presidente quando era menino, porque a lei dizia que no Dia do Presidente as crianças que iam à escola vestidas como seu presidente favorito ganhavam um saco cheio de doces.
— Ah. É uma lei bacana — opinou Rosie. — Seria bom ter algo assim aqui na Inglaterra.
Rosie nunca havia saído do Reino Unido, sem contar as pequenas férias passadas em uma ilha que — ela tinha quase certeza — ficava no Mediterrâneo. Tinha olhos de um castanho vivido e um bom coração, ainda que geografia não fosse seu forte.
— Não é uma lei bacana — discordou Fat Charlie. — Nem ao menos é uma lei. Ele inventou isso. Na maioria dos estados, não tem nem aula no Dia do Presidente. E, mesmo se tiver, não existe tradição nenhuma de ir para a escola fantasiado como seu presidente favorito. As crianças fantasiadas de presidente não ganham sacos de doces graças a uma lei do Congresso. E a popularidade dos alunos nos anos seguintes, do ginásio até o colegial, não é decidida com base na fantasia de presidente que escolheram. As crianças comuns não se vestem como os presidentes mais óbvios, e as que se tornam populares não se vestem como John Quincy Adams, Warren Gamali o ele dizia que dava.
— Os meninos e as meninas se fantasiam de presidente?
— Ah, sim. Os meninos e as meninas. Então eu passei a semana anterior ao Dia do Presidente lendo tudo sobre os presidentes na World Book Encyclopedia, tentando escolher o melhor deles.
— Você não desconfiou que ele estivesse de brincadeira?
Fat Charlie fez que não com a cabeça.
— Não é uma coisa que passa pela sua cabeça quando o meu pai começa a enganar você. Ele é o melhor mentiroso do mundo. E bastante convincente.
Rosie tomou um pequeno gole de seu Chardonnay.
— E você foi à escola vestido como qual presidente?
— Taft. Ele foi o 21º presidente. Eu usei um terno marrom que o meu pai encontrou sei lá onde, com as pernas das calças enroladas e um travesseiro enfiado na frente. Também tinha um bigode pintado na cara. O meu pai me levou à escola naquele dia. Eu entrei todo orgulhoso. As outras crianças ficaram gritando e apontando para mim, então eu me tranquei num cubículo no banheiro dos meninos e chorei. Não me deixaram ir para casa trocar de roupa. Passei o dia todo daquele jeito. Foi como estar no inferno.
— Você devia ter inventando alguma desculpa. Que você ia a uma festa à fantasia depois, algo do tipo. Ou então ter dito a verdade a eles.
— É — concordou Fat Charlie, de um jeito triste, relembrando o fato.
— O que o seu pai disse quando você voltou pra casa?
— Ah, ele caiu na gargalhada. Começou dando risadinhas, depois ficou rindo bem alto, ria, ria até engasgar. Então me disse que talvez as pessoas não estivessem mais fazendo essa coisa do Dia do Presidente. Por que, em vez de fazer isso, ele não me levou à praia para procurar sereias?
— Procurar sereias?
— A gente ia até a praia e ficava caminhando pela areia. Ele era mais constrangedor que qualquer ser humano sobre a face da Terra. Começava a cantar e fazer uma espécie de dança arrastada sobre a areia, e falava com as pessoas enquanto dançava. Pessoas que ele não conhecia, que nunca tinha visto na vida. Eu odiava aquilo, menos quando ele me dizia que havia sereias no Oceano Atlântico e, se eu olhasse bem rápido e para o lugar certo, conseguiria ver uma delas.
“Ali!”, ele dizia. “Você viu? Era uma ruiva bem grande, com uma cauda verde.” Eu olhava e olhava, mas nunca via uma sereia.
Fat Charlie balançou a cabeça. Então pegou um punhado de nozes sortidas da tigela sobre a mesa e começou a jogá-las na boca, triturando-as como se cada uma fosse uma vergonha passada 20 anos antes que jamais pudesse ser apagada.
— Bom — começou Rosie, de um jeito animado —, ele parece uma pessoa muito querida, uma figura! A gente precisa convidá-lo pro nosso casamento. Ele seria a alma da festa.
Fat Charlie enfim explicou, depois de engasgar por um instante com uma castanha-do-pará, que essa era exatamente a última coisa que ele queria em seu casamento. O pai aparecendo e sendo a alma da festa. Afirmou que seu pai era, sem sombra de dúvida, a pessoa mais constrangedora sobre a face da Terra. Acrescentou que se sentia muito feliz por não ver o velho havia anos e que deixar seu pai e vir morar na Inglaterra com a tia Alanna fora a melhor coisa que sua mãe fizera. Salientou o que dizia afirmando categoricamente que de jeito nenhum, nenhum mesmo, convidaria seu pai. Na verdade, disse por fim, a melhor coisa de se casar era que não convidaria o seu pai para o casamento.
Então Fat Charlie viu a expressão no rosto de Rosie e o ar gelado em seus olhos sempre gentis e corrigiu apressadamente o que disse, explicando que aquela seria a segunda melhor coisa de se casar, mas já era tarde.
— Você vai ter que se acostumar com a idéia — respondeu Rosie. — Afinal, um casamento é sempre uma excelente oportunidade para entrar em contato com as pessoas. E a sua oportunidade de mostrar que não guarda rancores.
— Mas eu guardo rancores — explicou Fat Charlie. — E muitos.
— Você tem o endereço dele? — perguntou Rosie. — Ou o telefone? Talvez você deva ligar. Uma carta é meio impessoal demais quando o único filho está se casando. Você é filho único, não é? Ele tem e-mail?
— Sim, sou filho único. Não tenho a mínima idéia se ele tem e-mail. Provavelmente não.
“Uma carta seria uma boa idéia”, pensou. “A carta poderia ser extraviada pelo correio.”
— Bom, você deve ter algum endereço ou telefone.
— Não tenho — respondeu com sinceridade. Talvez seu pai tivesse se mudado. Talvez tivesse saído da Flórida e ido a algum lugar onde não houvesse telefones. E endereços.
— Bom — disse Rosie, com certa rispidez. — Então quem tem?
— A Sra. Higgler — respondeu Fat Charlie, perdendo completamente a vontade de lutar contra a noiva.
Rosie sorriu docemente.
— E quem é a Sra. Higgler?
— Uma amiga da família. Quando eu era criança, ela era nossa vizinha.
Ele falara com a Sra. Higgler muitos anos antes, quando sua mãe estava à beira da morte. A pedido dela, telefonara para a Sra. Higgler para dar o recado ao pai e pedir que entrasse em contato. Vários dias depois, lá estava uma mensagem na secretária eletrônica de Fat Charlie, deixada enquanto ele estava no trabalho, com uma voz que sem dúvida era de seu pai, mesmo que soasse bastante envelhecida e um pouco bêbada.
O pai dizia que não era uma boa hora, que não podia deixar os EUA porque tinha negócios a resolver. E disse que a mãe de Fat Charlie era uma mulher fantástica. Vários dias depois, um vaso de flores sortidas chegou à ala do hospital. A mãe de Fat Charlie deu uma risadinha de desprezo quando leu o cartão.
— Ele acha que consegue se livrar assim tão fácil? Está aprontando mais alguma coisa, garanto pra você.
Mas então ela pediu à enfermeira que pusesse as flores num bom lugar perto da cama dela e, depois disso, perguntou diversas vezes a Fat Charlie se ele sabia de alguma coisa, se por acaso sabia se seu pai viria visitá-la antes que ela morresse.
Fat Charlie respondeu que não sabia de nada. Passou a odiar a pergunta e a resposta que dava, e também a expressão no rosto da mãe quando ele dizia que não, o pai não viria.