— Certo. Bom, foi ótimo revê-la. A senhora deve ter muito o que fazer. E eu preciso ir trabalhar.
— Pensei que você tivesse tirado o dia de folga.
— A manhã. Tirei a manhã de folga. E já está quase no fim. Preciso voltar ao trabalho, então tchau.
Ela segurou a bolsa perto do corpo com ambas as mãos e levantou-se. Fat Charlie a seguiu pelo corredor.
— Foi ótimo rever a senhora.
Ela piscou como piscaria uma cobra capaz de piscar antes de atacar.
— Tchau, Daisy — gritou. — Vejo você no casamento.
Daisy, agora de calcinha e sutiã, colocando uma camiseta, debruçou-se até aparecer no corredor.
— Tchau! — respondeu, e voltou para o quarto de Fat Charlie.
A mãe de Rosie não dizia mais nada enquanto Fat Charlie a conduzia escada abaixo. Ele abriu a porta para ela e, quando passou, ele viu em seu rosto algo terrível, algo que fazia seu estômago gelar ainda mais. Era o que a mãe de Rosie fazia com a boca, que estava repuxada nos cantos num sorriso horrível. Como uma caveira com lábios, a mãe de Rosie estava sorrindo.
Ele fechou a porta por trás dela e ficou de pé, tremendo, no corredor. Então, como um homem prestes a ir para a cadeira elétrica, subiu as escadas.
— Quem era ela? — perguntou Daisy, agora quase vestida.
— A mãe da minha noiva.
— Ela é uma simpatia, não é?
Ela vestiu as mesmas roupas que usara na noite passada.
— Você vai trabalhar vestida assim?
— Ah, não. Vou pra casa me trocar. Nunca vou pro trabalho assim. Será que você pode chamar um táxi?
— Para onde você vai?
— Hendon.
Ele chamou o táxi. Sentou-se no chão do corredor e ficou a contemplar os diversos prováveis acontecimentos futuros, todos não contempláveis.
Alguém estava de pé perto dele.
— Eu tenho umas vitaminas B na minha bolsa. Ou você podia tomar uma colher de mel. Nunca fez efeito em mim, mas a menina que mora comigo jura que é um santo remédio para ressaca.
— Não é isso. Eu disse a ela que você é minha prima. Para que não pensasse que você era minha... que a gente— Você sabe, uma moça estranha no apartamento, essas coisas.
— Prima, é? Bom, não se preocupe. Ela certamente vai se esquecer completamente de mim e, se não esquecer, você pode dizer que eu desapareci misteriosamente do país. Você nunca vai me ver de novo.
— Sério? Promete?
— Ei, também não precisa ficar tão contente. — Uma buzina soou na rua, lá fora. — Acho que é o meu táxi. Levante-se para a gente se despedir.
Ele se levantou.
— Não se preocupe — disse ela. E o abraçou.
— Acho que a minha vida acabou.
— Que nada.
— Estou arruinado.
— Obrigada por tudo. — Então ela inclinou-se e o beijou nos lábios, um beijo mais forte e mais longo do que seria apropriado para pessoas que mal se conheciam. Depois sorriu, desceu as escadas alegremente e saiu da casa.
— Isso — começou Fat Charlie, alto, quando a porta fechou — provavelmente não está acontecendo.
Ele ainda sentia o gosto dela nos lábios, um gosto de suco de laranja e framboesa. Aquilo é que era um beijo. Um beijo de verdade. Havia um desejo por trás desse beijo que ele nunca sentira antes, nem mesmo com..
— Rosie — disse.
Abriu o celular e pressionou a tecla de discagem rápida.
— Você ligou para o celular da Rosie — disse a voz da própria. — Estou ocupada ou perdi o telefone de novo. Ligue para minha casa ou deixe uma mensagem.
Fat Charlie fechou o telefone. Colocou o casaco por cima de seu moletom e, piscando só um pouco por causa da luz forte do dia, saiu para a rua.
Rosie noah sentia-se preocupada, fato que por si só já a deixava preocupada. Tudo era, como muitas coisas no mundo de Rosie, quer admitisse ou não, culpa de sua mãe.
Já estava acostumada a viver num mundo em que sua mãe odiava a idéia de que a filha se casasse com Fat Charlie Nancy. Via a oposição da mãe ao casamento como um sinal dos céus de que provavelmente estava fazendo a coisa certa, mesmo que não tivesse muita certeza, lá no fundo, de que era mesmo esse o caso.
Ela o amava, é claro. Ele era uma boa pessoa, alguém normal, que passava confiança...
A mudança da mãe de Rosie a preocupava, e o entusiasmo repentino da mãe pela organização do casamento a deixava perturbada.
Tinha telefonado para Fat Charlie na noite anterior para discutir o assunto, mas ele não atendia. Rosie achou que ele talvez tivesse ido dormir mais cedo.
Por isso resolveu almoçar com ele para conversarem.
A Agência Grahame Coats ocupava o último andar de um edifício vitoriano em Aldwych. Para chegar lá, era necessário subir cinco andares. Mas havia um elevador, um elevador antigo que fora instalado 100 anos antes pelo agente teatral Rupert “Binky” Butterworth. Um elevador extremamente pequeno, lento e sacolejante, cujas peculiaridades de projeto e função ficavam claras somente quando se descobria que Binky Butterworth tinha o tamanho, o formato e a habilidade para se espremer em locais onde caberia apenas um filhote de hipopótamo barrigudinho. Ele concebera o elevador para comportar, sem espaço extra, o próprio Binky Butterworth e outra pessoa bem mais magra: uma corista, por exemplo, ou um corista — Binky não fazia distinção. A única coisa de que precisava para ser feliz era alguém em busca de representação no mundo do teatro apertando-se contra ele dentro do elevador numa jornada bem lenta e sacolejante pelos seis andares até o topo. Muitas vezes, quando chegavam ao último andar, Binky estava tão transtornado pelas pressões da jornada que precisava se deitar um pouco, deixando à corista ou ao corista a tarefa de ficar abanando-o na sala de espera, preocupado, imaginando se a horrível falta de ar e a resfolegante vermelhidão no rosto de Binky, que o acometiam nos andares finais, não era sinal de que sofria algum tipo de embolia pré-eduardiana.
As pessoas usavam o elevador com Binky Butterworth apenas uma vez. Depois disso, subiam pelas escadas.
Grahame Coats, que comprara o restante da Agência Butterworth da neta de Binky havia mais de 20 anos, manteve o elevador, dizendo que fazia parte da história do lugar.
Rosie fechou a porta interna sanfonada, fechou a porta externa, entrou na recepção e disse à recepcionista que queria falar com Charles Nancy. Sentou-se debaixo das fotos de Grahame Coats com as pessoas que havia representado. Reconheceu nas fotos Morris Livingstone, o comediante, algumas dessas bandas só de garotos, de sucesso relâmpago, e um bando de estrelas do esporte que nos últimos anos haviam se tornado “celebridades”. Do tipo que aproveitava a vida ao máximo até conseguir um fígado novo.
Um homem entrou na recepção. Não se parecia muito com Fat Charlie. Tinha a pele mais escura e sorria como se se divertisse com tudo. De um jeito excessivo e perigoso.
— Eu sou Fat Charlie Nancy — disse o homem.
Rosie caminhou até Fat Charlie e deu-lhe um beijo na bochecha. Ele perguntou:
— Eu conheço você? — Isso era uma coisa muito estranha de se dizer, e ele emendou: — Claro que conheço. Você é Rosie. E está cada dia mais linda.
Ele devolveu o beijo, tocando os lábios dela com os seus. Seus lábios só roçaram os dela de leve, mas o coração de Rosie começou a bater como o coração de Binky Butterworth após uma subida de elevador particularmente tumultuada, pressionado contra uma corista.
— Almoço — disse Rosie com uma voz desafinada. — Eu estava passando e pensei que talvez a gente pudesse almoçar. Conversar.
— Sim — concordou o homem que Rosie acreditava ser Fat Charlie. — Almoço.
Ele colocou o braço de um jeito macio em torno dela.
— Quer almoçar em algum lugar específico?
— Ah. Em— qualquer lugar. Você escolhe.
“O cheiro dele”, pensou. “Por que nunca notara antes o quanto adorava o cheiro dele?”