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— A gente decide. Vamos pela escada?

— Se você não se importa, eu gostaria de ir pelo elevador.

Ela bateu a porta sanfonada, e eles desceram até o térreo chacoalhando lentamente, pressionados um contra o outro.

Rosie não conseguia lembrar-se da última vez em que se sentira tão feliz.

Quando chegaram à rua, o celular dela sinalizou que tinha uma nova mensagem. Ela ignorou.

Entraram no primeiro restaurante que encontraram. Até um mês antes, aquele era um moderno restaurante de sushi, com uma esteira rolante que percorria a sala carregando pequenos pedaços de peixe cru, cujo preço era determinado pela cor do prato. O restaurante japonês fechou e imediatamente surgiu outro, como era o costume dos restaurantes de Londres. Dessa vez um restaurante húngaro, que manteve a esteira rolante como um toque moderno adicional à culinária típica. Isso significava que tigelas de goulash, esfriando rapidamente, bolinhos temperados com páprica e vasilhas com sour cream desfilavam de modo majestoso pelo recinto.

Rosie não achou que o restaurante fosse fazer muito sucesso.

— Onde você estava ontem à noite? — perguntou.

— Eu saí. Com o meu irmão.

— Você é filho único.

— Não, não sou. Parece que tenho um irmão.

— Sério? Mais uma surpresa do legado do seu pai?

— Querida — começou o homem que ela acreditava ser Fat Charlie —, você não sabe da missa a metade.

— Bom, espero que ele compareça ao casamento.

— Acho que não perderia nosso casamento por nada no mundo. — Ele fechou a mão sobre a dela, e ela quase derrubou a colher com goulash. — O que você precisa fazer hoje à tarde?

— Não muita coisa. Está tudo praticamente morto lá no escritório. Algumas ligações para angariar fundos, mas podem esperar. E... ahm... você... ahm... Por quê?

— Está um dia tão lindo. Você quer passear um pouco?

— Seria ótimo.

Andaram pela área do dique do rio e começaram a seguir a parte norte do rio Tamisa, um passeio lento, de mãos dadas, conversando, sem falar sobre nada muito sério.

— E o seu trabalho? — perguntou Rosie quando pararam para tomar sorvete.

— Ah. Eles não vão se importar. Talvez nem percebam que não estou lá.

Fat Charlie subiu correndo as escadas até a agência Grahame Coats. Sempre subia pelas escadas. Para início de conversa, era um jeito de fazer exercício. E nunca precisaria se preocupar em ter que ficar espremido num elevador com outra pessoa, perto demais para fingir que o outro não estava lá. Entrou na recepção arfando um pouco.

— A Rosie apareceu, Annie?

— Você se perdeu dela? — perguntou a recepcionista.

Ele foi até o escritório. A mesa estava muito organizada, de um jeito peculiar. A pilha de correspondência por enviar tinha desaparecido. Havia um post-it sobre a tela de seu computador: “Venha até a minha sala. GC”.

Ele bateu na porta do escritório de Grahame Coats. Uma voz respondeu:

— Sim?

— Sou eu.

— Sim. Entrai, senhor Nancy. Puxe uma cadeira. Eu pensei bastante na conversa que tivemos hoje de manhã. Parece que eu tinha uma imagem errada de você. Trabalha aqui há quanto tempo?

— Quase dois anos.

— Você trabalha muito, há muito tempo. Agora, com o triste falecimento do seu pai..

— Eu não o conhecia direito.

— Ah. Você é um homem de coragem, Nancy. Já que é a época de descanso da aragem, o que você diria se eu lhe oferecesse algumas semanas de folga? Com, nem é preciso dizer, salário integral?

— Salário integral?

— Sim, salário integral, mas, sim, eu entendo o seu lado. Gastar dinheiro. Estou certo de que gostaria de gastar um dinheirinho, não?

Fat Charlie tentou descobrir em que universo estava.

— Você está me despedindo?

Grahame Coats riu como uma doninha engasgada com um osso.

— De jeito nenhum. Exatamente o contrário. Na verdade, acho que agora é que nos entendemos perfeitamente. O seu emprego está são e salvo. Como uma criancinha dentro de casa. Contanto que você continue a ser esse modelo exemplar de circunspecção e discrição que tem sido até o momento.

— Uma criança dentro de casa está a salvo? — perguntou Fat Charlie.

— Totalmente a salvo.

— E que eu li em algum lugar que a maioria dos acidentes com crianças ocorre dentro de casa.

— Então imagino que seja de vital importância que você retorne a sua casa imediatamente. — Ele entregou a Fat Charlie um papel de formato retangular. — Aqui está. Um pequeno gesto de agradecimento por dois anos de devoção ao trabalho na Agência Grahame Coats. — Então, porque era sempre o que dizia quando dava dinheiro a alguém, falou: — Não gaste tudo de uma vez.

Fat Charlie olhou para o papel. Era um cheque.

— Duas mil libras. Nossa! Não, não vou gastar de uma vez.

Grahame Coats sorriu para ele. Se havia um tom de triunfo naquele sorriso, Fat Charlie estava perplexo, abalado e confuso demais para perceber.

— Passar bem.

Fat Charlie voltou ao escritório.

Grahame Coats encostou-se sobre a porta do escritório de Fat Charlie de um jeito casual, como um mangusto debruçado como quem não quer nada sobre a toca de uma cobra. E disse:

— Uma perguntinha. Se, durante o tempo em que você estiver de licença se divertindo e relaxando, algo que recomendo veementemente-. Se durante esse tempo eu precisar acessar os seus arquivos, você poderia me dar a sua senha?

— Acho que a sua senha dá acesso a todo o sistema — respondeu Fat Charlie.

— Sem dúvida nenhuma — concordou Grahame Coats com voz alegre. — Mas só por precaução. Você sabe como são os computadores.

— Sereia— respondeu Fat Charlie. — S-E-R-E-I-A.

— Excelente. Excelente — repetiu. Ele não fez o gesto de esfregar as mãos, mas bem que poderia.

Fat Charlie desceu as escadas com um cheque no valor de 2 mil libras no bolso, tentando imaginar como pôde ter uma imagem tão errada de Grahame Coats durante dois anos.

Virou a esquina, foi até seu banco e depositou o cheque.

Depois desceu a área.do dique para tomar um ar e pensar.

Estava 2 mil libras mais rico. A dor de cabeça que o acometia de manhã desaparecera. Sentia-se bem, próspero. Pensou se não poderia convidar Rosie para viajar alguns dias com ele. Era meio de repente, mas mesmo assim...

Então ele viu Spider e Rosie andando de mãos dadas do outro lado da rua. Rosie estava terminando de tomar seu sorvete. Ela parou, jogou o resto numa lata de lixo e puxou Spider para si. Com uma boca de sorvete, começou a beijá-lo com vontade e entusiasmo.

Fat Charlie sentiu a dor de cabeça voltar. Ficou paralisado.

Observou enquanto se beijavam. Achava que, mais cedo ou mais tarde, teriam que parar para respirar, mas não pararam. Caminhou para outra direção, sentindo-se péssimo, até chegar ao metrô.

E foi para casa.

Quando chegou em casa, sentia-se um trapo. Foi para a cama, que ainda tinha um cheiro leve de Daisy, e fechou os olhos.

O tempo passou, e agora Fat Charlie caminhava por uma praia com seu pai. Estavam descalços. Ele era criança de novo, e seu pai não tinha idade definida.

“Então”, disse seu pai, “você e Spider estão se dando bem?”

“Isto é um sonho”, pensou Fat Charlie, “e eu não quero falar sobre isso.”

“Vocês, meninos...”, começou o pai, balançando a cabeça. “Escute. Vou dizer uma coisa importante pra você.”

“O quê?”

Mas seu pai não respondeu. Algo que pairava sobre as ondas chamou sua atenção, e ele se abaixou e pegou alguma coisa. Cinco protuberâncias pontudas moveram-se languidamente.

“Uma estrela-do-mar”, disse seu pai, com ar alegre. “Quando você corta uma pela metade, ela cresce de novo até formar uma nova estrela.”

“Pensei que você fosse me dizer uma coisa importante.”

Seu pai agarrou o próprio peito, caiu na areia e parou de se mover. Vermes saíram da areia e o devoraram em poucos segundos, sem deixar nada além dos ossos. Pai?