Naquela noite, o velho Anansi, mais gordo do que jamais esteve em toda a vida, sai da terra e, redondo e feliz, o estômago esticado feito um tambor, arrasta-se até a plantação de ervilha.
— Quem é você? — pergunta ao boneco de piche.
O boneco de piche não diz uma só palavra.
— Este lugar é meu — diz Anansi ao homem de piche. — É a minha plantação. E melhor você ir andando se não quiser apanhar.
O boneco de piche não diz nada e não move um músculo.
— Eu sou o sujeito mais forte e mais poderoso que já existiu — avisa Anansi ao boneco de piche. — Sou mais feroz que o Leão, mais rápido que o Guepardo, mais forte que o Elefante, mais terrível que o Tigre. — Ele enche o peito de orgulho por sua força, seu poder e sua ferocidade, esquecendo-se de que era apenas uma pequena aranha. — Tenha medo — ameaça. — Tenha muito medo.
Pode sair correndo.
O boneco de piche não tem medo e nem corre. Para falar a verdade, fica lá parado. Então Anansi bate nele. A mão de Anansi fica grudada.
— Solta a minha mão — diz ao homem de piche. — Solta senão eu te bato na cara.
O homem de piche não diz nada, não mexe um dedinho sequer, e Anansi bate nele, um soco bem dado na cara.
— Certo. Brincadeira tem limite. Você pode segurar as minhas duas mãos se quiser, mas eu tenho mais quatro e duas ótimas pernas. Você não consegue segurar tudo isso, então me solta que eu pego leve com você.
O boneco de piche não solta as mãos de Anansi e não diz uma palavra, então Anansi bate nele com todas as mãos e o chuta com os pés, um de cada vez.
— Certo, então. Me solta senão eu te mordo. — E então o piche enche sua boca e cobre seu nariz e seu rosto.
Assim encontraram Anansi na manhã seguinte, quando a mulher e os filhos saíram pela plantação de ervilha para ir até o pé de fruta-pão: todo grudado no boneco de piche, e morto de verdade.
Não ficaram surpresos ao ver que ele estava ali morto.
Naquela época, era assim que as pessoas costumavam encontrar Anansi.
6
no qual Fat Charlie não consegue chegar em casa, nem mesmo de táxi
Daisy acordou com o despertador. espreguiçou-se na cama feito um gatinho. Podia ouvir o barulho do chuveiro, o que significava que a moça que morava com ela já tinha acordado. Colocou um robe felpudo cor-de-rosa e foi até o corredor.
— Você quer mingau? — perguntou através da porta.
— Não estou muito a fim. Mas, se você fizer, eu como.
— Sem dúvida você sabe como fazer uma mulher se sentir desejada — disse. Foi para a cozinha americana e colocou o mingau para cozinhar.
Voltou para o quarto, colocou as roupas de trabalho e se olhou no espelho. Fez uma careta. Prendeu o cabelo num coque apertado, atrás da cabeça.
Sua colega de apartamento, Carol — uma mulher branca, nascida em Preston, de rosto fino —, pôs a cabeça para fora do quarto. Enxugava vigorosamente os cabelos com uma toalha.
— O banheiro é todo seu. Como está o mingau?
— Acho que precisa dar uma mexidinha.
— Onde você esteve noite passada? Disse que ia sair pra beber e comemorar o aniversário da Sybilla, mas não voltou mais.
— Não é da sua conta, ok? — Daisy foi até a cozinha e mexeu o mingau. Colocou um pouco de sal e mexeu um pouco mais. Pôs o mingau em duas tigelas e acomodou-as sobre o balcão. — Carol? O mingau vai esfriar.
Carol apareceu, sentou-se e ficou olhando para o mingau. Não estava completamente vestida.
— Isso não é um café-da-manhã de verdade, né? Se você quer saber, um café-da-manhã de verdade tem que ter frios, ovos fritos, salsichão e tomate grelhado — disse ela com seu forte sotaque do norte da Inglaterra.
— Se você fizer, eu como.
Carol salpicou uma colher de sobremesa cheia de açúcar no mingau. Olhou para ele. Colocou mais uma colher de açúcar. E disse:
— Não, não come. Você diz que come. Mas aí começa a falar em colesterol, que comida frita faz mal prós rins. — Daisy passou para ela uma xícara de chá. — Você e os seus rins. Na verdade, rim seria uma boa pedida. Já comeu rim, Daisy?
Uma vez. Se quer saber, dá pra obter o mesmo gosto grelhando um pouco de fígado e mijando em cima.
Carol fungou.
— Não precisa exagerar.
— Coma o seu mingau.
Terminaram de comer o mingau e tomar o chá. Colocaram as tigelas na máquina de lavar louça, que não foi ligada porque não estava cheia. Foram de carro para o trabalho. Carol, agora completamente vestida com seu uniforme, era quem dirigia.
Daisy foi até sua mesa, que ficava numa sala cheia de outras mesas vazias.
O telefone tocou, e ela se sentou.
— Daisy? Você está atrasada.
Ela olhou para o relógio de pulso.
— Não, não estou, não... senhor. Como posso ajudá-lo?
— Você pode ligar para um homem chamado Coats. Ele é amigo do chefão. Torce pro Crystal Palace. Só hoje de manhã, ele já me escreveu duas vezes falando sobre isso. Quem será que ensinou o chefão a escrever?
Daisy anotou os detalhes e fez a ligação. Adotou o tom de voz mais sério e eficiente que podia e disse:
— Aqui é a detetive Day. Como posso ajudá-lo?
— Ah — respondeu uma voz de homem. — Bom, eu contei umas coisas pro superintendente ontem à noite, um homem fantástico, velho amigo meu. Ótima pessoa. Ele sugeriu que eu falasse com alguém aí no escritório. Gostaria de fazer um relato. Bom, não tenho certeza de que houve um crime. Provavelmente há uma explicação para isso. Aconteceram certas irregularidades e, bom, para ser bem franco com você, dei ao meu contador umas duas semanas de folga até saber se é verdade que ele está envolvido com certas., humm... irregularidades financeiras.
— Eu preciso de detalhes. — disse Daisy. — Qual o nome completo do senhor? E do contador?
— Meu nome é Grahame Coats — respondeu o homem do outro lado da linha. — Da Agência Grahame Coats. O nome do meu contador é Nancy. Charles Nancy.
Ela anotou os dois nomes. Não lhe pareceram familiares.
Fat Charlie planejava ter uma briga com spider assim que ele voltasse para casa. Ensaiou a briga em sua cabeça várias e várias vezes, e sempre ganhava a discussão de modo justo e decisivo.
No entanto Spider não voltou para casa na noite anterior. Fat Charlie acabou dormindo na frente da TV, meio que assistindo a um game show vulgar para tarados que sofriam de insônia chamado Mostra o Bumbum! ou coisa do tipo.
Acordou no sofá quando Spider puxou as cortinas.
Está um lindo dia — disse ele.
Você! — acusou Fat Charlie. — Você beijou a Rosie! Não tente negar.
— Eu tive que beijar.
— Como assim, teve? Você não tinha que beijar.
— Ela pensou que eu era você.
— Ora, você sabia que não era eu. Não podia ter beijado a Rosie.
— Mas, se eu me recusasse a beijá-la, ela teria pensado que você não queria beijá-la.
— Mas não era eu.
— Mas ela não sabia disso. Eu só estava tentando ajudar.
— Tentando ajudar! — repetiu Fat Charlie, sentado no sofá. — Me ajudar geralmente inclui não beijar a minha noiva. Você podia ter dito que estava com dor de dente.
— Mas isso — começou Spider com um ar de santo — seria mentir.
— Mas você já estava mentindo! Estava fingindo que era eu!
— Bom, então seria aumentar a mentira, de qualquer maneira — explicou Spider. — Eu fiz isso apenas porque você não podia ir ao trabalho. Não. Eu não poderia mentir mais. Me sentiria péssimo.
— Bom, eu realmente me senti péssimo. Tive que ver vocês dois se beijando.
— Ah. Mas ela achou que estava beijando você.
— Pára de repetir isso!
— Você deveria se sentir lisonjeado. Quer almoçar?
— Claro que não. Que horas são?