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— Hora do almoço. E você está atrasado de novo. Foi até bom eu não livrar a sua cara desta vez, já que é assim que você me agradece.

— Não, tudo bem. Eu tenho duas semanas de licença. E ganhei um bônus.

Spider ergueu uma sobrancelha.

— Olha — começou Fat Charlie, sentindo que era hora de ir para o segundo round da discussão. — Não é que eu queira me livrar de você, mas andei pensando.— Você pretende ir embora quando?

— Bom, quando eu cheguei, planejava ficar um dia. Talvez dois. O suficiente para conhecer meu irmãozinho e depois ir embora. Sou um homem muito ocupado.

— Então você vai embora hoje?

— Esse era o meu plano. Mas eu encontrei você. Não consigo acreditar que passamos quase a vida toda sem a companhia um do outro, meu irmão.

— Eu consigo.

— Os laços de sangue são mais fortes que a água.

— Água não é forte.

— Mais fortes que a vodca então. Ou que os vulcões. Ou amônia. Olha, o que quero dizer é que encontrar você é... bem, é um grande privilégio. Nunca fizemos parte da vida um do outro, mas isso é passado. Vamos começar uma nova vida hoje. Vamos deixar o passado para trás e fazer um novo pacto, o pacto da irmandade.

— Você está a fim da Rosie.

— Com certeza — concordou Spider. — O que você pretende fazer a respeito?

— Fazer a respeito? Ora, ela é minha noiva.

— Não se preocupe. Ela pensa que eu sou você.

— Quer parar de repetir isso?

Spider abriu os braços num gesto angelical, mas arruinou o efeito lambendo os lábios.

— O que você pretende fazer? — perguntou Fat Charlie. — Casar com ela fingindo que sou eu?

— Casar? — Spider parou e ficou pensando por um momento. — Mas. Que. Idéia. Horrível.

— Bom, eu estava bem disposto a casar, na verdade.

— Spider não se casa. Não sou do tipo que se casa.

— Então a minha Rosie não é boa o suficiente para você? É isso o que você está dizendo?

Spider não respondeu. Saiu da sala.

Fat Charlie achou que tinha se saído bem, de alguma maneira, na discussão. Levantou-se do sofá, pegou as embalagens de alumínio que na noite anterior continham um chow mein de frango e bolinhos de carne de porco, e jogou-as no lixo. Foi para o quarto, onde tirou as roupas com as quais dormira e colocaria roupas limpas. Porém descobriu que, como não havia posto a roupa suja para lavar, não tinha roupas limpas. Então escovou vigorosamente as roupas do dia anterior, tirando vários pedacinhos de macarrão grudados, e colocou-as de volta.

Foi para a cozinha.

Spider estava sentado à mesa, comendo um filé grande o suficiente para duas pessoas.

— Onde você conseguiu isso? — perguntou Fat Charlie, embora já conhecesse a resposta.

— Eu perguntei se você queria almoçar — observou Spider gentilmente.

— Onde você conseguiu esse filé?

— Estava na geladeira.

— Este... — gritou Fat Charlie, apontando o dedo como um advogado de acusação prestes a dar o bote — este filé é o que eu comprei para o jantar de hoje. Para o meu jantar com a Rosie. Para o jantar que eu ia fazer para ela! Agora você está sentado aí como... como uma... uma... pessoa comendo um filé! E... e comendo... e...

— Não tem problema.

— Como assim, não tem problema?

— Bom, eu já liguei para a Rosie de manhã, e vou levá-la para jantar hoje à noite. Então você não precisaria do filé, de qualquer maneira.

Fat Charlie abriu a boca. E depois fechou.

— Quero que você saia daqui.

— Uma coisa boa para o desejo de um homem é superar-se em algum aspecto, alcançar alguma coisa, sei lá. Do contrário, de que serve o Paraíso? — perguntou Spider entre garfadas do filé de Fat Charlie.

— Mas que diabos você está falando?

— Estou dizendo que não vou a lugar nenhum. Gosto daqui. — Ele espetou outro pedaço de filé, pôs na boca e engoliu.

— Fora! — exclamou Fat Charlie. O telefone tocou. Ele suspirou, foi até o corredor e atendeu, irritado:

— Sim?

— Ah, Charles. Que bom ouvir sua voz. Sei que no momento você está desfrutando o seu honrado dinheiro, mas será que você poderia, dentro das suas possibilidades, aparecer aqui por— humm. meia hora, mais ou menos, amanhã de manhã? Digamos, por volta das dez?

— Sim. Claro. Sem problema.

— Que bom. Preciso que você assine alguns papéis. Bom, então até lá.

— Quem era? — perguntou Spider. Ele já havia limpado o prato e agora enxugava a boca com uma toalha de papel.

— Grahame Coats. Ele quer que eu apareça lá amanhã.

— Ele é um safado.

— E daí? Você também é.

— Um safado de outro tipo. Não é boa gente. Você devia arrumar outro emprego.

— Eu adoro o meu emprego!

Fat Charlie dizia a verdade. Conseguira esquecer por completo o quanto detestava seu trabalho, a Agência Grahame Coats e a presença desagradável de Grahame Coats, que sempre aparecia furtivamente atrás da porta.

Spider levantou-se e disse:

— Excelente filé. Eu coloquei as minhas coisas no seu quarto extra.

— Você o quê?

Fat Charlie correu até o fim do corredor, onde havia um quarto que tecnicamente caracterizava sua residência como um apartamento de dois quartos. O quarto continha diversas caixas de livros, um velho jogo de autorama, uma caixa de metal cheia de carrinhos Hot Wheels (a maioria sem rodas) e diversos outros restos destruídos da infância de Fat Charlie. Talvez fosse um quarto de bom tamanho para um gnomo ou um anão diminuto, mas para qualquer outra pessoa aquilo era um armário com janela.

Ou então era assim que o quarto costumava ser.

Fat Charlie abriu a porta e ficou parado no corredor, piscando.

Havia um quarto, é claro. Isso ainda era verdade. Mas um quarto enorme. Um quarto magnífico. Havia janelas na parede do fundo, enormes janelas que davam para o que parecia uma cachoeira. Por trás dela, o sol tropical estava baixo no horizonte e queimava tudo com sua luz dourada. Havia uma lareira grande o suficiente para assar uns dois bois, na qual a madeira crepitava. Havia uma rede de dormir, de um lado do quarto, ao lado de um sofá absurdamente branco e de uma cama com quatro colunas. Perto da lareira, havia algo que Fat Charlie, que só vira aquilo nas revistas, suspeitava ser um tipo de banheira de hidromassagem. Havia um tapete de zebra e uma pele de urso pendurada numa parede, e também um equipamento moderno de áudio que basicamente consistia num pedaço negro de plástico polido. Numa parede havia uma daquelas TVs de plasma do tamanho do quarto que deveria estar ali. E muito mais.

— O que você fez? — perguntou Fat Charlie. Ele não entrou no quarto.

— Bom, já que eu vou ficar uns dias aqui, pensei em trazer as minhas coisas.

— Suas coisas? “Trazer suas coisas” é trazer umas duas malas de roupa, uns jogos de Play Station e uma planta. Mas isso... isso é...

Ele não tinha palavras.

Spider deu um tapinha no ombro de Charlie enquanto entrava no quarto.

— Se você precisar de mim, estou aqui no meu quarto. — E fechou a porta.

Fat Charlie tentou abrir. Estava trancada.

Foi para a sala da TV, pegou o telefone do corredor e ligou para a Sra.Higgler.

— Quem é que esta ligando a essa hora da manhã? — perguntou ela.

— Sou eu. Fat Charlie. Me desculpe.

— Ce tá ligando por quê?

— Bom, estou ligando para pedir um conselho. É que o meu irmão apareceu.

— O teu irmão?

— Spider. A senhora me falou dele. Você disse para pedir a uma aranha se eu quisesse vê-lo. Eu fiz isso, e ele está aqui.

— Bom — começou ela num tom despreocupado —, isso é ótimo.

— Não, não é.

— Por que não? Ele é da sua família, não é?

— Olha, não posso contar com detalhes agora. Eu só quero que ele vá embora.

— Já tentou falar com ele educadamente?

— Já falamos sobre isso. Ele diz que não vai embora. Montou um quarto que mais parece a arena dos prazeres de Kublai Khan ali no quartinho de despensa, sendo que aqui é preciso permissão até mesmo para colocar vidros anti-ruído na janela. Ele tem uma cachoeira lá. Não lá dentro, do outro lado da janela. E está dando em cima da minha noiva.