— Ele vai vir aqui?
— Você não tá escutando, menina? — perguntou a Sra. Dunwiddy. Só a Sra. Dunwiddy poderia chamar a Sra. Higgler de “menina” sem soar como algo absurdo. — Agora me ajuda a pôr esse peru na geladeira.
Seria correto dizer que Rosie tivera a noite mais maravilhosa de toda a sua vida: mágica, perfeita, excelente. Ela não conseguia parar de sorrir, mesmo se quisesse. A comida estava sensacional e, quando terminaram de comer, Fat Charlie levou-a para dançar. Era um salão de dança de verdade, com uma pequena orquestra e pessoas com roupas de tons claros que pairavam sobre a pista de dança. Ela se sentia como se tivesse viajado pelo tempo até uma época mais bonita. Rosie fizera aulas de dança desde os 5 anos de idade, mas nunca teve ninguém para dançar com ela.
— Eu não sabia que você sabia dançar — disse ela. — Há tantas coisas sobre mim que você não sabe.
Aquilo a deixou feliz. Logo, logo se casaria com aquele homem. Havia coisas sobre ele que ela desconhecia? Que ótimo. Teria uma vida inteira para descobri-las. Todo tipo de coisas.
Ela percebeu o modo como outras mulheres, e outros homens, olhavam para Fat Charlie enquanto andava ao seu lado, e ficou feliz por ser a mulher que o acompanhava.
Caminharam pela Leicester Square, e Rosie podia ver as estrelas sobre eles, a luz delas brilhando, apesar da luz forte da rua.
Por um breve momento, ficou pensando por que nunca tinha se sentido daquele jeito com Fat Charlie. Às vezes, lá no fundo, Rosie suspeitava que talvez só continuava a namorar Fat Charlie porque sua mãe não gostava nem um pouco dele. Que somente havia dito sim quando ele a pediu em casamento porque a mãe teria preferido que dissesse não...
Fat Charlie certa vez a levara ao West End. Foram ao teatro. Era uma surpresa de aniversário, mas houve confusão na bilheteria — na verdade, os bilhetes tinham sido emitidos para a apresentação do dia anterior. A gerência foi compreensiva e bastante Prestativa, e conseguiu achar para Fat Charlie um assento atrás de uma pilastra, lá na frente, enquanto Rosie ficou lá em cima, atrás de um grupo de mulheres de Norwich que não paravam de rir. Não foi o que se pode chamar de um sucesso se você considerar esses detalhes.
Mas esta noite tinha sido mágica. Rosie não tivera muitos momentos perfeitos em sua vida, mas, qualquer que fosse o número total deles, tinha acabado de subir mais um.
Adorava o modo como se sentia quando estava com ele.
Quando acabaram de dançar, depois que saíram pela noite, embriagados pelo movimento e pelo champanhe, Fat Charlie — e por que ela pensava nele como Fat Charlie? Afinal, não era nem um pouquinho gordo — colocou o braço em volta dela e disse:
— Agora vamos voltar para a minha casa.
Falou isso numa voz tão profunda e real que fez o estômago dela tremer. Ela não comentou nada sobre ter que trabalhar no dia seguinte nem sobre ter tempo suficiente para aquele tipo de coisa quando se casassem. Não disse absolutamente nada, na verdade. O tempo todo, pensava no quanto não queria que aquela noite acabasse, no quanto queria— Não, no quanto precisava beijar aquele homem na boca e abraçá-lo.
Então, lembrando-se de que deveria dizer alguma coisa em resposta, disse sim.
No caminho, dentro do táxi, ficaram de mãos dadas, e ela se debruçou sobre ele quando a luz dos carros e dos postes iluminou seu rosto.
— Você tem uma orelha furada. Como eu não notei antes que você tem uma orelha furada?
— Ei — disse ele, sorrindo, com sua voz sonora e profunda como um baixo —, como você acha que eu me sinto se você nunca notou algo assim, mesmo a gente estando junto por— quanto tempo mesmo?
— Um ano e seis meses.
— Um ano e seis meses.
Ela se debruçou sobre ele e aspirou seu cheiro.
— Eu adoro o seu cheiro. Você está usando algum perfume?
— É só o meu cheiro.
— Ah, então você devia engarrafar e vender.
Ela pagou o táxi enquanto ele abria a porta da frente. Subiram as escadas juntos. Quando chegaram ao topo, ele parecia se dirigir para o fim do corredor, na direção do quarto dos fundos.
— Ei, o quarto é aqui, seu bobo. Aonde você vai?
— Lugar nenhum. Eu sei que o quarto é aí.
Entraram no quarto de Fat Charlie. Ela fechou as cortinas. Ficou olhando para ele, feliz.
— E então? — perguntou ela, após alguns instantes. — Não vai tentar me beijar?
— Acho que vou — respondeu ele, e a beijou. A dimensão do tempo derreteu, esticou, curvou-se. Ela poderia tê-lo beijado por alguns instantes, por uma hora ou por uma vida inteira. Não saberia dizer. E então...
— Que barulho foi esse?
— Eu não ouvi nada — disse ele.
— Parecia alguém gritando de dor.
— Gatos brigando, talvez.
— Parecia uma pessoa.
— Pode ser uma dessas raposas que vêm pra cidade. Elas fazem um barulho bem parecido com o de gente.
Ela ficou lá, parada, com a cabeça inclinada para um lado, ouvindo atentamente.
— Já parou — disse. — Humm. Quer saber uma coisa estranha?
— Arrã — respondeu ele, com os lábios agora roçando pelo pescoço dela. — Claro, pode me falar a coisa estranha. Mas eu já fiz ela ir embora. Não vai mais perturbar você.
— A coisa estranha é que parecia você.
Fat Charlie vagueou pelas ruas, tentando pôr a cabeça no lugar. O curso de ação mais óbvio seria bater em sua própria porta até Spider descer e deixá-lo entrar e depois falar para os dois tudo o que ele pensava. Isso era óbvio. Perfeita e completamente óbvio.
Só precisava voltar a sua casa, explicar tudo para Rosie e humilhar Spider até fazê-lo ir embora. Só precisava fazer isso. Não era muito difícil, certo?
Mais difícil do que deveria, com certeza. Não sabia ao certo por que fora embora dali. E tinha menos certeza ainda sobre qual o caminho de volta. As ruas que conhecia, ou achava que conhecia, pareciam estar dispostas de uma nova maneira. Ficou dando de cara com becos sem saída, explorando infinitas ruas particulares e tropeçando pelo emaranhado de vias residenciais de Londres.
Às vezes via a avenida principal. Havia semáforos nela, e os luminosos das cadeias de fastfood. Sabia que, se chegasse à avenida principal, conseguiria achar o caminho de volta até sua casa.
No entanto, sempre que caminhava em direção à avenida, acabava em outro lugar.
Seus pés começaram a doer. Seu estômago roncava violentamente. Sentia raiva e, à medida que caminhava, ela aumentava.
A raiva clareou seus pensamentos. As teias de aranha em sua mente começaram a desaparecer. A teia de ruas na qual caminhava começou a ficar menos intricada. Virou uma esquina e percebeu que estava na avenida principal, perto da New Jersey Fried Chicken. Comprou uma embalagem tamanho família de frango frito, sentou-se e comeu tudo sem a ajuda de parente nenhum. Quando terminou, ficou de pé na calçada esperando que um táxi com a luz de “desocupado” passasse por ali. Fez sinal para um grande carro preto, que parou perto dele. A janela desceu.
— Para onde?
— Maxwell Gardens — respondeu Fat Charlie.
— Tá de brincadeira, né? — perguntou o motorista. — Fica logo ali na esquina.
— Pode me levar até lá? Dou cinco libras a mais. De verdade.
O motorista suspirou alto por entre os dentes. Um som parecido com o que um mecânico faria antes de perguntar a você se tinha um apego muito grande ao motor do carro.
— Cê que sabe. Entra aí.
Fat Charlie entrou. O táxi arrancou, esperou a luz do semáforo ficar verde e fez a curva.
— Aonde mesmo você queria ir? — perguntou o motorista.
— Maxwell Gardens — respondeu Fat Charlie. — Número 34.
Logo depois da loja de bebidas.
Fat Charlie estava usando as roupas do dia anterior, mas preferia que não fosse assim. Sua mãe sempre lhe dissera para usar roupa de baixo limpa, caso tivesse um acidente de carro, e para escovar os dentes, caso alguém precisasse identificá-lo pela arcada dentária.