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— Eu não faria nada para impedi-lo — respondeu Spider — É a sua casa, afinal de contas. Onde você esteve a noite toda?

— Você sabe perfeitamente onde eu estive. Estava tentando chegar em casa, mas não conseguia. Não sei que tipo de magia você usou comigo.

— Não foi magia — observou Spider, ofendido. — Foi um milagre.

Fat Charlie passou por ele e subiu a escada com passos barulhentos. Entrou no chuveiro, tapou o ralo da banheira e abriu as torneiras. Debruçou-se na parede do corredor.

— Não interessa o nome. Você está lançando essa coisa sobre a minha casa e me impediu de vir para cá ontem à noite. — Ele tirou as roupas de anteontem. Colocou a cabeça do lado de fora da porta. — E a polícia está atrás de mim no trabalho. Você falou para o Grahame Coats que havia irregularidades financeiras?

— Claro que falei — respondeu Spider.

— Ha! Bom, agora ele suspeita que eu sou o culpado, só isso.

— Ah, eu acho que não.

— Você não sabe de nada. Eu conversei com ele. Até a polícia está envolvida. E tem a Rosie. Você e eu vamos ter uma longa conversa sobre a Rosie quando eu terminar o meu banho. Mas primeiro vou entrar na banheira. Passei a noite toda perdido por aí. Foi a primeira vez que dormi no banco de trás de um táxi. Quando acordei, eram cinco da manhã e o motorista estava virando o Travis Bickle de Táxi Driver. Ele falava sozinho. Disse a ele que era melhor a gente desistir de encontrar Maxwell Gardens e que obviamente não era uma boa noite para ir até lá. Ele acabou concordando. Nós fomos tomar café-da-manhã num desses lugares em que os taxistas comem pela manhã. Ovos, feijão, salsicha, torrada e um chá tão forte que dava para equilibrar a colher lá dentro. Quando ele disse prós outros motoristas que dirigiu a noite inteira tentando achar Maxwell Gardens, pensei que iam matá-lo. Não aconteceu, mas foi quase.

Fat Charlie parou para tomar ar. Spider fez uma cara de culpado.

— Depois— disse Fat Charlie. — Depois do meu banho. E fechou a porta do banheiro.

Entrou na banheira.

Fez um barulho de “uuuf”.

Saiu da banheira.

Desligou as torneiras.

Enrolou-se numa toalha e a abriu a porta do banheiro.

— Não tem água quente — disse de um jeito excessivamente calmo. — Você por acaso sabe por que não tem água quente?

Spider ainda estava no corredor. Não tinha se movido.

— É a minha banheira de água quente. Me desculpe.

Fat Charlie respondeu:

— Bom, pelo menos Rosie não... Quer dizer, ela não teria...

Então ele viu a expressão no rosto de Spider.

— Quero que você saia daqui. Quero que saia da minha vida. Da vida de Rosie. Para sempre.

— Eu gosto daqui.

— Você está acabando com a minha vida.

— Dureza, né?

Spider andou pelo corredor e abriu a porta que dava para o quarto extra de Fat Charlie. A luz tropical do sol inundou o corredor por um instante, e então a porta se fechou.

Fat Charlie lavou os cabelos com água fria. Escovou os dentes. Vasculhou o cesto de roupas sujas até encontrar uma calça jeans e uma camiseta que, por estarem no fundo, estavam quase limpas de novo. Colocou a roupa e um suéter roxo com um ursinho de pelúcia que sua mãe lhe dera e ele nunca usara, mas também não tivera a oportunidade de doar.

Caminhou até o fim do corredor.

Podia-se ouvir o bum-tchá-bum do som do baixo e da bateria através da porta.

Fat Charlie chacoalhou a maçaneta. A porta não cedeu.

— Se você não abrir essa porta, eu vou arrombá-la.

A porta abriu sem aviso, e Fat Charlie entrou correndo no quarto de despensa no fim do corredor. A vista na janela era a parte de trás da casa que havia nos fundos — o pouco que se podia ver dela através da chuva que castigava a vidraça.

Mesmo assim, de algum lugar, a somente uma parede de distância, havia um aparelho de som tocando música bem alto: tudo no quarto de despensa vibrava com um distante bum-tchá-bum.

— Certo — começou Fat Charlie, em tom casual. — Obviamente você tem consciência de que isso é uma declaração de guerra.

Era o grito tradicional de guerra do coelho, quando provocado. Há lugares em que as pessoas acreditam que Anansi foi um coelho que pregava peças. Elas estão erradas, é claro. Anansi era uma aranha. Talvez você pense que as duas criaturas não poderiam ser confundidas, mas isso acontece com mais freqüência do que você imagina.

Fat Charlie foi para seu quarto. Pegou o passaporte em uma gaveta perto da cama. Encontrou sua carteira onde a tinha deixado, no banheiro.

Desceu a avenida principal e, na chuva, fez sinal para um táxi.

— Para onde?

— Aeroporto de Heathrow — disse Fat Charlie.

— Certo. Qual terminal?

— Não faço a menor idéia — respondeu Fat Charlie, consciente de que deveria saber uma coisa dessas. Afinal de contas, fazia poucos dias. Perguntou ao motorista:

— De que terminal sai avião para a Flórida?

Grahame Coats começou a planejar sua saída da agência Grahame Coats na época em que John Major era primeiro-ministro (Sucessor de Margaret Thatcher, foi chefe do governo britânico entre 1990 e 1997). Afinal, nada que é bom dura para sempre. Mais cedo ou mais tarde, como o próprio Grahame Coats tinha o prazer de assegurar, mesmo se você tem um pato que bota ovos dourados, ele irá para a panela. Embora seu plano fosse bom — nunca se sabe quando é preciso ir embora de uma hora para outra, e ele estava ciente de que os acontecimentos formavam uma nuvem negra no horizonte —, resolveu adiar sua partida para o momento em que não pudesse mais adiá-la.

O mais importante, decidira havia muito tempo, não era ir embora, e sim desaparecer, evaporar, escafeder-se sem deixar rastro.

Num cofre oculto em seu escritório — um escritório espaçoso do qual se sentia bastante orgulhoso —, sobre uma prateleira que ele mesmo instalara e recentemente precisou ser recolocada no lugar depois que caiu, havia uma maletinha de couro com dois passaportes: um em nome de Basil Finnegan e outro em nome de Roger Bronstein. Cada um desses homens nascera havia 50 anos, assim como Grahame Coats, mas tinham morrido em seu primeiro ano de vida. Ambas as fotografias nos passaportes eram de Grahame Coats. A maletinha também continha duas carteiras, cada uma com um conjunto de cartões de crédito e documentos com fotos no nome do titular de cada um dos dois passaportes. Cada nome era signatário das contas nas Ilhas Cayman, as quais por sua vez desviavam dinheiro para outras contas nas Ilhas Virgens Britânicas, na Suíça e em Liechtenstein.

Grahame Coats planejava ir embora de vez no seu aniversário de 50 anos, que aconteceria dali a pouco mais de um ano. No momento, pensava sobre o problema de Fat Charlie.

Ele na verdade não esperava que Fat Charlie fosse para a prisão, embora não fizesse objeção a essa possibilidade, caso ocorresse. Queria que ele ficasse com medo, perdesse sua reputação, sumisse.

Grahame Coats sentia grande alegria em ludibriar os clientes da Agência Grahame Coats, e era bom nisso. Ficou bastante surpreso ao descobrir que, contanto que escolhesse sua clientela com cuidado, as celebridades e artistas que representava sabiam muito pouco sobre finanças e ficavam aliviadas ao descobrir que alguém os representaria, administraria seu dinheiro e as certificaria de que não havia com o que se preocuparem. Se às vezes havia cheques que demoravam a chegar em suas contas, ou se havia débitos diretos não-identificados nas contas dos clientes, Grahame Coats tinha uma grande rotatividade com seus funcionários, especialmente no departamento de contabilidade, e nada era mais fácil do que pôr a culpa na incompetência de um ex-funcionário ou fazer quem desconfiava mudar de idéia com uma caixa de champanhe e um cheque gordo como pedido de desculpas.

Não que gostassem de Grahame Coats ou que confiassem nele. Até mesmo os que eram representados por ele o consideravam um sujeito não confiável, uma doninha esperta. Mas acreditavam que conseguiam domar aquela doninha, fazê-la trabalhar para eles, e era aí que se enganavam.