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— Eu realmente não tenho nenhuma fruta comigo. Se tivesse, eu daria.

— Sinto pena de você. Você talvez devesse ir pra casa. Esta é uma péssima, péssima, péssima, péssima idéia. Não?

— Não.

— Ah — respondeu o Macaco. — Certo. Certo certo certo certo.

Parou de se mover. Então correu, com passinhos balouçantes, passou por Fat Charlie e parou em frente a uma caverna não muito distante.

— Não entre ali — gritou. — E um lugar ruim.

Apontou para a abertura da caverna.

— Por que não? — perguntou Fat Charlie. — Quem fica ali dentro?

— Ninguém — respondeu o macaco, exultante. — Então não é a caverna que você busca, certo?

— Sim, é sim.

O Macaco ficou chilreando e saltitando, mas Fat Charlie passou por ele e subiu pelas rochas até chegar à entrada da caverna vazia, enquanto o sol avermelhado caía por trás do penhasco, no fim do mundo.

Ao andar pelo caminho que circunda as montanhas do começo do mundo (as montanhas só são do fim do mundo se você vier pela outra direção), a realidade parecia muito estranha, forçada. Essas montanhas e suas cavernas são feitas do material que compõe as mais velhas histórias (bem antes de os seres humanos surgirem, é claro — quem fez você imaginar que as pessoas foram os primeiros seres a contar histórias?) e, ao sair do caminho para entrar na caverna, Fat Charlie se sentiu como se tivesse entrando na realidade de outra pessoa. A caverna era muito funda. Seu chão estava repleto de fezes brancas de pássaros. Também havia penas no chão e, aqui e ali, como um espanador seco e abandonado, o cadáver de um pássaro, achatado e ressecado.

No fundo da caverna, nada além de escuridão.

Fat Charlie disse “Olá?”, e o eco de sua voz voltou para ele do interior da caverna. Olá olá olá olá olá. Continuou a andar. Agora a escuridão da caverna parecia quase palpável, como se algo fino e escuro cobrisse seus olhos. Caminhou lentamente, um passo de cada vez, com os braços esticados.

Algo se mexeu.

— Olá?

Seus olhos já se acostumavam à pouca luz que havia ali, e ele começou a enxergar. “Não é nada. Trapos, penas, só isso.” Deu outro passo, e o vento arrepiou as penas e fez esvoaçar os trapos no chão da caverna.

Algo passou voando ao seu redor, voou através dele, castigando o ar com o barulho das asas de um pombo.

Dando voltas. O pó entrou em seus olhos e cobriu seu rosto. Ele ficou piscando naquele vento frio e deu um passo para trás quando a criatura ergueu-se à sua frente, uma tempestade de pó, trapos e penas. O vento parou e, onde as penas voavam, havia uma pessoa, que fez um gesto com a mão para que Fat Charlie se aproximasse.

Ele teria dado um passo para trás, mas a coisa chegou mais perto e o puxou pela manga. O toque da criatura era leve, seco, e puxou Fat Charlie para si

Ele deu mais um passo para o fundo da caverna— e de repente estava em pé, ao ar fresco, num terreno plano, cor de cobre, sem arvores, sob um céu da cor de leite azedo.

As diferentes criaturas têm olhos diferentes. Os olhos humanos (ao contrário, digamos, dos olhos de um gato ou de um polvo) são feitos para ver apenas uma versão da realidade de cada vez. Fat Charlie via uma coisa com seus olhos, outra coisa com sua mente e, no espaço entre as duas coisas, a loucura o aguardava. Sentia o pânico começando a apoderar-se dele, então aspirou o ar profundamente e prendeu a respiração enquanto seu coração batia forte contra as costelas. Forçou-se a acreditar em seus olhos, e não em sua mente.

Portanto, embora soubesse que estava vendo um pássaro com olhos insanos, com trapos e penas, maior que qualquer águia, mais alto que um avestruz, o bico como a cruel arma de uma ave de rapina, as penas da cor de telha envernizada, fazendo um arco-íris escuro de tons roxos e verdes, ele se deu conta disso apenas por um breve instante, em algum lugar bem no fundo da mente. O que via com os olhos era uma mulher de cabelos muito negros, de pé onde a idéia do pássaro estivera. Não parecia jovem nem velha, e o olhava com um rosto que poderia ter sido esculpido em obsidiana, eras antes, quando o mundo ainda era jovem.

Observava Fat Charlie sem se mover. As nuvens passavam pelo céu cor de leite.

— O meu nome é Charlie. Charlie Nancy. Algumas pessoas, digo, a maioria das pessoas me chama de Fat Charlie. A senhora pode me chamar assim também se quiser.

Não houve resposta.

— Anansi era o meu pai.

Também sem resposta. Nenhum movimento, nenhum suspiro.

— Eu gostaria que a senhora me ajudasse a fazer o meu irmão sumir.

Com isso, ela inclinou a cabeça. O suficiente para mostrar que ouvia o que ele dizia, o suficiente para mostrar que estava viva.

— Não posso fazer isso sozinho. Ele tem poderes mágicos, essas coisas. Eu falei com uma aranha e aí o meu irmão apareceu. Agora não consigo mandá-lo embora.

A voz dela, quando falou, era tão áspera e profunda quanto a de um corvo.

— O que você deseja que eu faça? — perguntou.

— Talvez... me ajudar — sugeriu ele.

Ela pareceu pensar.

Mais tarde, Fat Charlie tentava em vão lembrar-se das roupas que ela usava. Às vezes achava que era uma capa de penas. Outras, que devia ser algum tipo de roupa em farrapos, talvez um sobretudo velho, do mesmo tipo que ela usava quando ele a viu em Piccadilly, tempos depois, quando as coisas começaram a ficar feias. Mas não estava nua: disso ele tinha certeza. Ele se lembraria se ela estivesse nua, certo?

— Ajudar você — repetiu ela.

— Me ajudar a me livrar dele.

Ela assentiu com a cabeça.

— Você quer que eu ajude a acabar com a linhagem Anansi.

— Eu só quero que ele vá embora, que me deixe em paz. Eu não quero fazer mal a ele nem nada do tipo.

— Então você deve prometer dar a mim a linhagem de Anansi.

Fat Charlie estava ali, em pé, naquela vasta planície cor de cobre, que de alguma maneira ficava dentro da caverna, nas montanhas do fim do mundo, e que por sua vez também estava, não sabia como, dentro da sala de estar com cheiro de violetas da Sra. Dunwiddy. Ele tentou entender o que ela pedia.

— Eu não posso dar nada. E não posso fazer promessas.

— Você quer que ele vá embora. Então diga. O meu tempo é precioso. — Ela cruzou os braços e ficou olhando para ele com um olhar insano. — Eu não tenho medo de Anansi — completou.

Ele lembrou-se da voz da Sra. Dunwiddy.

— Ahm... Eu não posso fazer nenhuma promessa. E preciso pedir algo de igual valor em troca. Quer dizer, precisa ser uma troca.

A Mulher Pássaro pareceu chateada, mas assentiu com a cabeça.

— Então darei a você algo de igual valor em troca. Dou a você a minha palavra.

Ela colocou a mão sobre a dele, como se lhe desse algo, e a apertou.

— Agora— diga.

— Dou a você a linhagem Anansi.

— Bom — disse uma voz, e com isso ela literalmente se desfez em pedaços.

Onde havia uma mulher, como se fossem dispersos por um disparo de uma arma, havia agora uma nuvem de pássaros voando em todas as direções. O céu ficou cheio de pássaros, mais pássaros do que Fat Charlie jamais imaginara ser possível. Pássaros negros e marrons planando e voando como uma nuvem de fumaça negra maior que os olhos humanos pudessem conceber, como uma nuvem do tamanho do mundo, composta por pequenas moscas.

— Então a senhora vai fazer ele ir embora? — gritou Fat Charlie para o céu leitoso, que ficava cada vez mais escuro. Os pássaros escorregavam pelo céu. Cada um deles se mexia apenas um pouco. Continuavam voando, mas de repente Fat Charlie via um rosto no céu, um rosto feito de pássaros. Era um rosto bem grande.

A aparição disse seu nome através gritos e chilreios de milhares de pássaros, e os lábios do tamanho de torres pronunciaram as palavras no céu.

Então o rosto se dissolveu no mais completo caos quando os pássaros que o compunham saíram daquele céu pálido e voaram em direção a Fat Charlie. Ele cobriu o rosto com as mãos, tentando se proteger.