Um dia, Anansi estava andando e viu um buraco no chão. Isso faz com que tenha uma idéia. Coloca madeira no fundo do buraco, faz uma fogueira, põe uma panela no buraco e, dentro dela, coloca raízes e ervas. Então começa a correr em volta da panela. Corre, dança e grita:
— Eu me sinto bem! Eu me sinto tãããão bem! Todas as minhas dores sumiram. Eu nunca me senti tão bem em toda a minha vida!
O Pássaro ouve aquela confusão. Desce dos céus para ver o que era aquilo. E pergunta:
— Por que você está cantando? Por que está agindo feito um louco, Anansi?
Anansi cantarola:
— Eu tinha uma dor no pescoço, mas ela sumiu. Minha barriga doía, agora não dói mais. Minhas juntas faziam barulho, mas agora estou maleável como uma palmeira, macio como a Cobra quando troca de pele. Eu me sinto feliz, cheio de energia, e agora serei perfeito, porque sei o segredo que ninguém mais sabe.
— Que segredo?
— O meu segredo. Todos vão me dar suas coisas mais preciosas e mais queridas só para saber o meu segredo. Uhu! Oba! Eu estou tão feliz!
O Pássaro vem um pouco mais pra perto e inclina a cabeça para o lado. E pergunta:
— Eu posso saber o seu segredo?
Anansi olha desconfiado para o Pássaro. Então fica escondendo a panela borbulhante sobre o buraco.
— Acho que não — responde Anansi. — Talvez não tenha suficiente. Melhor esquecer.
E o Pássaro responde:
— Olha, Anansi, eu sei que nem sempre nós fomos amigos. Mas eu digo uma coisa. Se você me contar o seusegredo, prometo que nunca mais nenhum pássaro vai comer aranhas. Vamos ser amigos até o fim dos tempos.
Anansi coca o queixo e balança a cabeça.
— E um segredo bem grande e importante, esse de fazer as pessoas jovens, cheias de vigor, sem sentir dor nenhuma.
O Pássaro limpa algumas penas com o bico. E diz:
— Ah, Anansi, você sabe que eu sempre achei você um homem muito bonito. Por que nós não nos deitamos ali na relva um pouco? Sei que posso fazer você deixar de lado essa sua desconfiança para me dizer o seu segredo.
Então eles se deitam sobre a relva e começam a se acariciar, a rir, a ficar alegres. Assim que Anansi consegue o que queria, o Pássaro diz:
— E agora, Anansi? E o seu segredo?
— Bom... eu não ia contar pra ninguém. Mas pra você eu conto. É um banho de ervas nesse buraco aí no chão. Olha só, eu coloco umas ervas e umas raízes. E quem entrar nessa água vai viver para sempre, sem sentir nenhuma dor. Eu tomei banho aí e agora estou me sentindo jovem como um filhotinho de gato. Mas acho que não é bom deixar mais ninguém tomar banho nessa água.
O Pássaro olha para aquela água borbulhante e, rápido como um raio, mergulha na panela.
— Está tão quente, Anansi!
— Tem que ser quente para as ervas fazerem efeito.
E então Anansi pega a tampa da panela e a cobre. E uma tampa pesada, e Anansi coloca uma pedra sobre ela para fazer ainda mais peso.
Bam! Bam! Bom! é o barulho que o Pássaro faz na tampa da panela.
E Anansi grita:
— Se eu deixar você sair agora, todo o efeito do banho borbulhante vai passar. Relaxe aí dentro, aí você vai começar a se sentir melhor.
Mas talvez o Pássaro não tenha ouvido, ou não tenha acreditado nele, porque o barulho dentro da panela e as tentativas de empurrar a tampa continuaram por mais algum tempo. E depois pararam.
Naquela noite, Anansi e sua família comeram uma deliciosa sopa de Pássaro, com Pássaro cozido. Não sentiram fome por muitos dias.
Desde essa época, os pássaros comem aranhas sempre que podem, e as aranhas e pássaros jamais voltarão a ser amigos.
Há outra versão da história, em que também convencem Anansi a entrar na panela. As histórias todas pertencem a Anansi, mas nem sempre ele leva a melhor.
8
No qual um bule de café se revela bastante útil
Se havia alguma coisa agindo para fazer spider ir embora, ele não tinha consciência disso. Muito pelo contrário: estava se divertindo tanto se fazendo passar por Fat Charlie que ficou se perguntando por que não tivera essa idéia antes. Estava se divertindo mais que um bando de macacos fazendo macaquices. Muitos anos antes, Spider ficara extremamente desapontado com um bando de macacos. Os macacos não faziam nada particularmente engraçado além de emitir sons curiosos. Finalmente, depois que os barulhos pararam e os macacos já não faziam mais nada — exceto talvez desempenhar alguma função em nível orgânico —, ele precisou se livrar deles no meio da noite. A parte de ser Fat Charlie de que Spider mais gostava era Rosie.
Até o momento, Spider considerava as mulheres mais ou menos substituíveis. Não dava a elas um nome verdadeiro ou um endereço onde ficasse por mais de uma semana, é claro, ou qualquer coisa além de um número de celular temporário. As mulheres eram divertidas, decorativas, excelentes acessórios, mas sempre haveria mais mulheres por aí. Como tigelas de goulash sobre uma esteira rolante. Assim que você acabasse de desfrutar uma delas, simplesmente pegava a próxima e temperava com sour cream.
Mas Rosie...
Rosie era diferente.
Ele não saberia dizer por que ela era diferente. Tentou precisar a diferença, mas não conseguiu. Em parte, era o modo como ele se sentia quando estava com ela. Como se, ao olhar para si mesmo nos olhos dela, se transformasse numa pessoa melhor. Em parte era isso.
Spider gostava de saber que Rosie sabia onde poderia encontrá-lo. Sentia-se confortável com isso. Deliciava-se com suas curvas macias, com seu jeito de boa moça, com seu sorriso. Não havia nada de errado com Rosie — exceto, é claro, já que passara algum tempo com ela, descobrir que havia o problema da mãe dela. Nessa noite específica, enquanto Fat Charlie estava num aeroporto a 6.500 km de distância, no meio do processo de ser transferido para a primeira classe, Spider estava no apartamento da mãe de Rosie, na Wimpole Street, e começava a percorrer o caminho das pedras para conhecê-la.
Ele tinha o costume de distorcer um pouco a realidade, mas só um pouco, apenas o suficiente. Bastava mostrar a realidade quem é que mandava. Só isso. Isso posto, é bom dizer que nunca encontrara ninguém tão firmemente apoiado em sua própria realidade quanto a mãe de Rosie.
— Quem é esse? — perguntou ela, desconfiada, quando entraram no apartamento.
— Eu sou Fat Charlie Nancy — respondeu Spider.
— Por que ele está dizendo isso? Quem é ele? — insistiu a mãe de Rosie.
— Eu sou Fat Charlie Nancy, o seu futuro genro, e você gosta muito de mim — continuou Spider, com bastante convicção na voz.
A mãe de Rosie perdeu o prumo, piscou os olhos e ficou olhando para ele. E disse, meio indecisa:
— Talvez você seja o Fat Charlie, mas eu não gosto de você.
— Bom — respondeu Spider —, então deveria. E muito fácil gostar de mim. Poucas pessoas são tão adoráveis quanto eu. As pessoas reúnem-se em público só para falar o quanto gostam de mim. Já ganhei vários prêmios e uma medalha de um pequeno país da América do Sul, que é um tributo por eu ser tão adorado por todos e por ser tão maravilhoso. Não estou com ela aqui, é claro. Guardo as medalhas na gaveta de meias.
A mãe de Rosie fungou. Não sabia o que estava acontecendo, mas, o que quer que fosse, não estava gostando nada daquilo. Até o momento, sentia que conseguira entender perfeitamente Fat Charlie. Admitiu que talvez tivesse dado alguns passos em falso no começo. Seria bem possível que Rosie não tivesse se apegado a Fat Charlie com tamanho entusiasmo se, depois do primeiro encontro entre seu namorado e sua mãe, sua mãe não tivesse expressado sua opinião de maneira tão veemente. Ele era um fracassado na vida, dizia a mãe de Rosie, porque conseguia sentir o cheiro do medo como um tubarão sentia cheiro de sangue. Mas não conseguiu fazer com que Rosie o largasse. Agora sua estratégia era controlar o planejamento do casamento, deixando Fat Charlie o mais infeliz possível, para depois contemplar as estatísticas nacionais de divórcio com certa satisfação sombria.