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— Bom — começou ele alegremente —, se você não tivesse participado do caso, não teria se divertido me prendendo.

— Tem isso também — disse ela, fazendo questão de parecer menos chateada.

— Já tem alguma pista?

— Mesmo se houvesse, eu não poderia dizer nada a respeito. — Um pequeno carrinho foi empurrado até a mesa deles, e Daisy selecionou vários pratos. Continuou: — Tem essa teoria de que Grahame Coats se jogou de uma barca, atravessando o canal. Seria a última compra com um de seus cartões de crédito, uma passagem para Dieppe.

— Acha que é provável?

Ela pegou um pedacinho de carne de seu prato com os palitos e pôs na boca.

— Não. Imagino que ele tenha ido para algum lugar de onde não possa ser extraditado. O Brasil, talvez. Matar Maeve Livingstone pode ter sido algo que fez sem planejar, mas todo o resto foi bastante meticuloso. Ele já tinha tudo planejado. O dinheiro entrava nas contas dos clientes. Grahame pegava os 15% do valor e tinha procurações que lhe permitiam pegar ainda mais.

Muitos cheques estrangeiros jamais chegaram às contas dos clientes. O impressionante é que ele manteve tudo em sigilo durante todo o tempo.

Fat Charlie mastigou um bolinho de arroz com algo doce por dentro e disse:

— Acho que você sabe onde ele está. — Daisy parou de mastigar. — Foi o jeito como você falou que ele foi para o Brasil. Como se soubesse que ele não está lá — completou.

— Isso é assunto da polícia. Infelizmente não posso falar a respeito. Como vai o seu irmão?

— Não sei. Acho que foi embora. O quarto dele não estava mais lá quando cheguei em casa.

— O quarto dele?

— As coisas dele. Ele levou as coisas embora. E não há sinal dele desde então. — Fat Charlie deu um gole em seu chá de jasmim e continuou: — Espero que ele esteja bem.

— Ele pode não estar bem?

— Bom, ele tem essa mesma fobia que eu tenho.

— Ah, a coisa dos pássaros. Certo — Daisy assentiu com a cabeça, demonstrando empatia. — E como vai a sua noiva? E a sogra?

— Ahm... Acho que atualmente elas não são nenhuma das duas coisas.

— Ah.

— Elas se foram.

— Por causa da sua prisão?

— Não que eu saiba.

Ela olhou para ele como uma pequena duendezinha piedosa.

— Sinto muito.

— Bom... No momento, estou desempregado. Não tenho namorada e, em grande parte graças aos seus esforços, os vizinhos estão convencidos de que eu sou um matador profissional. Alguns até começaram a atravessar a rua quando cruzam comigo.

Por outro lado, o moço da banca de jornal perto de casa quer que eu dê uma lição no sujeito que engravidou filha dele.

— E o que você disse?

— A verdade. Acho que ele não acreditou. Me deu de graça um saquinho de batata frita com salsa e uma embalagem de drops de menta, e me disse que daria mais se eu fizesse o trabalho.

— Com o tempo, isso passa.

Fat Charlie suspirou.

— É humilhante.

— Mas não é o fim do mundo.

Dividiram a conta, e o garçom deu a eles dois biscoitos da sorte com o troco.

— O que o seu diz?

— “Persista, e conseguirá” — leu ela. — E o seu?

— A mesma coisa. A boa e velha persistência.

Fat Charlie amassou o papelzinho numa bola do tamanho de uma ervilha e o colocou no bolso. Depois acompanhou-a até a estação de metrô Leicester Square.

— Parece que hoje é o seu dia de sorte — disse Daisy.

— Como assim?

— Não tem nenhum pássaro.

Ao ouvi-la, Fat Charlie deu-se conta de que era verdade. Não havia nenhum pombo, nenhum estorninho. Nem mesmo pardais.

— Mas sempre há pássaros em Leicester Square.

— Não hoje. Talvez estejam ocupados.

Pararam no metrô e, por um tolo momento, Fat Charlie achou que ela lhe daria um beijo de despedida. Mas não deu. Apenas sorriu e disse “até mais”. Ele meio que acenou para ela, um movimento incerto com a mão que poderia ser tanto um aceno como um gesto involuntário. Então ela desceu as escadas e sumiu.

Fat Charlie caminhou de volta pela Leicester Square, na direção de Piccadilly Circus.

Tirou o papelzinho do biscoito da sorte de seu bolso e o desamassou. “Te encontro perto da estátua de Eros”, dizia o bilhete. Perto da frase havia um rabisco apressado de algo que parecia um grande asterisco, mas que supostamente poderia ser uma aranha.

Ficou observando os céus e os prédios enquanto andava, mas não havia nenhum pássaro, o que era bastante estranho, porque sempre havia pássaros em Londres. Sempre havia pássaros em tudo quanto é lugar.

Spider estava sentado embaixo da estátua, lendo o tablóide News of the World. Parou de ler quando Fat Charlie se aproximou e olhou para ele.

— Não é Eros, na verdade — começou Fat Charlie. — A estátua representa a Caridade Cristã.

— Então por que ele está nu, segurando o arco-e-flecha? Não me parece uma coisa particularmente caridosa ou cristã.

— Só estou reproduzindo o que eu li. Onde você estava? Fiquei preocupado.

— Eu estou bem. Só ando evitando os pássaros, tentando entender essa história.

— Você notou que não tem nenhum pássaro hoje?

— Notei. E não sei o que pensar a respeito. Mas andei pensando e... sabe... Tem alguma coisa errada nessa história.

— Tem mesmo. Tudo.

— Não. Quero dizer que não está certo a Mulher Pássaro querer nos machucar.

— Claro. É errado. É algo muito, muito ruim de se fazer. Você quer dizer isso a ela ou digo eu mesmo?

— Não é isso. Pense a respeito. Quer dizer, apesar do filme do Hitchcock, os pássaros não são a melhor coisa do mundo em termos de machucar gente. Talvez representem a morte alada para os insetos, mas não são muito bons para atacar gente. Há milhões de anos aprenderam que, no geral, as pessoas comem os pássaros antes. O instinto primário deles é nos deixar em paz.

— Nem todos — observou Fat Charlie. — Não os abutres. Ou os corvos. Eles aparecem no campo de batalha quando a guerra acaba. Ficam esperando você morrer.

— Hã?

— Eu disse que isso era verdade, exceto no caso de abutres e corvos. Não queria dizer nada importante...

— Não — respondeu Spider, tentando concentrar-se. — Agora já foi. Você me fez pensar numa coisa, e eu quase consegui dizer o que era. E aí, já entrou em contato com a Sra. Dunwiddy?

— Liguei para a Sra. Higgler, mas ninguém atendia.

— Bom, então vá até lá falar com elas.

— E muito cômodo para você dizer isso, mas estou completamente duro. Sem um centavo. No osso. Não dá para ficar indo e voltando, atravessando o Atlântico. Não tenho mais nem emprego. Eu...

Spider pôs a mão dentro de sua jaqueta preta e vermelha e tirou de lá uma carteira. Tirou um punhado de notas, em moedas de diferentes países, e colocou tudo na mão de Fat Charlie.

— Pronto. Isso aqui deve bastar para você ir e voltar. E só pegar a pena.

— Olha. Você já imaginou que talvez o nosso pai não tenha morrido, na verdade?

— Hein?

— Bom, eu fiquei pensando. Talvez seja uma das piadas dele. Parece o tipo de coisa que ele faria, não?

— Não sei. Pode ser.

— Tenho certeza — disse Fat Charlie. — E a primeira coisa que vou fazer. Vou até o túmulo dele e....

Não chegou a terminar a frase, porque os pássaros apareceram. Eram pássaros de cidade: pardais, estorninhos, pombos, corvos, milhares e milhares deles. Eles se moviam no ar como se fossem uma tapeçaria, formando uma parede de pássaros que vinha na direção de Fat Charlie e de Spider na Regent Street. Uma falange de penas grande como um prédio muito alto, perfeitamente lisa, perfeitamente impossível e em movimento, batendo as asas e costurando o céu. Fat Charlie viu aquilo, mas não conseguia acreditar. A imagem se recusava a entrar em sua mente. Olhou para cima e tentou entender o que via.

Spider pegou o cotovelo de Fat Charlie e gritou:

— Corre!

Fat Charlie virou-se para correr. Spider metodicamente dobrava o jornal e o colocava numa lata de lixo.