É um mundo pequeno. Você nem tem que viver muito para aprender uma coisa dessas sem que ninguém lhe ensine. Existe uma teoria sobre como no mundo inteiro só existem 500 pessoas reais (o elenco, por assim dizer; todas as outras pessoas no mundo, diz a teoria, são figurantes) e todas se conhecem. E isso é verdade, na medida do possível. Na realidade, o mundo contém milhares e milhares de grupos de mais ou menos 500 pessoas que passarão a vida se encontrando, se evitando, se esbarrando numa improvável casa de chá em Vancouver. O processo é inevitável. Não é sequer coincidência. E apenas a maneira como o mundo funciona, sem consideração pelos indivíduos ou pela adequação.
Grahame Coats entrou num pequeno café, na estrada para Williamstown, para comprar um refresco e ter algum lugar para sentar quando resolvesse ligar para seu jardineiro pedindo para buscá-lo.
Pediu uma Fanta e sentou-se a uma mesa. O lugar estava quase vazio: duas mulheres, uma jovem e uma mais velha, sentavam-se em um canto mais distante, bebendo café e escrevendo cartões postais.
Grahame Coats olhou para a praia lá fora, além da estrada. Era o paraíso, pensou. Talvez fosse bom se envolver um pouco com a política local, quem sabe como um patrocinador das artes. Já fizera várias doações substanciais para a força policial da ilha, e talvez fosse até necessário se assegurar de que...
Uma voz atrás dele, emocionada e hesitante, disse:
— Senhor Coats? — O coração de Grahame pulou. A mulher mais jovem se sentara atrás dele e lhe sorria amigavelmente. — Que engraçado encontrar o senhor aqui. Está de férias também?
— É, mais ou menos.
Ele não fazia idéia de quem era a mulher.
— O senhor se lembra de mim, não é? Rosie Noah. Eu costumava sair com o Fat... Com o Charlie Nancy. Lembrou?
— Ah, oi, Rosie. Claro, claro que sim.
— Estou num cruzeiro com a minha mãe. Ela está escrevendo uns postais pra casa.
Grahame Coats deu uma olhada por cima do ombro, para os fundos do café, e algo que lembrava uma múmia sul-americana num vestido com estampa floral o encarou de volta.
— Pra ser sincera, não sou muito fã de cruzeiros. Dez dias pulando de ilha em ilha. E bom ver um rosto conhecido, não acha?
— Absolutotalmente — concordou Grahame Coats. — Suponho que você e o Charles já não estão mais juntos?
— Sim. Acho que sim. Quer dizer, não estamos.
Grahame Coats sorriu para ela demonstrando empatia, mas só do lado de fora. Pegou sua Fanta e caminhou com Rosie até a mesa no canto, onde a mãe de Rosie irradiava má-vontade como um aquecedor velho irradiava frio para dentro de uma sala. Mas Grahame Coats foi absolutamente encantador e compreensivo, e concordou com ela em cada ponto. Era mesmo uma vergonha que as companhias de cruzeiro achassem que poderiam se dar bem com tudo o que aprontavam. Era repulsivo o quão desleixada a administração do navio havia ficado. Era chocante não haver nada para fazer nas ilhas. Era ultrajante que os passageiros tivessem que suportar inconveniências como passar dez dias sem uma banheira, usando apenas minúsculos banheiros com ducha. Era chocante.
A mãe de Rosie contou a Grahame as várias e até impressionantes inimizades que conseguira cultivar com certos passageiros americanos cujo maior crime, da forma como Grahame entendeu a coisa, havia sido sobrecarregar seus pratos na fila do bufê do Squeak Attack e tomar banho de sol no local perto do deque que a mãe de Rosie decidira ser indisputavelmente dela já no primeiro dia de viagem.
Grahame Coats acenava com a cabeça e fazia pequenos ruídos de simpatia enquanto a bile respingava por toda a parte. Ele fazia “tsc-tsc”, concordava e estalava a língua, até que a mãe de Rosie se sentiu à vontade o bastante para fazer vista grossa à sua antipatia por estranhos e pessoas ligadas de alguma forma a Fat Charlie.
Ela falou, falou e falou. Grahame Coats mal ouvia. Ele apenas ponderava.
“Seria bem desagradável”, ele pensou, “se alguém voltasse a Londres e informasse às autoridades que Grahame Coats havia sido visto em Saint Andrews justo agora.” Inevitavelmente ele seria notado algum dia, mas o inevitável talvez pudesse ser adiado.
— Me permita — Grahame Coats interrompeu — sugerir uma solução para ao menos um dos seus problemas. Um pouco adiante na estrada está a minha casa de férias. Uma boa casa, eu acho. E uma coisa que não falta por lá são banheiros. Talvez vocês queiram voltar comigo e se permitir esse prazer?
— Não, obrigado — agradeceu Rosie. Se ela tivesse aceitado, era de se esperar que sua mãe dissesse que deveriam encaminhar-se ao porto de Williamstown para voltar ao navio no final da tarde. Então lhe daria um sermão sobre aceitar esse tipo de convite de estranhos. Mas Rosie disse não.
— Isso é muito gentil de sua parte — disse a mãe de Rosie. — Ficaremos muito gratas.
Logo depois, o jardineiro parou em frente ao café numa Mercedes preta. Grahame Coats abriu a porta de trás para Rosie e sua mãe. Ele assegurou a ambas que as levaria de volta ao porto bem antes do último barco partir para o navio.
— Pra onde, sr. Finnegan? — perguntou o jardineiro.
— Pra casa.
— Sr. Finnegan? — perguntou Rosie.
— E um velho nome de família — respondeu Grahame Coats, e sabia que era verdade. Da família de uma outra pessoa. Grahame Coats fechou a porta traseira e caminhou para a frente do carro.
Maeve Livingstone estava perdida. Tudo começara tão bem. Ela desejara estar em casa, em Pontefract, então houve um brilho suave e um vento muito forte. Num sopro ectoplásmico, chegara em casa. Maeve vagou por lá uma última vez e saiu para o dia de outono. Quis ver a irmã e, antes mesmo que pudesse pensar, lá estava ela, no jardim em Rye, vendo a irmã passear com seu springer spaniel.
Parecera tão fácil.
Foi naquele ponto que ela quis ver Grahame Coats, e ali tudo se perdera. Viu-se de volta, por alguns instantes, ao escritório em Aldwych, depois numa casa vazia em Purley, e Maeve ainda se recordava do lugar por causa de um pequeno jantar que Grahame Coats dera havia dez anos, e então...
Então se perdeu. Todos os lugares para onde tentou ir só pioraram as coisas. Maeve não fazia idéia de onde estava. Parecia um tipo de jardim.
Um breve dilúvio encharcara o lugar, deixando-a intocada. Agora o solo fumegava, e Maeve sabia que não estava na Inglaterra. Começava a escurecer.
Ela se sentou no chão e começou a fungar.
“Francamente”, ela observou. “Maeve Livingstone. Componha-se.” Mas só chorou mais.
— Você quer um lenço? — perguntou alguém.
Maeve olhou para o alto. Um cavalheiro idoso, de chapéu verde e com um bigode tão fino que parecia traçado a lápis, lhe oferecia um lenço.
Ela fez que sim com a cabeça e disse:
— Mas acho que nem adianta, eu não vou conseguir pegar.
O homem deu um sorriso de cumplicidade e lhe passou o lenço, que não caiu através dos dedos de Maeve. Ela assoou o nariz e secou os olhos.
— Obrigada. Desculpe. Foi demais pra mim.
— Acontece — disse o homem, avaliando Maeve de cima a baixo. — O que você é? Uma duppy?
— Não — ela respondeu. — Acho que não.. O que é duppy?
— Um fantasma — respondeu o homem. Com um bigode tão fino, ele parecia Cab Calloway aos olhos de Maeve, ou Don Ameche.
Um desses astros que envelhecem mas nunca deixam de brilhar. Quem quer que o velho fosse, sem dúvida ainda era um astro.
— Oh, sim, claro, eu sou um fantasma. Ahm... E você?
— Mais ou menos. De qualquer maneira, estou morto.
— Ah. Pode me informar onde estou?
— Estamos na Flórida — ele explicou a Maeve. — No cemitério. Que bom que você me pegou aqui. Eu ia dar um passeio. Quer vir comigo?