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— Você não deveria estar num túmulo? — perguntou Maeve, hesitante.

— Fiquei entediado — o velho respondeu. — Achei que uma caminhada cairia bem. Quem sabe uma pescaria.

Maeve hesitou, mas concordou com a cabeça. Era bom ter alguém com quem conversar.

— Você quer ouvir uma história? — perguntou o velho.

— Acho que não — respondeu ela, sincera.

Ele a ajudou a se levantar, e ambos saíram do Jardim do Repouso.

— Tudo bem. Então vou ser bem rápido. Não vou me estender.

Sabe, posso contar uma história assim de maneira que dure semanas. Tudo está nos detalhes. O que você conta, o que deixa de fora. Por exemplo, você não menciona o clima nem as roupas das pessoas, ou pode pular metade da história. Uma vez eu contei uma...

— Olha — interrompeu Maeve. — Se você quer contar uma história, então conte, tá bom?

Já era ruim o suficiente caminhar à beira da estrada no crepúsculo crescente. Maeve dizia a si mesma que era impossível ser atropelada por um carro, mas aquilo não a fazia se sentir melhor.

O velho começou a falar num tom suave de cantiga e dizia:

— Quando eu digo “Tigre”, você tem que entender que não se trata apenas do felino listrado, o indiano. Mas sim do que as pessoas chamam de grandes felinos. Leopardos, linces, onças, todos eles. Entendeu?

— Sim.

— Bom. Então... muito tempo atrás — começou —, o Tigre era dono das histórias. Todas as histórias que existiam eram histórias do Tigre, todas as canções eram canções do Tigre, todas as piadas eram piadas do Tigre, exceto que não havia piadas sendo contadas na época do Tigre. Nas histórias do Tigre, tudo o que importa é quão forte seus dentes são, como você caça e como você mata. Não há suavidade nas histórias do Tigre, ninguém faz coisas espertas e não há paz.

Maeve tentou imaginar que tipo de histórias um grande felino contaria.

— Então eram histórias violentas?

— Aqui e ali, mas no geral eram ruins. Quando todas as histórias e canções eram do Tigre, era um tempo ruim pra todo mundo. As pessoas adquirem a forma das histórias e canções que as cercam, especialmente quando não têm uma canção só delas. Na época do Tigre, todas as canções eram sombrias. Começavam em lágrimas e terminavam em sangue, e eram o único tipo de história que as pessoas do mundo conheciam. Então Anansi entra na história. Você deve saber tudo sobre Anansi...

— Acho que não.

— Bem, se eu fosse te dizer o quão esperto e bonitão, charmoso e sabidão Anansi era, eu começaria hoje e só terminaria na quinta que vem.

— Então não me conte — pediu Maeve. — Vamos deixar por isso mesmo. E o que esse tal de Anansi fez?

— Bom, Anansi ganhou as histórias.. Ganhou? Não. Ele as recebeu porque as merecia. Ele as tomou do Tigre, e fez com que o Tigre não pudesse mais entrar no mundo real. Não em carne. As histórias que as pessoas passaram a ouvir eram de Anansi. Isso foi há uns 10, 15 mil anos. As histórias de Anansi, elas têm esperteza, sagacidade, sabedoria. E por todo o mundo as pessoas não se concentram mais apenas em caçar e ser caçados. Agora elas começam a pensar para sair das enrascadas. Algumas vezes, entrando em enrascadas ainda maiores. Elas ainda precisam comer, e é nesse ponto que as pessoas começam a usar a cabeça. Há quem diga que as primeiras ferramentas foram as armas, mas isso não é verdade. Antes de mais nada, as pessoas pensam sobre as ferramentas. E sempre a muleta antes do tacape. Porque agora as pessoas estão contando as histórias de Anansi e começando a pensar como fazer para ganhar um beijo, para ganhar alguma coisa sem precisar fazer esforço. Sendo engraçados ou espertos. E aí se começa a construir o mundo.

— Isso é só uma história folclórica. São histórias que as pessoas criaram.

— E isso muda alguma coisa? — perguntou o velho. — Talvez Anansi seja só um velho numa história inventada na África, na infância da humanidade, por algum garoto com varejeiras na perna, metendo a muleta na terra e criando alguma história tola sobre um homem feito de piche. Isso muda alguma coisa? As pessoas respondem às histórias e as passam adiante, são mudadas por elas. Porque agora o pessoal que antes só pensava em correr dos leões e ficar longe dos crocodilos nos rios pode sonhar com um novo lugar para morar. O mundo pode ainda ser o mesmo, mas o papel de parede mudou. Certo? As pessoas ainda carregam a mesma história, uma em que nascem, crescem, fazem coisas e morrem, mas agora a história significa uma coisa nova a cada vez.

— Você está me dizendo que, antes das histórias de Anansi, o mundo era selvagem e mau?

— Sim. Bem isso.

Maeve digeriu aquilo.

— Bem — disse ela, animada —, que bom então que as histórias agora são de Anansi. — O velho meneou a cabeça, fazendo que sim. — E o Tigre não quer as histórias de volta?

— Ele quer as histórias de volta faz 10 mil anos.

— Mas ele não vai consegui-las, né?

O velho não disse nada. Assumiu um olhar distante e deu de ombros.

— Seria ruim se conseguisse.

— E Anansi?

— Anansi morreu. E não há nada que um duppy possa fazer.

— Bom, eu sou uma duppy. Veja lá como fala.

— Bem. Os duppies não podem tocar os vivos, lembra?

Maeve pensou nisso por um instante.

— Então o que eu posso tocar?

A expressão que tomou aquele rosto antigo era matreira e astuta.

— Bem... Você pode me tocar.

— É bom que você saiba que eu sou uma mulher casada.

O sorriso do velho apenas cresceu. Era um sorriso gentil e caloroso, tão reconfortante quanto perigoso.

— Em geral, esse tipo de contrato termina com “até que a morte os separe”. — Ela não pareceu impressionada. — É o seguinte. Você não é mais matéria, portanto pode tocar coisas imateriais. Como eu. O que quero dizer é que poderíamos sair e dançar se você quisesse. Há um lugar ali no fim da rua. Ninguém lá vai notar um par de duppies na pista.

Maeve pensou a respeito. Fazia muito tempo desde a última vez que dançara.

— Você dança bem? — perguntou.

— Ninguém nunca reclamou.

— Eu preciso encontrar um homem. Um homem vivo chamado Grahame Coats. Você pode me ajudar a encontrá-lo?

— Sem dúvida posso indicar-lhe a direção correta. E então., você vai dançar?

Um sorriso se insinuou nos lábios de Maeve.

— Você está me convidando?

As correntes que mantinham Spider cativo caíram. A dor que tomara seu corpo, cortante e contínua como uma dor de dente, começava a passar.

Spider deu um passo à frente.

Ele se dirigia para o que parecia ser um rasgo no céu a sua frente, onde podia ver uma ilha com uma pequena montanha no centro. E céu azul, com palmeiras e uma gaivota voando alto. Mas aquele mundo parecia afastar-se, como se Spider olhasse pelo lado errado do telescópio. A visão diminuiu e escapou dele e, quanto mais Spider corria, mais longe parecia ficar.

A ilha era como um reflexo numa poça d’água. Depois já não era mais nada.

Ele estava numa caverna. Todas as coisas tinham bordas nítidas, mais reais que em qualquer lugar que Spider já visitara. Esse era um tipo de lugar diferente.

Ela se encontrava à entrada da caverna, entre Spider e o ar fresco. Ele a conhecia. Ela o havia encarado em um restaurante grego em South London, e pássaros haviam saído de sua boca.

— Sabe — disse Spider —, eu preciso dizer: você tem umas idéias estranhas sobre o que é ser hospitaleiro. Se aparecesse no meu mundo, eu prepararia um jantar, abriria um vinho, colocaria uma música suave... Eu lhe proporcionaria uma noite inesquecível.

O rosto dela era impassível, esculpido em rocha negra. O vento repuxava as pontas de seu velho casaco marrom. Então ela falou, com sua voz ressoando alta e solitária como o chamado de uma gaivota distante.

— Eu peguei você. Agora vou chamá-lo.

— Chamar quem?

— Você vai chorar. Você vai choramingar, e o seu medo irá deixá-lo nervoso.