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Spider riu, mais e mais alto. Prestava atenção no som de uma grande fera caindo na relva, rugindo de agonia e pavor.

Então se sentou e esperou. O Tigre voltaria, sem dúvida. Ainda não tinha acabado.

Spider pegou a aranha de sete pernas em seu ombro e a acariciou, percorrendo com os dedos seu corpo largo.

Pouco abaixo do declive, algo brilhava com uma luminosidade verde e fria, e piscava como se fossem luzes de uma pequena cidade à noite. A coisa se aproximava.

O tremular da luz tomou a forma de milhares de vaga-lumes. Uma silhueta iluminada estava no centro daquela luz, no formato de um homem. Caminhava firmemente morro acima.

Spider pegou uma pedra e mentalmente deu a entender a seu exército que devia se preparar. Então ele parou. Havia algo familiar naquela silhueta à luz dos vaga-lumes. Era alguém com um chapéu panamá verde.

Grahame Coats tinha tomado metade de uma garrafa de rum que encontrara na cozinha. Abrira a garrafa porque não queria descer até a adega e também porque imaginava que aquilo lhe deixaria bêbado mais rápido que o vinho. Infelizmente não foi o caso. A bebida não parecia fazer efeito, e muito menos o desligava emocionalmente dos fatos, o que ele precisava. Caminhou pela casa com a garrafa numa mão e um copo meio cheio na outra. Às vezes tomava um gole da garrafa, outras, do copo. Viu seu reflexo num espelho, intimidado, suado.

— Ânimo! — disse em voz alta. — Talvez nunca aconteça. Nunca perder a ishperança. Panela em que muitos mexem shai insossa. Vida é doce maish né mole não.

O rum chegava ao fim.

Voltou para a cozinha. Abriu vários armários até notar que havia uma garrafa de xerez no fundo. Grahame pegou a garrafa e a abraçou com carinho, como se fosse uma pequena velha amiga que ficara anos no mar.

Destampou a garrafa. Era um xerez doce, usado para culinária, mas ele entornou a bebida como se fosse limonada.

Grahame Coats percebera outras coisas enquanto procurava bebidas na cozinha. Havia, por exemplo, facas. Algumas bem afiadas. Numa gaveta, havia um pequeno serrote de aço inoxidável. Grahame Coats aprovou: seria uma solução simples para o problema que se encontrava no porão.

— Hábeas corpus. Ou hábeas delicti. Um desses dois. Se não há corpo, não há crime. Ergo. Quod erat demonstrandum.

Pegou a arma do bolso do paletó e colocou-a sobre a mesa da cozinha. Dispôs as facas num padrão, como se fossem os raios de uma roda. E então disse, no mesmo tom que usou certa vez para persuadir as inocentes boy bands que era hora de assinar um contrato com ele e abrir as portas para a fama, e talvez para a fortuna:

— Bom... o presente é o aqui. É o agora.

Colocou três facas de cozinha no cinto, pôs o serrotinho no bolso e, com a arma na mão, desceu as escadas para o porão. Acendeu as luzes e ficou piscando, olhando para as garrafas de vinho, deitadas, cada uma em seu suporte, cada uma coberta com uma fina camada de poeira. Chegou perto da porta de metal do depósito de carnes.

— Muito bem — gritou. — Vocês ficarão felizes em saber que não vou machucá-las. Vou deixar as duas irem embora. Foi tudo um erro. Mesmo assim, nada de guardar ressentimentos. Sem chorar sobre o leite derramado. Fiquem de pé perto da parededos fundos. Fiquem em posição. Nada de gracinha.

“É reconfortante”, pensou enquanto puxava os ferrolhos da porta, “a quantidade de clichês já existentes para pessoas armadas.” Grahame Coats sentiu-se como um membro de uma irmandade: ao seu lado Bogart, Cagney e todas as pessoas que gritavam umas com as outras em COPS[3].

Acendeu a luz e empurrou a porta. A mãe de Rosie permanecia de pé, perto da parede dos fundos, de costas para ele. Quando ele entrou, subiu a saia e rebolou para ele uma bunda marrom, absurdamente ossuda.

Ele ficou boquiaberto. Foi aí que Rosie bateu uma corrente enferrujada contra o punho de Grahame Coats, o que fez a arma voar pelos ares.

Com o entusiasmo e a destreza de uma mulher muito mais jovem, a mãe de Rosie chutou Grahame Coats no saco e, enquanto ele punha as mãos lá e se dobrava de dor, emitindo sons numa freqüência que apenas cães e morcegos são capazes de ouvir, Rosie e a mãe saíram atabalhoadamente.

Empurraram a porta, fecharam-na, e Rosie empurrou um dos ferrolhos. As duas se abraçaram.

Ainda estavam ali, na adega, quando todas as luzes se apagaram.

— Deve ser algum fusível — disse Rosie, para tranqüilizar a mãe. Mas não tinha certeza de que acreditava no que dizia, embora não houvesse outra explicação.

— Você devia ter trancado a porta com os dois ferrolhos — observou a mãe. Depois fez “ai!” ao bater com o dedão do pé em alguma coisa, e disse um palavrão.

— Se pensarmos pelo lado positivo, ele também não consegue enxergar no escuro. Segura a minha mão. Acho que as escadas ficam para cá.

Grahame Coats estava de quatro sobre o chão de concreto do depósito de carnes, na escuridão, quando as luzes se apagaram. Algo quente escorria por sua perna. Pensou por um desagradável momento que tinha urinado nas calças, mas aí entendeu que a lâmina de uma das facas que colocara no cinto fizera um corte profundo na parte superior de sua perna.

Parou de se mover e deitou-se no chão. Decidiu que beber tanto foi a coisa certa a fazer: era praticamente uma anestesia. Decidiu dormir.

Não estava sozinho no depósito de carnes. Havia alguém com ele. Alguém que caminhava com quatro patas.

Então ouviu um grunhido:

— Levante-se.

— Não consigo. Estou ferido. Quero dormir.

— Você é uma criatura patética, que destrói tudo o que toca. Agora levante-se.

— Bem que eu queria — respondeu Grahame Coats, na melhor voz que conseguia fazer bêbado. — Não dá. Vou ficar deitado aqui um pouco. De qualquer forma, ela trancou a porta. Eu ouvi.

Ele ouviu um som metálico do outro lado da porta, como se o ferrolho fosse retirado lentamente.

— A porta está aberta. Agora me ouça. Se ficar aqui, você vai morrer.

Ouvia-se um barulho suave e impaciente. Uma cauda a mover-se. Um rugido meio abafado no fundo da garganta.

— Me dê a sua mão. Quero a sua lealdade. Convide-me para entrar em você — disse a voz.

— Eu não enten...

— Me dê a sua mão ou vai sangrar até morrer.

Ali, na escuridão do depósito de carne, Grahame Coats ergueu a mão. Alguém, ou alguma coisa, a pegou e ficou segurando, transmitindo confiança.

— E então? Quer me convidar para entrar em você?

Então um momento de fria sobriedade tomou Grahame Coats. Ele já havia ido muito longe. Nada que fizesse poderia piorar as coisas.

— Absolutotalmente — sussurrou Grahame Coats e, assim que disse isso, começou a mudar. Conseguia enxergar na escuridão como se fosse dia. Pensou, mas só por alguns segundos, ver algo ao seu lado, maior que um homem, com dentes muito afiados. Então a coisa sumiu, e Grahame Coats sentia-se ótimo. O sangue não saía mais de sua perna.

Conseguia enxergar perfeitamente na escuridão. Puxou as facas presas em seu cinto e as deixou cair no chão. Tirou os sapatos. Havia uma arma no chão, mas a deixou lá mesmo. Armas eram para os símios, as aves de rapina, os fracos. Ele não era nenhum símio.

Era um caçador.

Colocou-se de quatro e saiu, com quatro patas, para a adega.

Podia ver as mulheres. Elas haviam encontrado a escada que dava para a casa e se aproximavam dela cegamente, de mãos dadas, na escuridão.

Uma era velha, tinha carne dura. A outra era jovem, com carne macia. Sua boca salivou, a boca de alguém que só em parte era Grahame Coats.

Fat Charlie saiu da ponte, com o chapéu panama do pai enfiado na cabeça, e entrou na luz poente. Caminhou pela praia cheia de pedras, escorregando nelas, caindo em piscinas de água naturais. Então pisou em algo que se mexeu. Tropeçou e saiu de cima.

A coisa ergueu-se no ar, cada vez mais. O que quer que fosse, era enorme. À primeira vista, Fat Charlie pensou que tivesse o tamanho de um elefante, mas era ainda maior.