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Rosie encostou na parede, com a boca seca.

A fera encontrava-se entre ela e a porta da casa. Caminhava lenta e suavemente na direção de Rosie, como se tivesse todo o tempo do mundo.

A mãe saiu correndo da cozinha, passou por Rosie e foi pelo corredor até aquela sombra enorme, com os braços agitando-se no ar. Com seus punhos magros, deu um soco nas costelas do animal. Houve uma pausa, como se o mundo segurasse a respiração, e a fera virou-se para ela. Viu-se um vulto, um movimento rápido, e a mãe de Rosie agora estava no chão enquanto a sombra a sacudia, como se ela fosse uma boneca de pano na boca de um cachorro.

E então a campainha tocou.

Rosie quis gritar por socorro, mas em vez disso apenas gritava alto, sem parar. Quando se deparou com uma inesperada aranha numa banheira, ela fora capaz de gritar como uma atriz de filme B ao encontrar na banheira um homem com roupa de mergulho. Agora estava numa casa escura, com um tigre feito de sombra e um potencial assassino em série, e um deles, talvez os dois juntos, acabara de atacar a sua mãe. Pensou em duas possíveis saídas {o revólver: estava lá embaixo, no porão, tinha que descer e pegar a arma; ou a porta; podia tentar passar pela mãe e pela sombra e destrancar a porta da frente), mas seus pulmões e sua boca apenas gritavam.

Alguém bateu bem forte na porta da frente. “Estão tentando arrombar a porta”, pensou Rosie. “Mas não vão conseguir. É muito grossa.”

Sua mãe estava deitada no chão, sob a luz do luar, e a sombra permanecia sobre ela. O tigre jogou a cabeça para trás e rugiu, um rugido profundo, áspero, um misto de medo, desafio, sensação de posse.

“Estou ficando louca”, pensou Rosie, com uma certeza alucinada. “Fiquei trancada num porão por dois dias e estou tendo alucinações. Não há tigre nenhum.”

Da mesma forma, ela tinha certeza de que não havia uma mulher branca à luz da lua, embora pudesse vê-la caminhando pelo corredor. Uma mulher com cabelos loiros, pernas muito compridas e os quadris estreitos de dançarina. A mulher parou perto da sombra do tigre. E disse:

— Olá, Grahame. — A sombra-fera ergueu sua enorme cabeça e grunhiu. — Não vá pensando que pode se esconder de mim nessa fantasia idiota de tigre — continuou a mulher. Ela não parecia muito satisfeita.

Rosie percebeu que podia ver a janela através da parte superior do corpo da mulher e, assustada, caminhou para trás até ficar completamente colada à parede.

A fera grunhiu novamente, mas menos segura de si.

A mulher prosseguiu:

— Eu não acredito em fantasmas, Grahame. Passei a vida toda não acreditando em fantasmas. Aí eu conheci você. Você deixou a carreira do Morris ir ralo abaixo. Roubou da gente. Você me assassinou. Finalmente, como se já não bastasse tudo isso, me obrigou a acreditar em fantasmas.

Agora a grande sombra do felino dava ganidos baixinhos, andando de costas para a parede.

— Não pense que pode me evitar desse jeito, seu vermezinho inútil. Você pode fingir ser um tigre o quanto quiser. Mas não é um tigre. É um rato. Aliás, isso é um insulto a uma nobre e numerosa espécie de roedores. É pior que um rato. É um gerbilzinho. Uma... uma doninha.

Rosie correu pelo corredor. Passou pela fera, pela sua mãe caída. Atravessou a mulher branca, e a sensação era a de atravessar uma névoa. Chegou até a porta da frente e começou a mexer nos ferrolhos.

Em sua mente, ou talvez no mundo real, Rosie conseguia ouvir pessoas discutindo. Alguém dizia:

“Não preste atenção nela, seu idiota. Ela não pode tocá-lo. Ela é só uma duppy. Não é nem real. Pegue a moça! Vá atrás dela!”

E outra pessoa respondia:

“Sem dúvida, o seu argumento tem certo fundamento. Mas não estou convencido de que você levou em conta todos os fatores em relação a... bom discrição, custo-benefício etc... Entende?”

“Eu mando em você. Você é que tem que entender o que eu digo.”

“Mas...”

— O que eu quero saber mesmo é se você, no momento, está pouco ou muito fantasmagórico. Eu não consigo tocar as pessoas. Nem mesmo consigo tocar as coisas. Mas consigo tocar fantasmas.

A mulher branca ensaiou um chute poderoso no focinho da fera. O felino feito de sombras sibilou, como fazem os gatos, e deu um passo para trás. O pé da mulher não acertou o focinho por questão de alguns centímetros.

Conseguiu acertar o chute seguinte, e a fera deu um rugido de dor. Outro chute, bem forte, contra o lugar que seria o focinho do tigre, e o animal fez o som que faz um gato ao tomar banho: um único “nhááu” de medo, vergonha e derrota.

O corredor encheu-se da gargalhada de uma mulher morta, uma gargalhada de quem se sentia feliz, exultante.

— Doninha! Grahame Doninha! — gritava a mulher.

Um vento frio soprou dentro da casa.

Rosie puxou o último ferrolho e destrancou a porta. A porta escancarou-se. Lá fora, luzes de lanterna tão fortes que cegavam. Gente. Carros. Uma voz feminina disse:

— É uma das turistas desaparecidas! Meu Deus..

Rosie virou-se.

Com a luz da lanterna, conseguia enxergar a mãe encolhida no chão de cerâmica e, ao lado dela, sem sapatos, inconsciente e sem nenhuma dúvida humano, e não felino, estava Grahame Coats. Um líquido vermelho os circundava, como tinta, e Rosie, por um brevíssimo instante, não conseguia discernir o que era aquilo.

Uma mulher falava com ela. Dizia:

— Você é Rosie Noah. O meu nome é Daisy. Vou achar um lugar para você se sentar um pouco. Não quer se sentar?

Alguém deve ter encontrado a caixa de luz, porque naquele momento todas as luzes da casa se acenderam.

Um homem grande, com uniforme de policial, estava agachado perto dos corpos. Ele olhou para cima e disse:

— E mesmo o sr. Finnegan. E não está respirando.

Rosie respondeu:

— Sim, por favor. Quero me sentar, sim.

Charlie sentou-se na beirada do penhasco, sob a luz da lua, com as pernas penduradas. Então falou:

— Sabe... Você era parte de mim. Quando éramos crianças.

Spider inclinou a cabeça para um lado.

— Ah, é?

— Acho que sim.

— Bom, isso explica algumas coisas.

Spider estendeu a mão. Uma aranha de argila, com sete patas, ficou parada sobre seus dedos, como se farejasse o ar.

— E agora? Você vai me tomar de volta ou coisa do tipo?

Charlie franziu a testa.

— Acho que você teve um destino melhor do que se ainda fosse parte de mim. E se divertiu muito mais.

— Rosie... O Tigre sabe tudo sobre a Rosie. A gente precisa fazer alguma coisa.

— Claro que sim — concordou Charlie.

Era como contabilidade, pensou: você coloca um valor numa coluna, deduz de outra coluna e, se fizer tudo direitinho, sai perfeito ao pé da página. Pegou na mão do irmão.

Ficaram de pé e deram um passo para a frente, para o abismo... ... e tudo ficou claro...

Um vento frio soprava entre os dois mundos.

Charlie disse:

— Você não é a parte mágica de mim, sabia?

— Não?

Spider deu mais um passo à frente. Estrelas caíam do céu, dezenas delas, fazendo riscos pelo céu escuro. Ouvia-se alguém, em algum lugar, tocando uma música alta e doce numa flauta.

Deram outro passo... e agora podiam ouvir sirenes ao longe.

— Não, não é. Acho que a Sra. Dunwiddy pensou que você fosse. Ela nos separou, mas nunca entendeu direito o que estava fazendo. Nós somos como duas metades de uma estrela do mar. Você cresceu e virou outra pessoa. E — continuou, dando-se conta, ao falar, de que aquilo era verdade — eu também.

Ficaram de pé, na beira do penhasco, à luz do dia que começava a amanhecer. Uma ambulância subia a colina, com as luzes piscando, e outra a seguia. Estacionaram do lado da estrada, perto de vários carros da polícia.

Daisy parecia dar ordens a todos eles.

— Não há muito o que possamos fazer aqui. Não agora — observou Fat Charlie. — Vamos.

O último vagalume ao redor de Charlie foi embora. Apagou-se e foi dormir.