Os dois pegaram o primeiro microônibus da manhã de volta a Williamstown.
Maeve Livingstone estava sentada no andar de cima, na biblioteca da casa de Grahame Coats, cercada de seus quadros, livros e DVDs, olhando pela janela. Lá embaixo, enfermeiros colocavam Rosie e sua mãe numa ambulância e Grahame Coats na outra.
Ela ponderou que gostou muito de chutar aquela fera em que Grahame Coats se transformara. Foi a coisa que mais lhe trouxe satisfação desde que fora assassinada. Mas, se fosse sincera consigo mesma, teria que admitir que dançar com o sr. Nancy, em termos de satisfação, só perdia para isso. Ele dançava de modo admiravelmente ágil, os pés leves. Sentiu-se cansada.
— Maeve?
— Morris?
Ela olhou em volta, mas o aposento estava vazio.
— Eu não quero atrapalhar você caso esteja muito ocupada, querida.
— Ah, que gentil. Mas acho que já terminei tudo.
As paredes da biblioteca começaram a desaparecer. Perdiam a cor, o formato. O mundo por trás das paredes começava a surgir e, naquela luz, enxergou uma pequena silhueta de uma pessoa usando um terno elegante, esperando por ela.
Pôs sua mão na dele e disse:
— Para onde nós vamos, Morris?
Ele lhe disse.
— Ah. Bom, então será uma boa mudança. Eu sempre quis ir pra lá.
E, de mãos dadas, eles se foram.
14
O qual chega a várias conclusões
Charlie acordou com alguém batendo à porta. Desorientado, olhou em volta: estava num quarto de hotel. Diversos acontecimentos improváveis juntavam-se em sua mente como mariposas ao redor de uma lâmpada. Enquanto tentava pôr alguma ordem neles, seus pés o levantaram e o levaram até a porta do quarto de hotel. Ficou olhando e piscando para o diagrama grudado na porta, que informava aonde o hóspede deveria ir em caso de incêndio. Tentou lembrar-se dos acontecimentos da noite anterior. Então destrancou a porta e a abriu. Daisy olhou para ele e disse:
— Você dormiu com esse chapéu?
Charlie pôs a mão para cima e apalpou a cabeça. Sem dúvida, havia um chapéu nela.
— Sim. Acho que sim.
— Nossa. Bom, pelo menos você tirou os sapatos. Sabia que foi muito divertido ontem à noite, e você perdeu?
— É?
— Escove os dentes — sugeriu ela, prestativa. — E troque de camisa. É, você perdeu. Enquanto estava.. — Ela hesitou. Parecia muito improvável, se você pensasse a respeito, que uma pessoa desaparecesse durante uma sessão mediúnica. Essas coisas não acontecem. Não no mundo real. — Enquanto você não estava lá — continuou —, consegui fazer o chefe da polícia ir até a casa de Grahame Coats. As turistas estavam lá.
— Turistas?
— Foi o que ele falou para a gente no jantar. Algo a respeito de a gente ter enviado duas pessoas, as duas que estavam na casa. Eram a sua noiva e a mãe dela. Ele trancou as duas no porão.
— E elas estão bem?
— Estão no hospital.
— Ah.
— A mãe está bem mal. Mas acho que a sua noiva vai ficar bem.
— Será que pode parar de chamá-la de minha noiva? Ela não é mais minha noiva. Ela terminou o noivado.
— Sim. Mas você não, certo?
— Ela não me ama. Bom, agora vou escovar os dentes e trocar de camisa. Preciso de um pouco de privacidade.
— Aproveite e tome um banho. Esse chapéu tem cheiro de charuto.
— E herança de família — respondeu ele.
Entrou no banheiro e trancou a porta.
O hospital ficava a dez minutos de caminhada do hotel. Spider estava sentado na sala de espera, segurando uma edição da revista Entertainment Weekly cheia de orelhas como se a lesse de fato.
Charlie tocou-lhe no ombro, e Spider teve um sobressalto. Olhou para cima, ansioso, mas, ao ver o irmão, relaxou. Mas não muito.
— Me disseram para esperar aqui. Porque eu não sou membro da família e tal.
Charlie ficou espantado.
— Ué, por que você simplesmente não disse a eles que era um parente? Ou um médico?
Spider pareceu incomodado.
— Bom, é fácil fazer essas coisas quando você não se importa. Se eu não me importo em poder entrar lá ou não, é fácil entrar. Mas agora eu me importo, e odiaria atrapalhar ou fazer algo errado... Quer dizer... E se eu tentasse e eles dissessem “não”, e aí... Por que você está sorrindo?
— Nada de mais. É que isso me soa meio familiar. Vamos. Vamos entrar e falar com a Rosie. Sabe — continuou ele, dirigindo-se a Daisy —, existem dois meios de uma pessoa entrar num hospital sem ser identificada. Ou você tenta parecer que é do lugar... Olha só, Spider. Olha ali um jaleco, pendurado na porta. Do seu tamanho. Como eu ia dizendo— Ou você tenta parecer tão deslocado que ninguém vai reclamar da sua presença. Sempre vão deixar o trabalho de averiguar isso para outra pessoa.
E aí Charlie começou a fazer um “hum-hum” ritmado.
— Que música é essa? — perguntou Daisy.
— O nome é “Yellow Bird” — respondeu Spider.
Charlie empurrou o chapéu para trás. Eles entraram no quarto de Rosie.
Ela estava sentada na cama, lendo uma revista, e parecia preocupada. Quando viu os três entrarem, pareceu ainda mais preocupada. Seus olhos pulavam de Spider para Charlie, e de volta para Spider.
— Vocês estão bem longe de casa, não?
Foi tudo o que ela disse.
— Todos nós — respondeu Charlie. — Bom, você já conhece o Spider. Essa é a Daisy. Ela é da polícia.
— Não sei se ainda sou — corrigiu Daisy. — Provavelmente me meti numa grande enrascada.
— Era você quem estava lá ontem à noite? A policial que fez a polícia da ilha ir até a casa? — perguntou Rosie. Depois de uma pausa, continuou: — Já teve notícias de Grahame Coats?
— Ele está na UTI, assim como a sua mãe.
— Bom, se ela acordar antes dele, espero que o mate — replicou Rosie. — Eles não falam nada sobre a condição da minha mãe. Só dizem que é muito grave e que vão falar comigo somente quando houver algo a dizer.
Olhou para Charlie com olhos tranqüilos e disse:
— Ela não é tão má quanto você acha que é, sabe. Não quando você passa um tempo com ela para conhecê-la melhor. A gente teve bastante tempo para conversar, trancadas no escuro. Ela é legal.
Assoou o nariz. Continuou:
— Eles acham que ela não vai sobreviver. Não me disseram isso diretamente, mas meio que disseram isso sem dizer, sei lá. Engraçado. Sempre achei que ela sobreviveria a qualquer coisa.
— Eu também. Sempre achei que, se houvesse uma guerra nuclear, ainda restariam as baratas e a sua mãe — concordou Charlie.
Daisy pisou no pé de Charlie, repreendendo-o, e perguntou:
— Já sabem o que houve com a sua mãe?
— Eu falei pra eles. Havia um animal naquela casa. Talvez fosse o Grahame Coats. Quer dizer, era ele, mas também era outra coisa. Ela conseguiu distrair a fera, e aí foi atacada...
Ela tinha explicado os acontecimentos para a polícia naquela manhã da melhor maneira que podia. Decidiu que não falaria sobre a mulher fantasma. Às vezes nossa mente cede à pressão da situação. Concluiu que era melhor que as pessoas não soubessem que isso acontecera com ela.
Então Rosie caiu no choro. Olhava para Spider como se acabasse de se lembrar de quem ele era.
— Eu ainda te odeio, sabia?
Spider não disse nada, mas uma expressão de dor surgiu em seu rosto. Aí ele não parecia mais um médico. Agora parecia alguém que pegou um jaleco branco detrás de uma porta e estava preocupado se alguém descobriria.
Ela falou num tom sonhador:
— Só que.. Só que, quando eu estava lá, no escuro, achei que você estivesse me ajudando. Que você ajudava a manter o animal longe de mim. O que aconteceu com o seu rosto? Está todo arranhado.
— Ah, um bicho me arranhou.
— Sabe, agora que eu estou vendo vocês dois juntos, acho que não se parecem nem um pouco.
— É que eu sou mais bonito — interrompeu Charlie, e o pé de Daisy pressionou os dedos do pé dele mais uma vez. Daisy disse, baixinho: