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Dirch Frode não a interrompeu uma única vez. Quando ela terminou de falar, permaneceu mudo por um longo tempo antes de suspirar profundamente e de balançar lentamente a cabeça.

— O que vamos fazer?

— Não é problema meu — disse Lisbeth num tom inexpressivo.

— Mas...

— Quer que eu te diga? Nunca pus os pés em Hedestad.

— Não estou entendendo.

— Em hipótese alguma quero aparecer num relatório policial. Eu não existo nessa história. Se meu nome for mencionado e relacionado ao que aconteceu, negarei ter vindo aqui e não responderei a pergunta nenhuma.

Dirch Frode tentava entendê-la.

— Não entendo.

— Não precisa entender.

— Que vou fazer então?

— Você é que decide, contanto que não nos envolva nisso, nem a mim nem a Mikael.

Dirch Frode estava lívido.

— É só considerar as coisas assim: tudo o que você sabe é que Martin morreu num acidente na estrada. Desconhece completamente que ele também era um assassino psicopata e nunca ouviu falar daquele porão.

Ela pôs a chave diante dele, em cima da mesa.

— Você ainda tem tempo antes que alguém vá examinar o porão de Martin e descubra aquele cômodo. Certamente não vai acontecer agora.

— Nós temos que chamar a polícia.

— Nós, não. Chame a polícia se quiser. A decisão é sua.

— Não podemos abafar esse caso.

— Não estou propondo que o abafe, apenas que não envolva a Mikael e a mim. Quando tiver visto o porão, vai tirar suas próprias conclusões e decidir com quem quer falar.

— Se o que você diz é verdade, isso significa que Martin sequestrou e matou mulheres... portanto há famílias desesperadas que não sabem onde estão suas filhas. Não podemos simplesmente...

— É verdade. Mas há um problema: os corpos desapareceram. Talvez você encontre passaportes ou carteiras de identidade numa gaveta. Algumas vítimas poderão ser identificadas pelos vídeos. Mas você não é obrigado a tomar nua decisão hoje. Reflita um pouco mais.

Dirch Frode parecia em pânico.

— Meu Deus! Isso vai ser o tiro de misericórdia do grupo. Quantas pessoas vão ficar desempregadas se for revelado que Martin...

Frode balançava-se para a frente e para trás, pressionado por um dilema moral.

— Esse é um dos aspectos. Se Isabella Vanger assumir o cargo de Martin, não seria bom que ela fosse a primeira a saber do passatempo do filho.

— Preciso ir ver...

— Na minha opinião, você deveria se manter longe daquele porão hoje — disse Lisbeth com autoridade.

— Há muitas providências a tomar. Você precisa avisar Henrik, precisa convocar a diretoria para uma reunião extraordinária e fazer o que fariam se o diretor administrativo tivesse falecido em circunstâncias normais.

Dirch Frode ponderou sobre as palavras dela. Seu coração deixou-se levar. Ele, o velho advogado que resolvia problemas e de quem se esperava um plano pronto diante de qualquer obstáculo, sentia-se totalmente paralisado. De repente se deu conta de que estava aceitando orientações de uma jovem. De um modo ou de outro, ela assumira o comando da situação e traçava as linhas de ação que ele não conseguia formular.

— E Harriet...?

— Mikael e eu ainda não terminamos. Mas pode dizer a Henrik Vanger que acho que vamos resolver isso também.

O desaparecimento inesperado de Martin Vanger era o destaque do noticiário das nove da manhã, quando Mikael despertou. Nada foi mencionado sobre os acontecimentos da noite, a não ser que o industrial deixara a pista da direita de forma inexplicável, em alta velocidade.

Ele estava sozinho no carro. A emissora de rádio local demorava-se mais sobre as inquietações quanto ao futuro do grupo Vanger e quanto às consequências financeiras que essa morte traria ao grupo.

Ao meio-dia, um despacho da TT, redigido às pressas, anunciava na tevê "Uma região em estado de choque" e resumia as repercussões imediatas para o grupo Vanger. Não escapava a ninguém que, só em Hedestad, três mil vinte e quatro mil habitantes eram empregados do grupo Vanger ou dependiam indiretamente da saúde financeira do grupo. O atual diretor morrera e o ex-diretor era um velho tentando se recuperar de um infarto recente. Faltava um herdeiro natural. Tudo isso num período considerado como o mais crítico da história da empresa.

Mikael Blomkvist tinha a possibilidade de ir à delegacia de polícia para explicar o que acontecera durante a noite, mas Lisbeth Salander já havia traçado o caminho. Uma vez que ele não chamara a polícia imediatamente, tornava-se cada vez mais difícil fazer isso a cada hora que passava. Durante a manhã, ele ficou afundado no banco da cozinha, num silêncio mal-humorado, enquanto contemplava a chuva e as grossas nuvens que cobriam o céu. Por volta das dez, desabou uma nova tempestade, mas ao meio-dia a chuva parou e o vento acalmou um pouco. Ele saiu, enxugou as cadeiras do jardim e sentou-se com uma xícara de café. Teve o cuidado de levantar a gola da camisa.

Como era de se esperar, a morte de Martin estendeu uma sombra sobre o cotidiano do povoado. Carros começaram a estacionar diante da casa de Isabella Vanger, indicando que o clã se reunia. Pessoas apresentavam suas condolências. Lisbeth contemplava o desfile com indiferença. Mikael permanecia mudo.

— Como está se sentindo? — ela perguntou enfim.

Mikael refletiu um momento antes de responder.

— Acho que ainda estou em estado de choque — disse. — Fiquei totalmente indefeso por várias horas. Achei que ia morrer. A angústia de morrer me revolvia as tripas e eu me sentia totalmente impotente.

Estendeu a mão e a pousou sobre o joelho de Lisbeth.

— Obrigado — disse. — Se você não tivesse chegado, ele teria me matado.

Lisbeth retribuiu com um sorriso enviesado. Mikael prosseguiu:

— Só que... eu não consigo entender como pôde ser tão louca de enfrentá-lo sozinha. Eu estava ali, no chão, rezando para que você visse a foto, fizesse a ligação e chamasse a polícia.

— Se eu esperasse a polícia chegar, você não teria sobrevivido. Eu não

podia deixar aquele canalha te trucidar.

— Por que você não quer ver a polícia?

— Não falo com as autoridades.

— Por que não?

— Problema meu. Mas, no que diz respeito a você, não acho que seria muito interessante para a sua carreira te apresentarem como o jornalista violentado por Martin Vanger, o conhecido assassino serial. Se já não gosta do Super-Blomkvist, imagine os novos apelidos que viriam.

Mikael olhou-a intensamente, depois abandonou o assunto.

— Temos um problema — disse Lisbeth.

Mikael assentiu com a cabeça, sabia a que ela estava se referindo.

— O que aconteceu a Harriet?

Lisbeth pôs as duas fotos polaróide em cima da mesa diante dele. Explicou onde as encontrara. Mikael examinou as fotos com atenção antes de levantar os olhos.

— Pode ser ela — disse por fim. — Não posso jurar, mas a corpulência e os cabelos lembram todas as fotos que vi dela.

Mikael e Lisbeth ficaram no jardim por uma hora, encaixando as peças do quebra-cabeça. Descobriram que ambos, cada um de seu lado, haviam identificado Martin Vanger como o elo perdido.

Lisbeth não chegara a ver a foto que Mikael havia deixado em cima da mesa da cozinha. Na noite anterior, depois de examinar as imagens das câmeras de segurança, ela concluíra que Mikael fizera algo estúpido e fora até a casa de Martin pelo caminho que margeava a água. Observou todas as janelas e não viu ninguém. Muito discretamente, verificou todas as portas e janelas do térreo e então foi escalando a parede até alcançar uma sacada aberta no andar de cima. Levou tempo, e ela agiu com a maior prudência, examinando cômodo por cômodo da casa. Por fim, descobriu a escada que levava ao porão. Martin fora negligente: deixara entreaberta a porta de sua câmara de torturas e ela logo entendeu tudo.