Выбрать главу

— Acho que sim.

— Quer que eu esteja aqui quando você voltar?

Ele desceu do carro, deu a volta e se aproximou para abraçá-la. Lisbeth o rechaçou quase com violência. Mikael recuou,

— Lisbeth, você é minha amiga. Ela o olhou sem expressão.

— Quer que eu fique só para que você possa trepar com alguém esta noite?

Mikael olhou demoradamente para ela. Depois virou-se, entrou no carro e ligou o motor. Baixou o vidro. A hostilidade de Lisbeth era palpável.

— Quero ser seu amigo — disse. — Se está imaginando outra coisa, não vale nem a pena estar aqui quando eu voltar.

Henrik Vanger estava sentado numa poltrona quando Dirch Frode convidou Mikael a entrar em seu quarto no hospital. Ele logo perguntou como Henrik estava.

— Eles estão pretendendo me deixar ir ao enterro de Martin amanhã.

— Que parte da história Dirch contou a você? Henrik Vanger baixou o olhar.

— O que Martin e Gottfried fizeram. Pelo que entendi, a coisa foi mais longe do que eu imaginei nos meus piores pesadelos.

— Eu sei o que aconteceu a Harriet.

— Conte-me como ela morreu.

— Harriet não morreu. Está viva. Se estiver de acordo, ela gostaria muito de revê-lo.

Num mesmo movimento, Henrik Vanger e Dirch Frode olharam Mikael como se o mundo tivesse acabado de virar de pernas para o ar.

— Levei algum tempo até convencê-la a vir comigo, mas ela concordou. Está bem e neste momento se encontra em Hedestad. Chegou hoje de manhã e poderá estar aqui dentro de uma hora. Se você quiser vê-la, é claro.

Mais uma vez, Mikael precisou contar a história do começo ao fim. Henrik Vanger escutou com tanta concentração, como se escutasse um Sermão da Montanha moderno. Em algumas raras ocasiões, fez uma pergunta ou pediu que Mikael repetisse. Dirch Frode não abriu a boca.

Terminado o relato, o velho permaneceu quieto. Embora os médicos tivessem garantido que Henrik tinha se restabelecido do infarto, Mikael temia o instante da revelação de toda a história — temia que o velho não aguentasse. Mas Henrik não demonstrou nenhum sinal de emoção. Apenas sua voz parecia um pouco pastosa quando quebrou o silêncio.

— Pobre Harriet. Se tivesse vindo falar comigo... Mikael olhou a hora. Eram cinco para as quatro.

— Quer vê-la? Ela tem medo que você a rejeite, agora que sabe o que ela fez.

— E as flores?

— Perguntei isso a ela no avião. Só havia uma pessoa que ela amava na família: você. Evidentemente, era ela quem enviava as flores. Disse que esperava fazê-lo entender que ela estava viva, e bem, sem ser obrigada a se revelar. Mas, como sua única fonte de informação era Anita, que nunca vinha a Hedestad e que foi morar no exterior depois de terminar seus estudos, Harriet sabia muito pouco do que se passava aqui. Nunca soube o quanto você sofria nem que se acreditava perseguido pelo assassino dela.

— Imagino que Anita era quem postava as flores.

— Ela trabalhava para uma companhia aérea e as enviava de onde se encontrava.

— E como você descobriu que era Anita que a ajudava?

— Pela fotografia na qual ela aparece na janela do quarto de Harriet.

— Mas ela podia estar envolvida... poderia ser a assassina. Como deduziu que Harriet estava viva?

Mikael olhou demoradamente para Henrik Vanger. Depois sorriu pela primeira vez desde que voltara a Hedestad,

— Anita estava envolvida no desaparecimento de Harriet, mas não poderia tê-la matado.

— Como teve a certeza disso?

— Porque isto não é um romance policial e de mistério. Se Anita tivesse matado Harriet, você já teria encontrado o corpo há muito tempo. Portanto, o mais lógico é que ela tivesse ajudado Harriet a fugir e a se manter distante. Quer vê-la?

— Mas é claro que quero ver Harriet.

Mikael foi buscar Harriet, que o aguardava em frente aos elevadores do saguão de entrada. No primeiro momento não a reconheceu; depois que eles haviam se separado no aeroporto, na véspera, ela refizera a cor escura original de seus cabelos. Vestia calça preta, camisa branca e um casaco cinza elegante. Estava magnífica e Mikael inclinou-se para lhe dar um beijo de encorajamento no rosto,

Henrik levantou-se da poltrona quando Mikael abriu a porta para deixar Harriet Vanger passar. Ela respirou fundo.

— Bom dia, Henrik.

O velho a examinou dos pés à cabeça. Depois Harriet avançou e o beijou no rosto. Mikael fez um sinal com o queixo para Dirch Frode, fechou a porta e deixou os dois a sós.

Lisbeth Salander não estava mais em casa quando Mikael voltou à ilha. O equipamento de vídeo e a moto haviam desaparecido, assim como a sacola com as roupas e os produtos de toalete dela no banheiro.

Ele percorreu os cômodos. A casa de repente lhe pareceu sinistra, estranha, irreal. Olhou as pilhas de papéis na saleta de trabalho, que ele devia distribuir em pastas e entregar a Henrik Vanger, mas não teve ânimo de começar a arrumação. Foi até o Konsum para comprar pão, leite, queijo e alguma coisa para beliscar à noite. Ao voltar, preparou um café, instalou-se no jardim e leu os jornais da tarde com a cabeça vazia, sem pensar em nada.

Por volta das cinco e meia da tarde, um táxi passou pela ponte e voltou três minutos depois. Mikael avistou Isabella Vanger no banco traseiro.

Por volta das sete, estava cochilando na cadeira do jardim quando Dirch Frode chegou e o despertou.

— Como foi o encontro de Henrik e Harriet? — perguntou Mikael.

— Essa triste história tem também seu lado divertido — respondeu Frode com um sorriso contido. — Isabella irrompeu de repente no quarto de Henrik. Ela ficou sabendo que você havia voltado e estava uma fera. Berrou que era preciso acabar com essas imbecilidades sobre Harriet e que você era um investigador de merda que causara a morte do filho dela.

— De certa forma ela tem razão.

— Ordenou que Henrik demitisse você, obrigasse você a sumir daqui e que parasse de procurar fantasmas.

— Uau!

— Ela nem sequer olhou para a mulher que estava com Henrik. Certamente a tomou como uma funcionária do hospital. Não esquecerei jamais o instante em que Harriet se levantou, olhou para Isabella e disse: Bom dia, mamãe.

— E o que aconteceu?

— Foi preciso chamar o médico para reanimar Isabella. Agora ela está negando que se trata mesmo de Harriet; você é acusado de ter trazido uma impostora.

Dirch Frode estava indo anunciar a Cecília e a Alexander que Harriet ressuscitara dos mortos. Ele seguiu seu caminho e deixou Mikael a sós.

Lisbeth Salander parou para pôr gasolina num posto um pouco antes de Uppsala. Estivera dirigindo com os dentes cerrados e o olhar fixo à frente. Pagou rápido, deu a partida na moto e avançou até a saída, onde se deteve mais uma vez, indecisa.

Ainda se sentia mal. Estava furiosa quando deixou Hedeby, mas a raiva lentamente se dissolvera ao longo do trajeto. Não sabia muito bem por que estava tão zangada com Mikael Blomkvist, nem mesmo se era com ele que estava zangada.

Só tinha na cabeça Martin Vanger, aquela maldita Harriet Vanger e aquele maldito Dirch Frode, toda aquela maldita família Vanger bem instalada em Hedestad, que reinava em seu pequeno império fazendo intrigas uns contra os outros. Eles haviam precisado da ajuda dela. Normalmente não a teriam sequer cumprimentado, muito menos lhe confiado segredos.

Família de merda!

Inspirou profundamente e pensou na mãe enterrada naquela manhã. Aquilo, sim, não tinha solução. A morte da mãe significava que a ferida jamais seria curada, pois Lisbeth jamais teria resposta às perguntas que gostaria de ter feito a ela.

Pensou em Dragan Armanskij atrás dela durante o enterro. Deveria ter dito alguma coisa a ele. Pelo menos ter enviado um sinal de que sabia que ele estava ali. Mas aí ele teria usado aquilo como pretexto para querer organizar a vida dela. Se lhe desse a pontinha do dedo, ele iria pegar o braço inteiro. Ele nunca entenderia.