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Pensou no dr. Nils Canalha Bjurman, seu tutor, que, ao menos por enquanto, estava neutralizado e fazendo o que ela mandava.

Sentiu um ódio implacável e cerrou os dentes.

Pensou em Mikael Blomkvist e perguntou-se qual seria a reação dele se soubesse que ela estava sob tutela e que toda a sua vida não passava de um maldito ninho de ratos.

Percebeu que não queria mal a ele. Mikael fora simplesmente a pessoa de quem ela dispunha para descarregar sua raiva, sobretudo quando sentia vontade de matar alguém. Não adiantava nada culpá-lo.

Sentia-se estranhamente ambígua em relação a ele.

Ele metia o nariz em toda parte, fuçava a vida privada dela e... Mas ela também tinha gostado de trabalhar com ele. E essa era uma sensação estranha — trabalhar com alguém! Não tinha esse hábito, mas fora algo surpreendentemente sem dor. Ele não ficava martelando nos ouvidos dela, não ficava tentando lhe dizer como deveria viver sua vida.

E fora ela que o seduzira, não o contrário.

Sem contar que havia sido bom.

Então por que essa vontade de chutá-lo?

Suspirou e contemplou com olhos infelizes um caminhão enorme que passava pela rodovia E4.

Mikael ainda estava no jardim por volta das oito da noite quando ouviu o barulho da moto e viu Lisbeth Salander passar pela ponte. Ela estacionou e tirou o capacete. Aproximou-se da mesa do jardim e examinou a cafeteira, que estava fria e vazia. Mikael olhou para ela surpreso. Ela pegou a cafeteira e entrou na casa. Quando voltou, havia tirado o macacão de couro e posto um jeans e uma camiseta com a inscrição I can be a regular bitch. Just try me.

— Achei que já estivesse em Estocolmo — disse Mikael.

— Dei meia-volta em Uppsala.

— Um passeio longo.

— Estou com a bunda dolorida.

— Por que deu meia-volta?

Ela não respondeu. Mikael não insistiu e esperou que ela falasse enquanto tomavam o café. Passados dez minutos, ela rompeu o silêncio.

— Gosto da sua companhia — ela reconheceu a contragosto. Eram palavras que nunca havia pronunciado.

— Foi... interessante trabalhar com você nesse caso.

— Também gostei de trabalhar com você — disse Mikael.

— Humm.

— Nunca trabalhei com um pesquisador tão competente. Certo, sei que você é uma hacker terrível e conhece círculos suspeitos com os quais, depois de um simples telefonema, pode montar urna escuta telefônica em Londres em vinte e quatro horas, mas de fato você obtém resultados.

Ela o olhou pela primeira vez desde que se sentara ali. Ele conhecia muitos dos seus segredos. Como era possível?

— E simples. Conheço computadores. Nunca tive problema para ler um texto e entender exatamente o que está escrito lá.

— E a sua memória fotográfica — ele disse tranquilamente.

— Acho que sim. Não sei bem como a coisa funciona. Não é só com computadores e redes telefônicas, mas também com o motor da minha moto, aparelhos de tevê, aspiradores de pó, processos químicos e fórmulas astrofísicas. Admito, sou meio maluca, uma verdadeira freak.

Mikael franziu as sobrancelhas. Não disse nada por um bom tempo.

A síndrome de Asperger, pensou. Ou algo parecido. Um talento para ver esquemas e entender raciocínios abstraías onde os outros não vêem senão a mais completa desordem.

Lisbeth olhou fixamente a mesa.

— A maioria das pessoas pagaria caro para ter esse dom.

— Não quero falar sobre isso.

— Tudo bem, deixa pra lá. Por que você voltou?

— Não sei. Talvez tenha sido um erro. Ele a perscrutou com o olhar.

— Lisbeth, pode me dar uma definição da palavra "amizade"?

— Gostar muito de alguém.

— Sim, mas o que faz gostar muito de alguém? Ela encolheu os ombros.

— Minha definição da amizade se baseia em duas coisas — ele disse. — O respeito e a confiança. Esses dois fatores precisam necessariamente estai presentes. E deve ser recíproco. Pode-se ter respeito por alguém, mas se não houver confiança, a amizade vira pó.

Ela continuou calada.

— Tudo bem você não querer falar de si mesma comigo; só que, mais cedo ou mais tarde, vai precisar decidir se tem confiança em mim ou não. Quero que sejamos amigos, mas não posso ser seu amigo sozinho.

— Gosto de trepar com você.

— O sexo não tem nada a ver com a amizade. Claro que amigos podem fazer amor, mas ouça, Lisbeth: se eu tiver que escolher entre sexo e amizade com você, sei muito bem o que escolherei.

— Não entendo. Quer fazer amor comigo ou não?

Mikael mordeu o lábio. Por fim, suspirou.

— Não é bom que pessoas que trabalham juntas façam amor juntas — ele murmurou. — Acaba dando problemas.

— Posso estar enganada, mas me parece que você e Erika trepam assim que surge uma chance. E além disso ela é casada.

Mikael ficou um momento em silêncio.

— Eu e Erika... temos uma história que começou muito antes de trabalharmos juntos. O fato de ela ser casada não lhe diz respeito.

— Está vendo? Agora é você que não quer falar dos seus assuntos. A amizade não era uma questão de confiança?...

— Sim, mas o que eu quero dizer é que não falo de uma amiga nas costas dela. Seria trair sua confiança. Também não falaria de você com Erika nas suas costas.

Lisbeth Salander pensou sobre o que ele disse. A conversa havia ficado complicada e ela não gostava de conversas complicadas.

— Gosto de trepar com você — repetiu.

— E eu também... mas já tenho idade para ser seu pai.

— Não dou a mínima para a sua idade.

— Você não pode ignorar nossa diferença de idade. Ela não é um bom ponto de partida para uma relação duradoura.

— Quem falou de algo duradouro? — disse Lisbeth. — Acabamos de resolver um caso em que homens com uma sexualidade pervertida de merda desempenharam um papel e tanto. Se dependesse de mim, homens como esses seriam exterminados, todos.

— Bem, pelo menos você não faz concessões.

— Não — disse ela, com seu sorriso enviesado que não era bem um sorriso. — Mas você não é como eles.

Levantou-se.

— Vou tomar um banho e depois pretendo me deitar nua na sua cama. Se você se sente muito velho, pode ir dormir na cama de armar.

Mikael olhou para ela. Quaisquer que fossem os problemas de Lisbeth Salander, a timidez não era um deles. Ele sempre saía perdendo nas discussões que tinha com ela. Foi lavar as xícaras de café e depois entrou no quarto.

Levantaram-se por volta das dez, tomaram banho juntos e se instalaram no jardim para o café-da-manhã. Aproximadamente às onze horas, Dirch Frode telefonou e disse que o enterro seria às duas. Perguntou se tinham a intenção de ir.

— Acho que não — disse Mikael.

Frode perguntou se poderia passar por volta das seis da tarde para terem uma conversa. Mikael disse que não havia problema.

Passou algumas horas guardando os papéis nas pastas e depois levando-as ao escritório de Henrik. Por fim, restaram só seus próprios cadernos de anotações e as duas pastas sobre o caso Hans-Erik Wennerström, que havia seis meses ele não abria. Suspirou e colocou-as na mala.

Dirch Frode se atrasou e só chegou às oito da noite. Ainda vestia a roupa de enterro e parecia muito preocupado quando se sentou no banco da cozinha. Aceitou com prazer a xícara de café que Lisbeth lhe serviu. Ela se sentou na outra mesa e concentrou-se em seu computador, enquanto Mikael perguntava como a ressurreição de Harriet repercutira na família.

— Pode-se dizer que eclipsou a morte de Martin. Mas a mídia também ficou sabendo do caso dela.

— E como vocês estão explicando a situação?

— Harriet conversou com um jornalista do Kuriren. Sua versão c que fugiu de casa porque não se entendia com a família, mas que, afinal, acabou se dando bem, pois hoje dirige uma empresa com um volume de negócios tão grande quanto o do grupo Vanger.