Выбрать главу

— Agora sei o quanto valho. Abandonamos todas aquelas mulheres — disse. — Eles vão abafar a história. Tudo que há no porão de Martin vai desaparecer.

Lisbeth não respondeu.

— Erika tinha razão — ele continuou. — Teria sido melhor se eu tivesse ido à Espanha dormir com as espanholas por um mês, depois voltar a me encarregar de Wennerström. Foram meses jogados fora.

— Se você tivesse ido à Espanha, Martin Vanger continuaria agindo no seu porão.

Silêncio. Eles ficaram ali juntos por bastante tempo até que Mikael se levantou e propôs que voltassem.

Mikael adormeceu antes de Lisbeth. Ela ficou acordada escutando a respiração dele. Esperou um momento, depois foi à cozinha fazer café. Sentou-se no banco, no escuro, e fumou vários cigarros enquanto refletia intensamente. Para ela, era evidente que Vanger e Frode iam enganar Mikael. Essa gente era assim por natureza. Mas o problema era de Mikael, e não dela. Ou era?

Acabou tomando uma decisão. Esmagou o cigarro, foi para junto de Mikael, acendeu a lâmpada de cabeceira e sacudiu-o até que despertasse. Eram duas e meia da manhã.

— Que foi?

— Tenho uma pergunta pra te fazer. Sente-se. Mikael sentou-se, ainda sonolento.

— Quando você foi condenado por difamação, por que não se defendeu? Mikael sacudiu a cabeça e olhou para ela. Depois olhou para o despertador.

— É uma longa história, Lisbeth.

— Conte. Não tenho pressa.

Ele permaneceu um bom tempo em silêncio, refletindo sobre o que deveria dizer. Por fim decidiu contar a verdade.

— Eu não tinha como me defender. O conteúdo do artigo estava errado.

— Quando pirateei seu computador e os e-mails que você trocou com Erika Berger, havia muitas referências ao caso Wennerström, mas sempre para discutir detalhes práticos do processo e nunca o que realmente aconteceu. O que foi que não deu certo?

— Lisbeth, não posso revelar a verdadeira história. Caí numa armadilha. Erika e eu estamos totalmente de acordo que seria ainda mais prejudicial à nossa credibilidade se tentássemos contar o que de fato se passou.

— Então me diga, Super-Blomkvist. Ontem à tarde você me passou um sermão sobre amizade, confiança e não sei mais o quê. Acha que estou pretendendo divulgar a sua história pela internet?

Mikael protestou uma ou duas vezes. Lembrou a Lisbeth que era madrugada e que não tinha ânimo para pensar no assunto. Ela permaneceu obstinadamente sentada até ele ceder. Mikael foi lavar o rosto e esquentar o café. Então voltou para a cama e contou como, dois anos antes, seu ex-colega de classe Robert Lindberg havia despertado sua curiosidade na cabine de um veleiro atracado na marina de Arholma.

— Quer dizer que seu colega mentiu?

— Não, de modo nenhum. Ele contou exatamente o que sabia e verifiquei cada palavra do que ele disse em documentos existentes no Comitê de Apoio Industrial. Cheguei a ir à Polônia fotografar o hangar onde a empresa Minos tinha sido instalada. E entrevistei várias pessoas que haviam sido contratadas. Todas disseram exatamente a mesma coisa.

— Não entendo.

Mikael suspirou. Demorou um pouco para prosseguir.

— Eu tinha uma ótima história. Ainda faltava colocar Wennerström na parede, mas a história era consistente e, se eu tivesse publicado na hora, teria desestabilizado o cara. Ele talvez não fosse condenado por fraude, o caso já tinha o aval dos auditores, mas pelo menos eu teria abalado sua reputação.

— E o que impediu isso?

— Nesse meio-tempo alguém percebeu a jogada e Wennerström ficou sabendo da investigação. E um monte de coisas estranhas começaram a acontecer. Primeiro recebi ameaças. Telefonemas anônimos feitos de cabines públicas impossíveis de localizar. Erika também recebeu ameaças. Os absurdos de sempre: pare de investigar senão vamos te pegar, coisas desse tipo. Ela evidentemente ficou irritada.

Ele pegou um dos cigarros de Lisbeth.

— Depois aconteceu algo muito desagradável. Uma noite, ao sair da re-dação bem tarde, fui atacado por dois sujeitos que me deram uma surra. Eu estava completamente desprevenido, eles me espancaram pra valer e desmaiei. Não consegui identificá-los, mas um deles me pareceu ser um motoqueiro.

— E?

— Bem, todas essas manifestações de simpatia acabaram deixando Erika mais furiosa e eu mais obstinado. Reforçamos a segurança da Millennium. O problema é que eram ataques desproporcionais em relação ao conteúdo da nossa história. Não entendíamos por que tudo aquilo estava acontecendo.

— Mas a história que você publicou era muito diferente.

— Exato. De repente descobrimos uma brecha. Fizemos contato com uma fonte, um Garganta Profunda do círculo de Wennerström. O sujeito estava borrado de medo e só nos encontrávamos com ele em quartos de hotéis anônimos. Contou que o dinheiro do caso Minos fora utilizado para comprar armas destinadas à guerra na Jugoslávia. Wennerström tinha feito negócios com o grupo de direita croata Ustacha. E mais: o cara nos deu cópias de documentos que confirmavam suas denúncias.

— E vocês acreditaram?

— Ele foi habilidoso. Também nos passou informações suficientes para nos levar a uma outra fonte que podia confirmar a história. Tivemos inclusive uma foto que mostrava um dos mais próximos colaboradores de Wennerström apertando a mão do comprador, diante de caixas com a etiqueta "Explosivos". Tudo parecia verídico, e publicamos.

— Era uma isca.

— Uma isca do começo ao fim — confirmou Mikael. — Os documentos haviam sido habilmente falsificados. E o advogado de Wennerström provou que a foto do subalterno de Wennerström e do chefe da Ustacha era uma montagem de duas fotos diferentes feita no Photoshop.

— Fascinante — disse Lisbeth Salander, assentindo com a cabeça pensativamente. Tudo estava muito claro para ela.

— Não é mesmo? Depois foi fácil ver como havíamos sido manipulados. Nossa história original teria prejudicado Wennerström, no entanto ela se perdeu numa falsificação e caiu numa armadilha. Publicamos uma história que permitiu a Wennerström desmantelá-la ponto por ponto e provar sua inocência. Foi um golpe de mestre.

— E vocês não podiam voltar atrás e contar a verdade. Não tinham nenhuma prova de que Wennerström fizera a falsificação.

— Pior que isso. Se tentássemos contar a verdade e cometêssemos a imbecilidade de acusar Wennerström de estar por trás de tudo, ninguém acreditaria em nós. Interpretariam isso apenas como uma tentativa desesperada de culpar um grande empresário inocente. Seríamos vistos como uns obcecados por complô e doidos completos.

— Entendo.

— Wennerström estava duplamente protegido. Se o truque fosse revelado, ele poderia dizer que um de seus inimigos quisera arrastá-lo para a lama. E nós da Millennium perderíamos mais uma vez a credibilidade, pois teríamos engolido informações que depois se revelaram falsas.

— Então você escolheu não se defender e encarar uma pena de prisão.

— Mereci a pena — disse Mikael com voz amarga. — Fui culpado por difamação. É isso, agora você já sabe. Posso dormir?

Mikael apagou a luz e fechou os olhos. Lisbeth estendeu-se ao lado dele. Não disse nada por um momento.

— Wennerström é um gângster.

— Eu sei.

— Não, eu quis dizer que eu sei que ele é um gângster. Ele negocia com tudo, desde a máfia russa até o cartel de Medellín na Colômbia.

— O que está querendo dizer?

— Quando entreguei meu relatório a Frode, ele me incumbiu de uma missão suplementar. Pediu que eu tentasse descobrir o que realmente havia acontecido no processo. Eu estava envolvida nisso quando Armanskij me chamou para cancelar o trabalho.

— Suponho que não precisavam mais da investigação depois que você aceitou a proposta de Henrik Vanger. Não havia mais interesse.