Fazia quatro dias que eles tinham voltado a Estocolmo, quando Christer Malm ligou para o celular de Mikael e o despertou às três da manhã.
— Henry Cortez foi a uma festa com uma namorada esta noite.
— Ah, sim? — respondeu Mikael, ainda tonto de sono.
— Antes de voltarem para casa, passaram no bar da Estação central.
— Não é o melhor lugar para namorar.
— Escuta esta: Janne Dahlman está de férias e Henry o viu numa mesa junto com um homem.
— E?
— Henry reconheceu imediatamente o tal homem. Krister Söder.
— O nome me diz alguma coisa, mas...
— Trabalha no Finansmagasinet Monopol, que pertence ao grupo Wennerström — prosseguiu Malm.
Mikael ergueu-se na cama.
— Está me ouvindo?
— Sim, estou. Pode não significar nada. Söder é jornalista, talvez seja um velho colega de Dahlman.
— Talvez eu esteja sendo meio paranóico, mas há três meses a Millennium comprou a reportagem de um freelancer. Uma semana antes de nós a publicarmos, Söder publicou uma notícia quase idêntica. Era o mesmo assunto sobre um fabricante de celulares. Ele ocultava a informação de que utilizavam um componente defeituoso que pode causar curtos-circuitos.
— Entendo. Mas essas coisas acontecem. Comentou isso com Erika?
— Não, ela está viajando, só volta a semana que vem.
— Não faz mal. Volto a te ligar — disse Mikael e desligou o celular.
— Problemas? — perguntou Lisbeth Salander.
— A Millennium — disse Mikael. — Preciso dar uma saída. Quer vir comigo?
A redação estava deserta às quatro da manhã. Lisbeth precisou de três minutos para descobrir o código de acesso do computador de Janne Dahlman e mais dois para transferir seu conteúdo para o notebook de Mikael.
A maior parte dos e-mails, porém, achava-se no laptop pessoal de Dahlman, ao qual não tinham acesso. Mas no computador dele na Millennium Lisbeth encontrou um endereço hotmail de Dahlman, e ela levou seis minutos para entrar na conta dele e transferir toda a sua correspondência do ano anterior. Cinco minutos depois, Mikael tinha provas de que Janne Dahlman deixara vazar informações sobre a situação da Millennium e de que informara o redator do Finansmagasinet Monopol sobre as reportagens que Erika programava publicar nos próximos números. A espionagem prosseguira pelo menos até o outono anterior.
Eles desligaram os computadores e voltaram ao apartamento de Mikael para dormir mais algumas horas. Ele chamou Christer Malm por volta das dez da manhã.
— Tenho provas de que Dahlman trabalha para Wennerström.
— Eu tinha certeza disso. Certo, vou despedir esse canalha ainda hoje.
— Não faça isso. Não faça absolutamente nada. — Nada?
— Christer, confie em mim. Até quando Dahlman estará de férias?
— Ele volta na segunda-feira de manhã.
— Há quantas pessoas na redação hoje?
— Mais ou menos a metade.
— Será que pode anunciar uma reunião para as duas da tarde? Não diga qual o assunto. Estarei aí.
Seis pessoas estavam sentadas em volta da mesa de reunião diante de Mikael. Christer Malm tinha um ar cansado. Henry Cortez exibia aquela felicidade que só os jovens apaixonados de vinte e quatro anos conseguem sentir. Monika Nilsson parecia ansiosa, à espera de revelações bombásticas; Christer Malm não dissera uma palavra sobre o tema da reunião, mas ela já trabalhava na redação havia bastante tempo para entender que algo incomum estava sendo tramado, e não saber de nada a deixava aborrecida. A única que exibia um comportamento normal era Ingela Oskarsson, funcionária de tempo parcial encarregada da administração, das assinaturas e de outras tarefas que lhe ocupavam dois dias da sua semana, embora ela não parecesse muito folgada desde que se tornara mãe dois anos antes. A outra funcionária de tempo parcial era a jornalista freelancer Lotta Karim, com um contrato semelhante ao de Henry Cortez e que acabava de voltar de férias. Christer também conseguira trazer para a reunião Sonny Magnusson, embora ele ainda estivesse de férias.
Mikael começou cumprimentando a todos e desculpando-se por ter estado fora durante o ano.
— Nem Christer nem eu tivemos tempo de informar Erika sobre o que nos preocupa hoje, mas posso garantir que nesse assunto falo também em nome dela. Hoje vamos decidir o futuro da Millennium.
Fez uma pausa e deixou as palavras produzirem efeito. Ninguém fez perguntas.
— Este ano foi pesado. Estou surpreso de que nenhum de vocês tenha ido procurar emprego em outro lugar. Só posso concluir que vocês são ou completamente loucos ou excepcionalmente leais e que gostam de trabalhar na revista. Por isso vou botar as cartas na mesa e pedir uma última contribuição.
— Ultima contribuição? — espantou-se Monika Nilsson. — É como se você tivesse a intenção de fechar a Millennium.
— Isso mesmo — respondeu Mikael. — Quando voltar das férias, Erika convocará nós todos para uma triste reunião, na qual anunciará que a Millennium vai deixar de circular no Natal e que todos serão dispensados.
Desta vez, uma certa inquietação se espalhou no ar. Mesmo Christer Malm acreditou, por um segundo, que Mikael falava sério, antes de notar seu sorriso satisfeito.
— Durante este outono, vocês vão desempenhar um duplo papel. Devo dizer que o nosso caro secretário de redação, Janne Dahlman, andou passando informações nossas para Hans-Erik Wennerström. O que significa que o inimigo está sempre muito bem informado do que se passa aqui, e isso explica muitos dos reveses que sofremos neste ano. Sobretudo você, Sonny, pois alguns anunciantes que pareciam firmes se retiraram subitamente.
— Dahlman, aquele merda! Não me surpreende — disse Monika Nilsson.
Janne Dahlman nunca fora muito popular na redação e a revelação não chegou a chocar ninguém. Mikael interrompeu os murmúrios.
— Só estou contando isso porque tenho inteira confiança em vocês. Trabalhamos juntos há vários anos e sei que vocês têm a cabeça no lugar, por isso sei também que aceitarão participar desse jogo, não importa o que acontecer neste outono. E fundamental que Wennerström seja levado a acreditar que a Millennium está afundando. E o trabalho de vocês será fazê-lo acreditar nisso.
— Qual é a nossa verdadeira situação? — perguntou Henry Cortez.
— Resumindo: foi um período difícil para todos e ainda não estamos livres das dificuldades. Tudo levava a crer que a Millennium ia acabar. Mas garanto que isso não vai acontecer. A Millennium hoje está mais forte do que há um ano. Depois desta reunião, vou desaparecer novamente por dois meses. Lá pelo fim de outubro estarei de volta. Então cortaremos as asas de Hans-Erik Wennerström.
— De que maneira? — quis saber Cortez.
— Sinto muito, mas não posso revelar detalhes. Vou escrever uma nova história sobre Wennerström, só que desta vez faremos tudo direitinho. Então começaremos a preparar a festa de Natal da revista. Espero ter como prato principal do cardápio Wennerström assado e diversos críticos como sobremesa.
A descontração logo tomou conta do ambiente. Mikael se perguntou como estaria se sentindo se estivesse ali, sentado, escutando a si mesmo naquela mesa de reunião. Cético? Provavelmente. Mas parecia que ele contava com um capital de confiança entre os colaboradores da Millennium. Levantou a mão outra vez.
— Para que isso aconteça, é importante que Wennerström acredite que a Millennium está afundando. Não quero que ele monte uma campanha defensiva ou que elimine provas no último minuto. Por isso vamos traçar um roteiro para os próximos meses. Em primeiro lugar, é fundamental que nada do que discutimos aqui hoje seja registrado por escrito em e-mails ou comunicado a alguém fora desta sala. Não sabemos até que ponto Dahlman tem acesso aos nossos computadores, e descobri que é bastante fácil ler os e-mails particulares dos colaboradores. Portanto, faremos tudo verbalmente. Se nas próximas semanas quiserem discutir alguma coisa, falem com Christer na casa dele. Com extrema discrição.