Mikael escreveu numa lousa: nenhuma mensagem eletrônica.
— Em segundo lugar, vocês farão fofocas. Quero que comecem a me denegrir toda vez que Janne Dahlman estiver por perto. Não exagerem. Apenas dêem vazão ao ego naturalmente avacalhador de vocês. Christer, gostaria que você e Erika tivessem uma discussão séria. Usem a imaginação e guardem mistério sobre as razões, mas dêem a impressão de que a revista está rachando e que todos estão se indispondo uns contra os outros.
Ele escreveu Avacalhem na lousa.
— Em terceiro lugar: quando Erika voltar, você, Christer, a informará sobre a trama. Caberá a ela, em seguida, fazer Janne Dahlman acreditar que nosso acordo com o grupo Vanger, que nos mantém à tona no momento, afundou porque Henrik Vanger está gravemente doente e porque Martin Vanger morreu num acidente de carro.
Escreveu a palavra Desinformação.
— Então isso significa que o acordo é sólido? — perguntou Monika Nilsson.
— Pode acreditar em mim — disse Mikael sério. — O grupo Vanger está empenhado em que a Millennium sobreviva. Daqui a algumas semanas, digamos, no final de agosto, Erika convocará uma reunião para avisar das dispensas. E importante que todos entendam que é uma isca e que o único a desaparecer daqui será Janne Dahlman. Mas vocês precisam continuar fingindo. Comecem a dizer que estão procurando emprego e falem da referência ruim que a Millennium representa no currículo.
— E você acha que essa comédia vai salvar a Millennium? — perguntou Sonny Magnusson.
— Tenho certeza que sim. Sonny, quero que faça um relatório mensal fictício mostrando que a tendência dos anunciantes se inverteu nos últimos meses e que o número de assinantes caiu outra vez.
— Vai ser divertido — disse Monika. — Isso vai ficar só dentro da redação ou deixaremos vazar para outras mídias?
— Só dentro da redação. Se a história vazar, saberemos quem é o responsável. Se daqui a alguns meses alguém nos pedir explicações, poderemos simplesmente dizer: Não, meu velho, você ouviu boatos sem fundamento; de modo nenhum, nunca se falou em fechar a Millennium. O melhor que pode acontecer é Dahlman ventilar a informação para outras mídias. Então, ele é que passará por imbecil. Se puderem soprar a Dahlman uma história plausível mas completamente idiota, têm carta branca.
Passaram duas horas montando um roteiro e distribuindo o papel de cada um.
Depois da reunião, Mikael foi tomar um café com Christer Malm no Java, no centro da cidade.
— Christer, é muito importante que vá esperar Erika no aeroporto, para colocá-la a par da situação. Terá que convencê-la a jogar o jogo. Se eu bem a conheço, ela vai querer se confrontar com Dahlman imediatamente, mas isso não pode acontecer. Não quero que Wennerström suspeite de alguma coisa e dê sumiço nas provas.
— Certo.
— E diga a Erika que se mantenha longe do correio eletrônico até ter instalado o encriptador PGP e ter aprendido a utilizá-lo. E provável que, através de Dahlman, Wennerström esteja lendo todos os nossos e-mails internos. Quero que usem o PGP, você e todo mundo na redação. Como se fosse a coisa mais natural. Darei o nome de um técnico de informática, você vai chamá-lo e ele virá dar uma olhada na rede interna e nos computadores da redação. Deixe-o instalar o programa como se fosse um serviço normal.
— Farei o melhor possível. Mas diga, Mikael, o que você está tramando exatamente?
— Vou acabar com a carreira de Wennerström.
— De que maneira?
— Sinto muito, por enquanto é segredo. Só posso dizer que tenho informações sobre ele que farão nossa denúncia anterior parecer uma coisa à-toa.
Christer Malm pareceu incomodado.
— Sempre confiei em você, Mikael. Você não confia em mim? Mikael riu.
— Claro que confio. Mas neste momento estou envolvido numa atividade criminosa muito séria, que pode me valer uns dois anos de prisão. É que os procedimentos da minha pesquisa são, por assim dizer, um pouco duvidosos... Utilizo métodos tão ilícitos quanto os de Wennerström. Não quero que nem você nem Erika nem ninguém da Millennium se envolva nisso.
— Você tem o dom de me deixar preocupado.
— Fique tranquilo. E pode dizer a Erika que essa história vai repercutir. Muito.
— Erika vai querer saber o que você está tramando... Mikael refletiu um segundo, depois sorriu.
— Diga a ela que, na última primavera, ela deixou muito claro para mim, quando assinou o contrato com Henrik Vanger à minha revelia, que eu não passava de um reles e mortal freelancer, sem lugar no conselho administrativo da revista e sem nenhuma influência na linha seguida pela Millennium. Isso também significa que não sou obrigado a informá-la de nada. Mas prometo que, se ela se comportar direitinho, vai ser a primeira a saber da história.
Christer deu uma risada.
— Ela vai ficar furiosa — comentou, divertido.
* * *
Mikael sabia muito bem que não dissera a verdade a Christer Malm: ele estava evitando Erika propositalmente. O normal teria sido avisá-la de imediato das informações de que dispunha. Mas Mikael não queria falar com ela. Chegou a digitar seu número uma dezena de vezes no celular. Sempre desistia.
Sabia qual era o problema: não podia olhá-la nos olhos.
Ter concordado em abafar o caso de Hedestad era jornalisticamente imperdoável. Ele não sabia como explicar isso sem mentir, e se havia uma coisa que nunca queria fazer era mentir para Erika Berger.
Além do mais, não tinha coragem de enfrentar esse problema e ao mesmo tempo atacar Wennerström. Assim adiou o confronto, desligou o celular e poupou-se de falar com ela. Sabia que era um descanso de curta duração.
Logo depois da reunião da redação, Mikael foi se instalar em sua cabana em Sandhamn, onde não punha os pés havia mais de um ano. Na bagagem, levou duas caixas de folhas impressas e os CDs que Lisbeth lhe dera. Fez provisões, trancou-se ali, abriu o notebook e pôs-se a escrever. Todos os dias saía para passear e aproveitava para comprar jornais e mantimentos. Ainda havia muitos veleiros no porto, e vários daqueles jovens que tinham pedido emprestado o barco do papai estavam, como sempre, enchendo a cara no Bar do Mergulhador. Alheio a tudo a sua volta, Mikael passava os dias na frente do computador, desde o momento em que abria os olhos até cair de cansaço à noite.
Mensagem eletrônica encriptada da diretora de publicação erika.berger@millennium.se ao editor licenciado mikael.blomkvist@millennium.se:
[Mikael. Preciso saber o que está acontecendo — entenda, voltei de férias e caí em pleno caos. Primeiro fico sabendo o que Janne Dahlman andou fazendo, depois o jogo duplo que você bolou. Martin Vanger está morto. Harriet Vanger está viva. O que está havendo em Hedeby? Onde você está? Temos uma história para publicar? Por que não atende o celular? E.
P. S. Entendi a sua alfinetada que Christer divertiu-se muito em me transmitir. Você me paga. Está zangado comigo de verdade?]
De mikael.blomkvist@millennium.se
A erika.berger@millennium.se:
[Oi, Ricky. Não, fique tranquila, não estou zangado. Perdoe-me por não ter tido tempo de esclarecer as coisas para você, é que nos últimos meses minha vida virou uma montanha-russa. Contarei tudo quando nos virmos, mas não por e-mail. Agora estou em Sandhamn. Há uma história para ser publicada, mas não se trata de Harriet Vanger. Vou ficar aqui enfurnado por algum tempo. Até terminar, confie em mim. Bjs. M.]