— Bem, o que pode me dizer sobre Mikael Blomkvist? — perguntou.
— Esta é a senhorita Salander, que redigiu o relatório. — Armanskji hesitou um segundo e prosseguiu com um sorriso destinado a transmitir confiança a Frode, mas que sobretudo pedia desculpas desamparadas. — Não se surpreenda com a juventude dela. É sem dúvida nossa melhor investigadora.
— Estou certo disso — respondeu Frode com uma voz seca que indicava o contrário. — Conte-me o que ela descobriu.
Evidentemente o advogado não fazia a menor idéia de que comportamento adotar com Lisbeth Salander e procurava pisar um terreno mais seguro dirigindo a pergunta a Armanskij, como se ela não estivesse na sala. Salander aproveitou a ocasião para fazer uma grande bola com seu chiclete. Antes que Armanskij tivesse tempo de responder, ela falou ao chefe como se Frode não existisse.
— Pode ver com o seu cliente se ele deseja a versão longa ou a resumida?
Na mesma hora Frode percebeu a gafe que cometera. Seguiu-se um breve e penoso silêncio, então ele se virou para Lisbeth Salander e tentou corrigir o erro adotando um tom gentilmente paternal.
— Eu ficaria muito grato, senhorita, se pudesse me fazer um resumo do que descobriu.
Salander parecia uma fera cruel das savanas espreitando Dirch Frode para devorá-lo. Havia em seu olhar um ódio tão intenso e inesperado que Frode sentiu um arrepio nas costas. Rapidamente o rosto dela suavizou-se. Frode se perguntou se o que vira naquele olhar fora imaginação. Quando ela começou a falar, seu tom de voz era o de um funcionário de Estado.
— Antes de mais nada, permita-me dizer que essa missão não foi especialmente complicada, a não ser pelo fato de que a descrição das tarefas a cumprir era bastante vaga. O senhor queria que bisbilhotássemos por toda parte para descobrir tudo a respeito dele, mas esqueceu de indicar se buscava algo em particular. Razão pela qual chegamos a uma espécie de amostra de sua vida. O relatório contém cento e noventa e três páginas, mas cento e vinte são, na verdade, cópias de artigos que ele escreveu ou recortes de imprensa nos quais aparece. Blomkvist é uma figura pública com poucos segredos e não tem muito a esconder.
— Mas então ele tem segredos? — perguntou Frode.
— Todo mundo tem segredos — ela respondeu, imperturbável. — Trata-se apenas de descobrir quais.
— Sou todo ouvidos.
— Mikael Blomkvist nasceu em 18 de janeiro de 1960, portanto logo completará quarenta e três anos. Nasceu em Borlänge, mas nunca morou lá. Seus pais, Kurt e Anita Blomkvist, tinham cerca de trinta e cinco anos quando ele nasceu; atualmente os dois são falecidos. O pai era instalador de máquinas e devia se deslocar bastante; a mãe nunca foi senão dona de casa, pelo que entendi. A família mudou-se para Estocolmo quando Mikael começou a escola. Ele tem uma irmã três anos mais nova, ela se chama Annika e é advogada. Tem também tios e primos... E esse café, vem ou não vem?
A última frase era dirigida a Armanskij, que sem demora abriu a garrafa térmica que ele pedira para a reunião. Com um gesto, convidou Salander a continuar.
— Em 1966, portanto, a família se mudou para Estocolmo. Moravam em Lilla Essingen. Blomkvist cursou a escola primária e secundária em Bromma, depois fez o colegial em Kungsholmen. Suas notas de final de curso foram excelentes, encontrará cópias delas no dossiê. Quando estava no colégio, fazia música, tocava baixo num grupo de rock, os Bootstrap, que teve até um compacto tocado no rádio, no verão de 1979. Depois do colégio, trabalhou como vigia no metrô, juntou dinheiro para viajar ao exterior. Esteve fora um ano, passeando principalmente pela Ásia — Índia, Tailândia e uma breve estadia na Austrália. Começou a estudar jornalismo em Estocolmo quando tinha vinte e um anos, mas interrompeu o curso ao cabo de um ano para prestar o serviço militar no regimento de caçadores, em Kiruna. Uma espécie de unidade de machos, da qual saiu com notas 10-9-9, o que é um bom resultado. Depois do serviço militar, formou-se jornalista e começou a trabalhar. Até onde devo ir com os detalhes?
— Conte tudo que lhe pareça essencial.
— Certo. Ele é sobretudo o tipo primeiro da classe. Até hoje tem sido um jornalista talentoso. Nos anos 1980, fez uma série de serviços temporários, primeiro na imprensa do interior, depois em Estocolmo. A lista está no dossiê.
Mas se tornou realmente conhecido com a história dos Irmãos Metralha — o bando de assaltantes que ele ajudou a prender.
— Super-Blomkvist.
— Ele detesta esse apelido, o que é compreensível. Eu deixaria alguém de olho roxo se me chamassem de Píppi Meialonga numa manchete de jornal.
Ela lançou um olhar sombrio para Armanskij, que engoliu em seco. Mais de uma vez, ele pensara em Lisbeth Salander justamente como Píppi Meialonga, e felicitou-se por nunca haver soltado esse gracejo. Fez sinal para que ela prosseguisse, agitando o indicador no ar.
— Uma fonte diz que até então ele queria ser repórter criminal, chegou mesmo a fazer um trabalho temporário nessa seção num jornal vespertino, mas o que o tornou famoso foi sua atuação como investigador político e econômico. Trabalhou principalmente como freelancer e teve um único emprego fixo num jornal vespertino, no final dos anos 1980. Pediu demissão em 1990, quando participou da criação da revista mensal Millennium. Ela começou como zebra, sem um editor de peso que a bancasse. A tiragem aumentou, hoje está em torno de vinte e um mil exemplares. A redação está instalada na Götgatan, a poucas ruas daqui.
— Uma publicação de esquerda.
— Tudo depende de como se define esquerda. A Millennium é tida como uma revista de crítica à sociedade, mas algo me diz que os anarquistas a vêem como uma publicação pequeno-burguesa do mesmo filão da Arena ou da Ordfront, enquanto a União dos Estudantes Moderados provavelmente pensa que a redação é composta de bolchevistas. Nada indica que Blomkvist tenha exercido uma atividade política, mesmo durante a onda esquerdista do seu tempo de colégio. Quando estava na faculdade de jornalismo, viveu com uma militante sindicalista que hoje ocupa uma cadeira no Parlamento pelo partido da esquerda. O rótulo de esquerdista se deve sobretudo ao fato de ele ter se especializado, como jornalista econômico, em reportagens que revelaram a corrupção e negócios suspeitos no mundo empresarial. Ele fez algumas descrições devastadoras de empresários e políticos, sem dúvida nenhuma bem merecidas, e está na origem de um bom número de demissões e processos jurídicos. O mais conhecido é o caso Arboga, que resultou na demissão forçada de um político conservador e na sentença de um ano de prisão dada a um ex-tesoureiro municipal, por desvio de verba. Denunciar delitos dificilmente pode ser considerado uma atitude de esquerda.
— Entendo o que quer dizer. E o que mais?
— Ele escreveu dois livros. Um sobre o caso Arboga e outro sobre jornalismo econômico, intitulado Os templários e publicado há três anos. Não li, mas, a julgar pelas críticas, o livro é bastante controvertido e suscitou muitos debates na mídia.
— E quanto a dinheiro?
— Ele não é rico, mas não tem do que se queixar. Suas declarações de renda estão anexadas ao dossiê. Tem pouco mais de duzentas e cinquenta mil coroas no banco, aplicadas num plano de aposentadoria e num fundo de poupança. Dispõe de cerca de cem mil coroas na conta corrente, que usa para as despesas normais, viagens et cetera. Possui um apartamento que comprou financiado e já terminou de pagar. Sessenta e cinco metros quadrados na Bellmansgatan. Não fez empréstimos nem dívidas.
Salander levantou um dedo.
— Ele possui ainda um outro bem: uma propriedade rural em Sandhamn. É uma cabana de vinte e cinco metros quadrados, que funciona como casa de férias, situada à beira-mar, na parte mais atraente da aldeia. Ao que parece foi comprada por um dos tios nos anos 1940, quando os simples mortais ainda podiam se oferecer esse tipo de coisa, e foi por causa da herança que a cabana passou a pertencer a Blomkvist. Ele e a irmã dividiram os bens, ela ficou com o apartamento dos pais em Lilla Essingen e Mikael Blomkvist com a cabana. Não sei quanto ela vale hoje, com certeza alguns milhões, mas ele não parece querer vendê-la e vai para lá com bastante frequência.