Verônica Sholes desligou seu celular no momento em que ouviu quatro breves sinais confirmando que o programa fora acionado.
Ela deixou o Zimmertal e foi até o Bank Hauser General, em frente ao hotel, onde havia marcado um encontro com um certo Herr Wagner, diretor, às dez da manhã. Chegou três minutos antes e utilizou esse tempo de espera para ficar bem em frente à câmera de segurança, que a fotografou quando ela se dirigiu às salas de consultas privadas.
—Estou precisando de ajuda para algumas transações — disse Verônica Sholes num impecável inglês de Oxford. Quando abriu sua pasta de documentos, deixou cair sem querer uma caneta com o logotipo do hotel Zimmerhil, que indicava que ela estava hospedada lá. O diretor Wagner gentilmente pegou a caneta e lhe devolveu. Ela lançou-lhe um sorriso malicioso e anotou o número da conta num bloco colocado à sua frente na mesa.
O diretor Wagner a examinou rapidamente e a classificou como a filha mimada de algum ricaço.
— São algumas contas no Banco de Kroenenfeld nas ilhas Caimãs. Transferência automática mediante códigos de compensação bancária.
— Fräulein Sholes, imagino que a senhorita tenha todos os códigos de compensação...
— Aber natürlich — ela respondeu, com um sotaque tão pronunciado que ficou evidente seu conhecimento mínimo do alemão.
Ela começou a recitar séries de números de dezesseis algarismos sem recorrer ao papel uma única vez. O diretor Wagner viu que a manhã ia ser trabalhosa, mas por quatro por cento sobre as transferências estava disposto a atrasar o almoço.
Levou mais tempo do que ela previa. E somente depois do meio-dia, um pouco atrasada em seus horários, é que Verônica Sholes deixou o Bank Hauser General para retornar ao hotel Zimmertal. Exibiu-se na recepção antes de subir ao quarto e tirar as roupas que acabara de comprar. Conservou os seios de borracha, mas substituiu a peruca pela de cabelos louros mais compridos de Irene Nesser. Vestiu roupas mais familiares: botas de salto alto, calça preta, uma blusa e uma elegante jaqueta de couro comprada na Malungsboden, em Estocolmo. Examinou-se no espelho. Sua aparência continuava bem-cuidada, mas sem sinais da herdeira rica. Antes de deixar o quarto, Irene Nesser contou algumas debêntures, que acomodou numa pequena pasta.
À uma e cinco da tarde, com alguns minutos de atraso, entrou no Bank Dorffmann, situado a cerca de setenta metros do Bank Hauser General. Irene Nesser marcara um encontro com um certo Herr Hasselmann, diretor. Desculpou-se pelo atraso num alemão perfeito com sotaque norueguês.
— Não há problema, Fräulein — disse o diretor Hasselmann. — Em que posso ajudá-la?
— Gostaria de abrir uma conta. Tenho algumas debêntures que desejo resgatar.
Irene Nesser pôs a pasta em cima da mesa.
O diretor Hasselmann percorreu o conteúdo, primeiro bem depressa, depois mais e mais devagar. Levantou uma sobrancelha e sorriu educadamente.
Ela abriu cinco contas que podia movimentar pela internet e cujo titular era uma empresa-fantasma particularmente anônima em Gibraltar, que um intermediário local abrira para ela mediante cinquenta mil coroas emprestadas de Mikael Blomkvist. Ela converteu cinquenta debêntures em dinheiro, que foi depositado nas contas. Cada debênture tinha o valor de um milhão de coroas.
Seus negócios no Bank Dorffmann demoraram muito tempo e ela se atrasou ainda mais no seu cronograma. Não teria tempo para concluir as demais operações antes do fechamento dos bancos no dia. Irene Nesser voltou então ao hotel Matterhorn, onde passou uma hora exibindo-se e marcando presença. Mas estava com dor de cabeça e em seguida se retirou. Comprou analgésicos na recepção, pediu para ser acordada às oito da manhã seguinte e voltou ao quarto.
Eram quase cinco da tarde e todos os bancos da Europa já estavam fechados. No continente americano, porém, os bancos acabavam de abrir. Ela pôs seu Powerbook para funcionar e conectou-se à internet pelo celular. Passou uma hora esvaziando as contas recém-abertas no Bank Dorffmann.
O dinheiro foi dividido em partes e utilizado para pagar faturas de um grande número de empresas-fantasmas no mundo inteiro. Quando terminou, o dinheiro fora curiosamente transferido de novo para o Bank of Kroenenfeld nas ilhas Caimãs, mas desta vez numa conta diferente daquela de onde saíra mais cedo naquele mesmo dia.
Irene Nesser considerou que essa primeira etapa estava segura e que era quase impossível de ser rastreada. Fez uma única retirada dessa conta; um pouco mais de um milhão de coroas foi transferido para uma conta vinculada a um cartão de crédito que ela utilizava. O titular da conta era uma sociedade anônima com o nome Wasp Enterprises, registrada em Gibraltar.
Alguns minutos depois, uma loura de franja deixou o Mattherhorn por uma porta lateral do bar do hotel. Verônica Sholes foi ao hotel Zimmertal, cumprimentou o recepcionista com um educado gesto de cabeça, pegou o elevador e subiu até seu quarto.
Dedicou-se então a vestir o uniforme de combate de Verônica Sholes, refazendo a maquiagem e pondo uma camada suplementar de base sobre a tatuagem, antes de descer ao restaurante do hotel para comer um delicioso peixe. Pediu uma garrafa de vinho do Porto do qual nunca ouvira falar mas que custava mil e duzentas coroas, bebeu apenas um copo e deixou negligentemente o resto, antes de dirigir-se ao bar do hotel. Distribuiu quinhentas coroas de gorjeta, o que lhe valeu a atenção dos atendentes.
Passou três horas flertando com um jovem italiano bêbado, com um nome aristocrático que ela nem se deu o trabalho de guardar. Dividiram duas garrafas de champanhe, das quais ela consumiu apenas um copo.
Por volta das onze da noite, o sedutor de bigodes inclinou-se e apalpou seus seios sem o menor constrangimento. Satisfeita, ela afastou sua mão. Ele parecia não ter notado que apalpara seios de borracha. Em vários momentos, comportaram-se de maneira bastante indiscreta para causar uma certa indignação nos outros hóspedes. Pouco antes da meia-noite, notando que o segurança começava a ficar de olho neles, Verônica Sholes ajudou seu amigo italiano a subir ao quarto dele.
Enquanto ele estava no banheiro, serviu-lhe um último copo de vinho tinto. Abriu um saquinho de papel e adicionou ao vinho uni comprimido de sonífero triturado. Ele bebeu e, um minuto depois, jazia de bruços sobre a cama. Ela desatou-lhe o nó da gravata, tirou seus sapatos, lavou os copos no banheiro e os enxugou. Então deixou o quarto.
No dia seguinte, Verônica Sholes tomou o café-da-manhã em seu quarto às seis, deixou uma gorjeta generosa, pagou a conta e foi embora do Zirnmertal quando não eram ainda sete horas. Antes de deixar o quarto, passou cinco minutos apagando as impressões digitais em maçanetas de porta, armários, pia do banheiro, aparelho de telefone e em outros objetos que havia tocado.
Irene Nesser fechou sua conta no hotel Matterhorn por volta das oito e meia, pouco depois de acordar. Tomou uni táxi e deixou suas malas num guarda-volumes da estação ferroviária. Passou as horas seguintes indo a nove bancos, nos quais depositou partes das debêntures das ilhas Caimàs. Às três da tarde, havia convertido cerca de dez por cento das debentures em dinheiro, depositado em cerca de trinta contas. Guardou o restante dos títulos num cofre bancário.
Irene Nesser teria de voltar a Zurique, mas não havia pressa.
Às quatro e meia, Irene Nesser tomou um táxi até o aeroporto. Foi ao banheiro e com uma tesoura destruiu o passaporte e o cartão de crédito de Verônica Sholes, fazendo-os sumir com a descarga de água na privada. Jogou a tesoura num cesto de lixo. Depois do 11 de setembro de 2001, não era aconselhável chamar a atenção com objetos pontiagudos na bagagem de mão.
Irene Nesser embarcou no voo CD 890 da Lufthansa para Oslo, depois pegou um ônibus até a estação ferroviária central da cidade, onde foi ao banheiro fazer uma triagem de suas roupas. Pôs todos os pertences da personagem Verônica Sholes — a peruca e as roupas de grife — em três sacos plásticos, que jogou em diferentes lixeiras da estação. Deixou a bolsa Samsonite, vazia, num compartimento aberto do guarda-volumes. A corrente de ouro e os brincos eram objetos de designer cuja pista poderia ser seguida; ela os fez sumir numa boca de lobo.