— Quem?
— Não consigo imaginar Cecilia indo lá à noite com um maçarico. Lisbeth encolheu os ombros.
— Não confio em nenhum desses doidos, nem mesmo em Frode e no seu amigo Henrik. Toda essa gente é capaz de enrolar você. Que vamos fazer agora?
Houve um momento de silêncio. Mikael disse então:
— Consegui descobrir muitos segredos a seu respeito. Quantas pessoas sabem que você é uma hacker?
— Ninguém.
— Exceto eu, quer dizer.
— Aonde você quer chegar?
— Quero saber se está comigo. Se confia em mim.
Ela o olhou por um bom tempo. Acabou encolhendo novamente os ombros.
— Não sei o que responder.
— Confia em mim? — insistiu Mikael.
— Até agora, sim — ela respondeu.
— Bem. Vamos fazer um pequeno passeio até a casa de Dirch Frode.
Sorrindo educadamente, a mulher do advogado Frode, que não conhecia Lisbeth Salander, arregalou os olhos quando a viu. Indicou-lhes o jardim nos fundos da casa. O rosto de Frode iluminou-se ao ver Lisbeth. Ele se levantou e a saudou com cortesia.
— Estou feliz de vê-la — disse. — Estava me sentindo culpado de não ter expressado suficientemente minha gratidão pelo trabalho extraordinário que fez para nós. Tanto no último inverno quanto agora.
Lisbeth o encarou desconfiada.
— Fui paga para isso — disse.
— Não foi isso que eu quis dizer. Julguei-a mal quando a vi pela primeira vez. Gostaria de me desculpar.
Mikael ficou surpreso. Dirch Frode era capaz de pedir desculpas a uma jovem de vinte e cinco anos coberta de piercings e tatuagens, por algo de que nem precisava se desculpar. O advogado subiu alguns pontos na estima de Mikael. Lisbeth Salander olhava para a frente e o ignorava.
Frode voltou-se para Mikael.
— O que aconteceu na sua testa?
Sentaram-se. Mikael resumiu os acontecimentos dos últimos dias. Quando contou que alguém havia disparado três tiros contra ele, Frode ergueu-se bruscamente. Sua indignação parecia incontestável.
— Mas isso é uma loucura! — Fez uma pausa e olhou fixamente para Mikael. — Sinto muito, mas temos que parar. Não posso colocar a vida de vocês em perigo. Preciso falar com Henrik e anular o contrato.
— Sente-se — disse Mikael.
— Você não entende...
— O que eu entendo é que Lisbeth e eu chegamos tão perto do alvo que quem está por trás de tudo isso entrou em pânico e começou a agir de maneira irracional. Lisbeth e eu gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar: quantas chaves existem da capela funerária da família Vanger e quem possui uma?
Frode refletiu um instante.
— Na verdade, não sei. Eu diria que vários membros da família têm acesso à capela. Sei que Henrik possui uma chave e que Isabella vai até lá às vezes, mas desconheço se ela tem sua própria chave ou se usa a de Henrik.
— Certo. Você continua fazendo parte do conselho administrativo do grupo Vanger. Existem arquivos da empresa? Uma biblioteca ou algo semelhante, onde haja recortes de imprensa e informações sobre o grupo de ano em ano?
— Sim. Na sede da empresa em Hedestad.
— Precisamos ter acesso a tudo isso. Há também velhos boletins do grupo diretivo, esse tipo de material?
— Mais uma vez sou obrigado a responder que não sei. Há trinta anos não ponho os pés no departamento de arquivos. Mas eu o porei em contato com Bodil Lindgren. Ela é a responsável pelo arquivamento de todos os documentos do grupo.
— Pode telefonar para ela e conseguir que Lisbeth comece a percorrer os arquivos já a partir de hoje à tarde? Ela quer ler todos os velhos recortes de imprensa sobre o grupo Vanger. Eu disse todos, e caberá a ela julgar o que pode ter interesse.
— Não há problema. Algo mais?
— Sim. Greger Vanger estava com uma Hasselblad na mão no dia do acidente da ponte. Isso significa que também pode ter tirado fotos. Onde elas foram guardadas depois da morte dele?
— O mais provável é que estejam com a viúva.
— Será que você poderia...
— Vou telefonar para Alexander e perguntar.
— E você quer que eu procure o quê? — perguntou Lisbeth quando eles deixaram Frode e atravessaram a ponte para voltar à ilha.
— Recortes de imprensa e publicações do tipo boletim do grupo empresarial. Quero que leia tudo que se relacione com as datas em que os assassinatos foram cometidos nos anos 1950 e 1960. Anote tudo o que lhe parecer um pouco estranho. Acho melhor você se encarregar dessa pesquisa. Pelo que percebi, sua memória é melhor do que a minha.
Ela desferiu-lhe um soco muito profissional nas costelas. Cinco minutos depois, sua Kawasaki atravessava a ponte.
Mikael apertou a mão de Alexander Vanger. Ele estivera viajando na maior parte do tempo da estadia de Mikael em Hedeby, que só o avistara rapidamente. Ele tinha vinte anos quando Harriet desapareceu.
— Dirch Frode disse que você queria ver umas fotografias antigas.
— Seu pai possuía uma Hasselblad.
— Exato. Ela ainda existe, mas ninguém a usa mais.
— Você deve estar sabendo que estou pesquisando o que aconteceu a Harriet, a pedido de Henrik.
— Foi o que entendi. Há muita gente que não está gostando disso.
— É bem possível. Evidentemente, não é obrigado a me mostrar nada.
— Ora, não há problema! O que deseja ver?
— Fotos que seu pai possa ter tirado no dia do desaparecimento de Harriet.
Subiram até o sótão. Alexander precisou de alguns minutos para localizar uma caixa com um monte de fotografias soltas e misturadas.
— Pode levar a caixa — disse. — Se existir alguma das que procura, deve estar aí dentro.
Mikael passou uma hora selecionando as fotos da caixa que Alexander lhe entregara. Para ilustrar a crônica familiar, a caixa continha algumas verdadeiras preciosidades, entre as quais um grande número de fotografias de Greger Vanger na companhia do grande líder nazista sueco dos anos 1940, Sven Olof Lindholm. Mikael as separou.
Encontrou vários envelopes com fotos que o próprio Greger certamente tirara e que mostravam diferentes pessoas e reuniões de família, bem como fotos típicas de férias, pesca em torrentes nas montanhas e uma viagem à Itália com a família. Entre outros lugares, haviam visitado a torre de Pisa.
Acabou encontrando quatro fotografias do acidente do caminhão-tanque. Embora a máquina fosse de excelente qualidade, Greger era um péssimo fotógrafo. As fotos mostravam ou apenas o caminhão, ou pessoas de costas. Somente numa delas via-se Cecilia Vanger de perfil.
Mikael escaneou as fotos, mesmo sabendo que nada de novo ofereciam. Pôs tudo de volta na caixa e comeu um sanduíche enquanto refletia. Por volta das três da tarde, foi ver Anna Nygren.
— Eu gostaria de saber se Henrik tem outros álbuns de fotografias além dos que fazem parte das investigações dele sobre Harriet.
— Sim, Henrik sempre gostou de fotografia, desde jovem, que eu saiba. Há muitos álbuns no escritório dele.
— Eu poderia vê-los?
Anna Nygren hesitou. Uma coisa era dar a chave da capela funerária — lá quem reinava era Deus —, outra permitir que Mikael entrasse no gabinete de Henrik Vanger — o domínio de Deus não chegava até lá. Mikael sugeriu que Anna telefonasse a Dirch Frode, se tinha dúvidas. Por fim, a contragosto, ela deixou Mikael entrar. Um metro da prateleira de baixo, junto ao chão, continha unicamente pastas com fotografias. Mikael sentou-se na mesa de Henrik e abriu o primeiro álbum.
Henrik Vanger guardava todo tipo de fotografia de família. Muitas datavam de seus antepassados. As mais antigas remontavam aos anos 1870 e mostravam homens austeros e mulheres rígidas. Havia fotos dos pais de Henrik e de outros membros da família. Numa, o pai de Henrik festejava o Dia de São João com amigos em Sandhamn, em 1906. Uma outra de Sandhamn mostrava Fredrik Vanger e sua mulher Ulrika na companhia do pintor Anders Zorn e do escritor Albert Engström, em volta de uma mesa. Viu um Henrik Vanger adolescente, de terno, numa bicicleta. Viu o capitão Oskar Granath que, no auge da guerra, transportara com segurança Henrik e sua bem-amada Edith Lobach a Karlskrona.