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Anna subiu para servir-lhe uma xícara de chá. Ele agradeceu. Chegou aos tempos modernos e passou rapidamente por algumas fotos que mostravam Henrik na flor da idade, inaugurando fábricas ou apertando a mão de Tage Erlander. Uma foto do início dos anos 1960 mostrava Henrik e o grande industrial e financista Marcus Wallenberg. Os dois capitalistas olhavam-se com ar carrancudo; visivelmente não havia uma relação cordial entre eles.

Seguiu folheando um pouco mais e deteve-se numa página que Henrik rotulara de Conselho de família 1966, escrito a lápis. Duas fotos coloridas mostravam homens discutindo e fumando charuto. Mikael reconheceu Henrik, Harald, Greger e os genros de Johan Vanger. Duas fotos do jantar, em que cerca de quarenta homens e mulheres estavam à mesa e olhavam para a máquina fotográfica. Mikael se deu conta de que essas fotos tinham sido tiradas após o drama na ponte, mas antes que soubessem do desaparecimento de Harriet. Examinou as fisionomias. Era desse jantar que ela deveria ter participado. Um daqueles homens já sabia que ela desaparecera? As fotos, claro, não forneciam nenhuma resposta.

De repente, Mikael viu algo que o fez engasgar-se com o chá. Tossiu e endireitou-se na cadeira.

Sentada num canto da mesa com um vestido claro, Cecilia Vanger sorria para a câmera. Ao lado dela estava sentada outra mulher loura de cabelos compridos e com um vestido claro idêntico. Eram tão parecidas que poderiam passar por gêmeas. E então a peça do quebra-cabeça se encaixou. Não era Cecilia Vanger na janela de Harriet — era sua irmã Anita, dois anos mais jovem e que hoje morava em Londres.

O que foi mesmo que Lisbeth dissera? Cecilia Vanger aparece em muitas fotos. Dá a impressão de estar o tempo todo andando entre as pessoas. Não. Eram duas mulheres diferentes e o acaso quis que nunca aparecessem juntas na mesma foto. Nas fotos em preto-e-branco tiradas de longe, pareciam idênticas. Henrik provavelmente sempre distinguiu as irmãs, mas para Mikael e Lisbeth elas eram tão semelhantes que pensaram numa única pessoa. E ninguém lhes apontou o erro, pois nunca ocorreu a eles perguntar nada.

Mikael virou as páginas e sentiu os cabelos se arrepiarem na nuca. Como se uma corrente de ar gelado tivesse entrado no escritório.

Eram fotografias tiradas no dia seguinte, quando as buscas de Harriet começaram. Um jovem inspetor de polícia, Gustav Morell, dava instruções a um grupo com dois policiais uniformizados e uns dez homens de botas, reunidos para a batida. Henrik Vanger vestia uma capa de chuva que descia até os joelhos e um chapéu inglês de aba longa.

Bem à esquerda havia um jovem um pouco gordo, de cabelos louros não muito curtos. Vestia uma jaqueta escura com um tom vermelho nos ombros. A foto estava bem nítida. Mikael reconheceu-o imediatamente — e a jaqueta —, mas, para ter certeza, pegou a foto e desceu para perguntar a Anna Nygren se ela sabia quem era.

— Sim, claro, é Martin. Devia ter uns dezoito anos nessa foto.

Lisbeth Salander percorreu, por ordem cronológica, as diversas notícias divulgadas na imprensa sobre o grupo Vanger, ano após ano. Começou em 1949 e foi avançando metodicamente. O problema era a imensidão de arquivos de recortes. O grupo era mencionado na imprensa quase todos os dias durante esse período — na imprensa nacional e sobretudo na local. Havia análises econômicas, comentários dos sindicatos, notícias de negociações e ameaças de greve, inaugurações e fechamentos de fábricas, balanços anuais, mudanças de diretoria, lançamentos de novos produtos no mercado... uma quantidade enorme de informações. Clique. Clique. Clique. Seu cérebro trabalhava a pleno vapor quando focalizava e absorvia a informação de um recorte antigo.

Esfalfava-se havia já uma hora, quando teve uma idéia. Dirigiu-se à responsável pelos arquivos, Bodil Lindgren, e perguntou se havia um quadro das implantações das fábricas das empresas Vanger nos anos 1950 e 1960.

Bodil Lindgren olhou Lisbeth Salander com uma desconfiança e uma frieza evidentes. Não apreciava de modo algum que uma pessoa estranha tivesse sido autorizada a introduzir-se nos arquivos sagrados do grupo para examinar o que bem entendesse — ainda mais uma moça com aquela aparência de uma anarquista de quinze anos de idade, completamente doida. Mas Dirch Frode lhe dera instruções bem claras. Lisbeth Salander podia examinar o que quisesse. E era urgente. Bodil Lindgren foi buscar os balanços anuais do período solicitado por Lisbeth; cada balanço trazia um mapa com os tentáculos do grupo por toda a Suécia.

Lisbeth olhou o mapa e observou que o grupo tinha inúmeras fábricas, escritórios e pontos de venda. Constatou que em cada localidade onde um assassinato fora cometido havia igualmente um ponto vermelho, ou vários, indicando a presença do grupo Vanger.

Encontrou a primeira ligação em 1957. Rakel Lunde, em Landskrona, fora encontrada morta um dia depois de a sociedade V. & C. Construções arrebatar uma grande encomenda de vários milhões de coroas para a construção de um novo centro comercial na região. V. & C. significava Vanger & Carlen Construções e fazia parte do grupo Vanger. O jornal local havia entrevistado Gottfried Vanger, que fora assinar o contrato.

Lisbeth lembrou-se de uma coisa que lera no inquérito policial nos arquivos do condado de Landskrona. Rakel Lunde, cartomante nas horas vagas, era faxineira. Havia trabalhado na V. & C. Construções.

Às sete da noite, Mikael chamou Lisbeth umas dez vezes e constatou que seu celular estava desligado. Ela não queria ser interrompida enquanto vasculhava os arquivos.

Ele andava de um lado para o outro na casa. Havia retornado às anotações de Henrik sobre o que Martin Vanger fazia na época do desaparecimento de Harriet.

Martin Vanger cursava o último ano do colegial em Uppsala, em 1966. Uppsala. Lena Andersson, colegial de dezessete anos. A cabeça separada da gordura.

Henrik mencionara a certa altura — mas Mikael precisou consultar suas anotações para encontrar a passagem — que Martin fora um rapaz fechado. As pessoas preocupavam-se com ele. Quando o pai morreu afogado, sua mãe, Isabella, decidiu enviá-lo a Uppsala — uma mudança de ambiente, e ele foi acolhido por Harald Vanger. Harald e Martin? Não combinava.

Não havia lugar no carro para Martin Vanger ir à reunião de família em Hedestad. Ele perdeu o trem e só chegou à tarde; foi um dos que estavam retidos no outro lado da ponte na hora do acidente. Só conseguiu chegar à ilha por volta das seis, de barco. Foi recebido, entre outros, pelo próprio Henrik Vanger. Por causa disso, Henrik colocou-o bem embaixo na lista dos que podiam ter alguma relação com o desaparecimento de Harriet.

Martin Vanger afirmou não ter encontrado Harriet naquele dia. Ele mentia. Chegou a Hedestad mais cedo e foi visto pela irmã na rua da Estação. Mikael podia refutar sua mentira com fotos que haviam ficado enterradas durante quase quarenta anos.

Harriet Vanger viu o irmão e isso a chocou. Ela voltou à ilha e tentou falar com Henrik Vanger, porém desapareceu antes que a conversa ocorresse. O que pretendia contar? Uppsala? Mas Lena Andersson, Uppsala, não estava na sua lista. Você não estava sabendo.

A história ainda não fazia sentido para Mikael. Harriet desapareceu por volta das três da tarde. Havia provas de que Martin estava do outro lado da ponte nessa hora. Ele é visto em fotografias tiradas do pátio da igreja. Era impossível que pudesse ter feito mal a Harriet na ilha. Faltava ainda uma peça do quebra-cabeça. Um cúmplice então? Anita Vanger?