A refeição foi servida por três noviças, raparigas bem lavadas de bom nascimento, entre as idades de doze e dezasseis anos. Vestidas com as suas suaves lãs brancas, cada unia parecia mais inocente e pura do que a anterior, mas mesmo assim o Alto Septão insistira que nenhuma rapariga devia passar mais de sete dias ao serviço da rainha, para evitar que Cersei a corrompesse. Tratavam dos vestidos da rainha, preparavam-lhe os banhos, serviam-lhe vinho, mudavam-lhe a roupa da cama de manhã. Uma partilhava a cama da rainha todas as noites, para se certificar de que ela não tinha outra companhia; as outras duas dormiam num quarto adjacente com a septã que as vigiava.
Uma rapariga alta como uma cegonha, com uma cara borbulhenta, levou-o à real presença. Cersei levantou-se quando ele entrou e deu-lhe um leve beijo na cara.
— Querido tio. É tão bom da vossa parte jantardes conosco. — A rainha estava vestida tão modestamente como qualquer matrona, com um vestido castanho escuro que era abotoado até à garganta e um manto verde com capuz que lhe cobria a cabeça rapada. Antes da caminhada, teria exibido a calvície sob uma coroa dourada. — Vinde, sentai-vos — disse. — Quereis vinho?
— Uma taça. — Sentou-se, ainda prudente.
Uma noviça sardenta encheu as taças de ambos com vinho quente com especiarias. — Tommen diz-me que o Lorde Tyrell pretende reconstruir a Torre da Mão — disse Cersei.
Sor Kevan confirmou com um aceno.
— A nova torre terá o dobro da altura daquela que queimastes, diz ele.
Cersei soltou uma gargalhada gutural.
— Lanças longas, torres altas... estará o Lorde Tyrell a sugerir alguma coisa?
Aquilo fê-lo sorrir. É bom que ela ainda se lembre de como se ri. Quando perguntou se tinha tudo o que lhe fazia falta, a rainha disse:
— Sou bem servida. As raparigas são umas queridas, e as boas septãs asseguram-se de que faço as minhas preces. Mas depois de a minha inocência ficar provada, agradar-me-ia se Taena Merryweather voltasse a servir-me. Ela podia trazer o filho para a corte. Tommen precisa de outros rapazes à sua volta, de amigos de nascimento nobre.
Era um pedido modesto. Sor Kevan não viu motivo para não poder ser concedido. Ele próprio podia criar o rapaz Merryweather, enquanto a Senhora Taena ia com Cersei para o Rochedo Casterly.
— Mandá-la-ei buscar depois do julgamento — prometeu.
O jantar teve início com carne de vaca e sopa de cevada, seguidos por um par de codornizes e um lúcio assado com quase um metro de comprimento, com nabos, cogumelos e fartura de pão quente e manteiga. Sor Boros provou cada prato que era posto perante o rei. Um dever humilhante para um cavaleiro da Guarda Real, mas talvez fosse tudo aquilo de que Blount era capaz nos dias que corriam... e era sensato, depois do modo como o irmão de Tommen morrera.
O rei parecia mais feliz do que Kevan Lannister o vira há muito tempo. Da sopa à sobremesa, Tommen tagarelou sobre as façanhas dos seus gatinhos, enquanto lhes ia dando bocados de lúcio que tirava do próprio prato régio.
— O gato mau esteve do lado de fora da minha janela ontem à noite — disse a Kevan a certa altura — mas Sor Salto silvou-lhe e ele fugiu pelos telhados.
— O gato mau? — disse Sor Kevan, divertido. Ele é um rapaz adorável.
— Um velho gato preto com uma orelha rasgada — disse-lhe Cersei. — Uma coisa nojenta, e com mau feitio. Uma vez arranhou a mão de Joff.
— Fez uma careta. — Os gatos mantêm as ratazanas sob controlo, eu sei, mas aquele... já foi visto a atacar corvos na colónia.
— Pedirei aos rateiros para lhe armarem uma armadilha. — Sor Kevan não se lembrava de alguma vez ter visto a sobrinha tão calma, tão contida, tão reservada. Ainda bem, supunha. Mas isso também o entristecia. Tem o fogo abafado, ela que costumava arder tão vivamente. — Não fizestes perguntas sobre o vosso irmão — disse, enquanto esperavam pelos bolos de creme. Bolos de creme eram os preferidos do rei.
Cersei ergueu o queixo, com os olhos verdes a brilhar à luz das velas.
— Jaime? Tivestes notícias?
— Nenhuma. Cersei, podeis ter de vos preparar para...
— Se ele estivesse morto, eu sabê-lo-ia. Chegámos juntos a este mundo, tio. Ele não partiria sem mim. — Bebeu um gole de vinho. — Tyrion pode ir-se embora quando quiser. Também não tivestes notícias sobre ele, suponho.
— Ninguém tentou vender-nos uma cabeça de anão nos últimos tempos, não.
Ela tez um aceno com a cabeça.
— Tio, posso fazer-vos uma pergunta?
— O que quiserdes.
— A vossa esposa... tencionais trazê-la para a corte?
— Não. — Dorna era uma alma gentil, que nunca estava confortável exceto em casa com amigos e família à sua volta. Saíra-se bem com os filhos de ambos, sonhava com ter netos, rezava sete vezes por dia, adorava bordados e flores. Em Porto Real seria tão feliz como um dos gatinhos de Tommen num poço de víboras. — A senhora minha esposa não gosta de viajar. O seu lugar é em Lannisporto.
— Uma mulher que conhece o seu lugar é uma mulher sábia.
Kevan não gostou de como aquilo soava.
— Dizei lá o que quereis dizer com isso.
— Julguei que o tinha feito. — Cersei ergueu a taça. A rapariga sardenta voltou a enchê-la. Os bolos de creme apareceram nesse momento, e a conversa tomou um tom mais ligeiro. Foi só depois de Tommen e os gatinhos serem levados por Sor Boros para o quarto real que a conversa se dirigiu para o julgamento da rainha.
— Os irmãos de Osney não ficarão de braços cruzados a vê-lo morrer — avisou Cersei.
— Não esperei que ficassem. Mandei-os prender a ambos.
Aquilo pareceu apanhá-la de surpresa.
— Por que crime?
— Fornicação com uma rainha. Sua Alta Santidade diz que confessastes terdes dormido com ambos, esqueceste-vos?
A cara de Cersei enrubesceu.
— Não. Que fareis com eles?
— A Muralha, se admitirem a sua culpa. Se a negarem, poderão enfrentar Sor Robert. Tais homens nunca deviam ter sido elevados tão alto.
Cersei baixou a cabeça.
— Eu... eu avaliei-os mal.
— Avaliastes mal muitos homens, aparentemente.
Podia ter dito mais, mas a noviça de cabelo escuro e bochechas redondas regressou para dizer:
— Senhor, senhora, lamento incomodar, mas está um rapaz lá em baixo. O Grande Meistre Pycelle suplica o favor da presença imediata do Senhor Regente.
Asas escuras, palavras escuras, pensou Sor Kevan. Poderá Ponta Tempestade ter caído? Ou serão novas de Bolton, no norte?
— Podem ser notícias sobre Jaime — disse a rainha.
Só havia uma maneira de saber. Sor Kevan levantou-se.
— Peço que me desculpeis. — Antes de se retirar, deixou-se cair sobre um joelho e beijou a sobrinha na mão. Se o seu gigante silencioso lhe falhasse, podia ser o último beijo que receberia na vida.
O mensageiro era um rapaz de oito ou nove anos, tão entrouxado em peles que parecia uma cria de urso. Trant mantivera-o à espera na ponte levadiça em vez de o deixar entrar na Fortaleza de Maegor.
— Vai à procura de um fogo, rapaz — disse-lhe Sor Kevan, enfiando-lhe uma moeda na mão. — Conheço suficientemente bem o caminho para a colónia de corvos.
A neve deixara finalmente de cair. Por trás de um véu de nuvens esfarrapadas, uma lua cheia flutuava gorda e branca como uma bola de neve. As estrelas brilhavam frias e distantes. Quando Sor Kevan abriu caminho até ao outro lado do pátio interior, o castelo pareceu-lhe um lugar estranho onde todas as fortificações e torres tinham ganho dentes gelados e todos os caminhos familiares haviam desaparecido sob um manto branco. Uma vez um pingente longo como uma lança caiu para se ir estilhaçar a seus pés. O outono em Porto Real, matutou. Como será lá em cima na Muralha?