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Em frente, vislumbrou um pálido tronco branco que só podia ser um represeiro, coroado por uma copa de folhas vermelhas escuras. Jon Snow estendeu a mão para trás e tirou Garralonga da sua bainha. Olhou para a esquerda e para a direita, fez um aceno a Cetim e ao Cavalo, viu-os transmiti-lo aos homens que se encontravam mais longe. Correram juntos para o bosque, fazendo voar montes de neve antiga, sem um som além do da respiração. O Fantasma correu com eles, uma sombra branca ao lado de Jon.

Os represeiros erguiam-se em círculo em volta das bordas de uma clareira. Eram nove, todos mais ou menos da mesma idade e tamanho.

Cada um tinha uma cara nele esculpida, e não havia duas que fossem iguais.

Algumas estavam a sorrir, outras estavam a gritar, algumas a gritar-lhe. Nas sombras que se aprofundavam, os seus olhos pareciam negros, mas Jon sabia que à luz do dia seriam de um vermelho de sangue. Olhos como os do Fantasma.

A fogueira no centro das árvores era coisa pequena e tristonha, cinzas e brasas e alguns ramos quebrados que ardiam lentamente, fazendo muito fumo. Mesmo assim tinha mais vida do que os selvagens que se aninhavam perto dela. Só um reagiu quando Jon saiu da vegetação rasteira. Foi a criança, que desatou a chorar, tentando agarrar o manto esfarrapado da mãe.

A mulher ergueu o olhar e susteve a respiração. Nessa altura já a clareira estava rodeada de patrulheiros, que deslizavam por entre as árvores brancas como ossos, com aço a cintilar em mãos enluvadas de negro, preparados para o massacre.

O gigante foi o último a reparar neles. Tinha estado a dormir, enrolado junto da fogueira, mas algo o acordou; o choro da criança, o som da neve a ranger sob botas pretas, uma súbita inspiração. Quando se mexeu foi como se um pedregulho tivesse ganho vida. Içou-se até ficar sentado, com uma fungadela, levando aos olhos mãos grandes como presuntos para esfregar o sono para longe… até ver o Emmett de Ferro, com a espada a brilhar na mão. Rugindo, pôs-se em pé de um salto, e uma daquelas enormes mãos fechou-se em volta de um malho e ergueu-o num movimento brusco.

O Fantasma mostrou os dentes em resposta. Jon agarrou o lobo pela pelagem do pescoço.

— Não queremos travar aqui nenhuma batalha. — Sabia que os seus homens conseguiriam abater o gigante, mas não sem pagarem um preço.

Depois de sangue ser derramado, os selvagens juntar-se-iam à escaramuça.

A maioria, ou mesmo todos, morreria ali, e alguns dos seus irmãos também. — Este é um lugar sagrado. Rendei-vos, que nós…

O gigante voltou a soltar um berro, um som que sacudiu as folhas das árvores e bateu com o malho no chão. O cabo era dois metros de carvalho nodoso, a cabeça uma pedra tão grande como um pão. O impacto fez o chão tremer. Alguns dos outros selvagens correram para as respetivas armas.

Jon Snow aprestava-se para pegar em Garralonga quando Couros falou, do outro lado da clareira. As suas palavras soaram ásperas e guturais, mas Jon ouviu a música que nelas havia e reconheceu o idioma antigo.

Couros falou durante muito tempo. Quando terminou, o gigante respondeu. Parecia um rosnido, intercalado de grunhidos, e Jon não conseguiu compreender palavra. Mas Couros apontou para as árvores, e disse mais qualquer coisa, e o gigante apontou para as árvores, fez ranger os dentes e deixou cair o malho.

— Está feito — disse Couros. — Eles não querem lutar.

— Bem feito. Que lhe disseste?

— Que estes também são os nossos deuses. Que viemos rezar.

— Rezaremos. Guardai o aço, todos vós. Não haverá sangue derramado aqui esta noite.

Nove, dissera Tom Barleycorn, e eram nove, mas dois estavam mortos e um tão fraco que podia já ter morrido quando chegasse a manhã. Os seis que restavam incluíam uma mãe e seu filho, dois velhos, um Then ferido vestido de bronze amolgado, e um dos homens de Cornopé, cujos pés nus estavam tão queimados pelo frio que Jon compreendeu com um relance que o homem nunca mais voltaria a andar. Ficou a saber mais tarde que a maioria deles eram estranhos uns aos outros quando chegaram ao bosque; quando Stannis quebrara a hoste de Mance Rayder, tinham fugido para a floresta a fim de escapar à carnificina, haviam vagueado durante algum tempo, tinham perdido amigos e familiares, levados pelo frio e pela fome, e tinham finalmente encalhado ali, demasiado fracos e fatigados para prosseguir.

— Os deuses estão aqui — dissera um dos velhos. — Este é um lugar tão bom para morrer como qualquer outro.

— A Muralha está só a algumas horas a sul daqui — disse Jon. — Porque não procurar lá abrigo? Outros renderam-se. Até o Mance.

Os selvagens trocaram olhares. Por fim, um disse:

— Ouvimos histórias. Os corvos queimaram todos os que se renderam.

— Até o próprio Mance — acrescentou a mulher.

Melisandre, pensou Jon, tu e o teu deus vermelho têm mais que muito por que responder.

— Todos os que quiserem regressar connosco são bem-vindos. Há comida e abrigo em Castelo Negro e a Muralha para vos manter a salvo das coisas que assombram esta floresta. Tendes a minha palavra, ninguém irá arder.

— Palavra de corvo — disse a mulher, abraçando com força a criança — mas quem diz que a podes cumprir? Quem és?

— O Senhor Comandante da Patrulha da Noite e filho de Eddard Stark de Winterfell. — Jon virou-se para Tom Barleycorn. — Diz ao Rory e ao Pate para trazerem os cavalos. Não quero ficar aqui nem um momento a mais do que tiver de ser.

— Às vossas ordens, senhor.

Faltava uma última coisa antes de poderem partir: a coisa que tinham vindo fazer. Emmett de Ferro chamou aqueles que tinha a cargo e, enquanto o resto da companhia observava de uma distância respeitosa, estes ajoelharam perante os represeiros. A última luz do dia já desaparecera por essa altura; a única luz provinha das estrelas no céu e do ténue clarão vermelho da fogueira moribunda no centro da clareira.

Com os seus capuzes negros e grossos mantos negros, os seis podiam ter sido esculpidos em sombra. As suas vozes ergueram-se em conjunto, pequenas contra a vastidão da noite.

— A noite chega, e agora começa a minha vigia — disseram, como milhares tinham dito antes deles. A voz do Cetim era doce como uma canção, a do Cavalo rouca e indecisa, a de Arron um guincho nervoso. — Não terminará até à minha morte.

Que essas mortes demorem a chegar. Jon Snow afundou-se sobre um joelho, na neve. Deuses dos meus pais, protegei estes homens. E protegei também Arya, a minha irmãzinha, esteja ela onde estiver. Suplico-vos, permiti que Mance a encontre e a traga até mim em segurança.

— Não tomarei esposa, não possuirei terras, não gerarei filhos — prometeram os recrutas, em vozes que ecoavam no passado ao longo dos anos e dos séculos. — Não usarei coroas e não conquistarei glórias. Viverei e morrerei no meu posto.

Deuses da floresta, concedei-me a força para fazer o mesmo, rezou Jon Snow em silêncio. Dai-me a sabedoria para saber o que tem de ser feito, e a coragem para o fazer.

— Sou a espada na escuridão — disseram os seis, e a Jon pareceu que as vozes estavam a mudar, a tornarem-se mais fortes, mais seguras. — Sou o vigilante nas muralhas. Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens.

O escudo que defende os reinos dos homens. O Fantasma empurrou-lhe o ombro com o focinho, e Jon envolveu-o com um braço. Conseguia cheirar as bragas por lavar do Cavalo, o doce odor que o Cetim punha na barba ao penteá-la, o pútrido e penetrante cheiro do medo, o avassalador almíscar do gigante. Conseguia ouvir o bater do seu próprio coração. Quando olhou através da clareira para a mulher com a criança, para os dois grisalhos, para o homem de Cornopé com os seus pés estropiados, tudo o que viu foram homens.

— Dou a minha vida e a minha honra à Patrulha da Noite, por esta noite e por todas as noites que estão para vir.