Sua mão inchou rapidamente, com dor sensível, porém o efeito não durou mais que dois dias.
Entretanto, a nuvem verde das hidras permanecia imóvel. Estávamos por ali, inquietos, temendo seguir, com medo que nos atacassem novamente, e também pelo fato de que talvez Honneger não tentasse um golpe de força sobre o povoado.
As próprias hidras deviam tirar-nos da indecisão.
— Em retirada! — gritou Michel, que as observava. Saltamos para o carro. Vandal entrou primeiro, após ele Michel e finalmente eu mesmo. Estava fechando a portinhola, quando uma hidra se precipitou sobre o carro, achatando-se contra o teto que, afortunadamente, resistiu ao embate. As demais, em uma roda infernal, rodeavam o caminhão a toda velocidade. Era um fantástico carrossel.
Apressadamente levantei o vidro, observando o espetáculo, disposto a intervir.
Produziu-se um nutrido fogo das escopetas. Certamente os da guarda não economizavam pólvora. As hidras feridas caíam ao solo, enquanto as demais continuavam sua enlouquecedora brincadeira de roda. De repente, como se obedecendo a um sinal, passaram ao ataque com o dardo distendido. Do caminhão ouviu-se um grito: uma hidra devia ter passado seu aparelho venenoso por uma fenda no toldo, picando um homem. O caminhão se pôs em marcha. Abrimos fogo. Em pouco tempo realizamos um bom trabalho. Era difícil, do modo como estavam pregadas no caminhão, alcançá— las sem ferir aos nossos camaradas, porém, como nenhuma delas se ocupava de nós, as acertávamos como em uma prova de tiro ao alvo. Derrubamos mais de trinta que, somadas às vitimas do primeiro assalto, aumentava o total das suas perdas em torno de setenta.
Desta vez aceitaram a lição e se elevaram definitivamente.
Uma delas, morta porém ainda inflada, derivava no ar a uns dois metros. Habilmente, um de nossos homens caçou-a com um laço e a levamos ao povoado, rebocada como um balão cativo.
Levamos também o granjeiro, sua mulher, seu filho menor e o cadáver maio digerido do maior. As doze vacas mortas ficaram ali, bem como as hidras, exceto uma delas, que Vandal mandou carregar com cordas, para dissecá-la mais tarde.
Contrariamente aos nossos temores, ninguém havia sido picado. O grito que havia ouvido foi devido ao medo. Porem, em resumo, agora já conhecíamos a gravidade da ameaça que a fauna selvagem de Tellus representava para nós.
Regressamos ao povoado como triunfadores. Os guardas, operários em sua maioria, cantavam estribilhos revolucionários. Michel e eu atroávamos o ar com as trompas de Aída, da maneira mais cursi possível.
Porém as notícias que Louis nos comunicou esfriaram um pouco nosso entusiasmo.
IV–VIOLÊNCIAS
Um reconhecimento efetuado no setor do castelo, por doze guardas, foi acolhido por uma rajada de metralhadora de 20mm. Uma prova disto foi um projétil que não detonou.
— Eis aqui os fatos. — disse Louis — Estes canalhas têm um armamento bastante mais poderoso que o nosso. Contra isto — mostrou o projétil — nossas escopetas para coelhos são como uma zarabatana… Realmente, só temos uma arma: o Winchester do velho Boru.
— E as metralhadoras. — disse eu.
— Perfeitas para o combate a trinta metros! E o que nos resta de munição apropriada?
Por outro lado, não podemos deixar-lhes o campo livre. Com certeza, Michel, tua irmã não está segura no observatório.
— Se esses canalhas se atreverem…!
— Se atreverão, rapaz. Dispomos de cinquenta homens, sem bom armamento e com pouca munição Eles são mais de sessenta e bem armados. E essas carniças de polpas verdes no meio! Se Constantino estivesse aqui!
— Quem é Constantino?
— Constantino é o engenheiro encarregado dos detonadores. Ah claro, não estás ao corrente. A fábrica tinha que fabricar, entre outras coisas, detonadores de explosivos para aviões. Temos um lote completo, porém somente as cápsulas metálicas, não as cargas. Claro que no laboratório de química deve haver o necessário para carregálas, porém nos falta o pessoal capaz de realizar isto.
Peguei suas mãos e sacudi.
— Luiz, rapaz, estamos salvos! Sabias que meu tio é comandante da reserva da artilharia?
— Bom, porém não temos canhões.
— Ele efetuou seu último período em antiaéreos. Estará ao corrente da questão.
Tudo se resolverá, se realmente encontrarmos os produtos químicos necessários. Ele e Beauvin se encarregarão disto. Em caso necessário poderão funcionar, para o que nós precisamos, com pólvora negra.
— Porém tudo isto nos levará dez ou quinze dias, e enquanto isto….
— Sim, enquanto isto teremos que mantê-los ocupados. Espera.
Corri ao hospital, onde estava meu irmão convalescente, acompanhado de Breffort.
— Diz, Paul. Poderias construir uma catapulta romana?
— Sim, é fácil. Porque?
— Para atacar o castelo. Que distância podemos alcançar?
— Isto depende do peso que se deseje lançar. Entre trinta a cem metros com facilidade.
— Certo, traça os planos.
Voltei para Louis e Michel e lhes expus meu plano.
— Não está mal, — observou Louis — porém cem metros são cem metros e uma metralhadora de 20 milímetros alcança mais longe.
— Perto do castelo há uma concavidade à qual se chega por um desfiladeiro, se bem me recordo. Trata-se de instalar a catapulta neste espaço.
— Ou seja, — disse Michel — queres lançar-lhes cargas de explosivos e metais. Onde obterás o explosivo?
— Temos trezentos quilos de dinamite no canteiro. A provisão foi renovada antes de ocorrer o cataclismo.
— Mesmo assim não tomaremos o castelo. — disse Michel balançando a cabeça.
— Mas não se trata disto, e sim de ganhar tempo, de fazê-los crer que desperdiçamos munição em ataques fúteis. Até que as granadas entejam prontas.
Por ordem do conselho, Beauvin mandou umas patrulhas sondar as defesas do inimigo.
Igualmente, se fosse o caso, deveriam também assinalar a presença das hidras.
Foram equipadas com um pequeno emissor de radio, fruto das horas de ócio de Estranges.
Depois, iniciamos a construção da catapulta. Sacrificou-se um freixo novo que foi transformado em pranchas. Terminamos a construção e ensaiamos com blocos de rocha.
Seu alcance se revelou satisfatório.
Nosso pequeno exército, sob o comando de Beauvin, encaminhou-se ao castelo, com três caminhões e três tratores rebocando a catapulta.
Durante oito dias não houve mais que escaramuças. Na fábrica se trabalhava febrilmente.
Ao nono dia fui ao fronte com Michel.
— E então, — perguntou Beauvin — está pronto?
— As primeiras granadas chegarão hoje ou talvez amanhã — respondi.
— Ufa! Devo confessar que não estava tranquilo. Se eles chegarem a fazer um ataque….
Fomos aos postos de vigilância.
— Para além desta crista, — disse-nos o velho Boru, que em sua qualidade de ex-sargento veterano da guerra de 1939-45 comandava os pelotões de vanguarda — ficamos sob o fogo das metralhadoras. Que eu saiba há quatro: duas de 20mm e duas mais de 7,5mm. Provavelmente têm também fuzis-metralhadora.
— Fora do raio das catapultas?
— Não tentamos alcançá-las. Temos nos resguardado cuidadosamente de revelar as possibilidade de nossas armas. — disse Beauvin.
— E do outro lado do castelo?
— Fortificaram o lugar com troncos de árvores. Além disse, a estrada está sob fogo.
Impossível levar o material pesado para lá.
— Aguardemos.
Trepando, chegamos até a crista. Uma metralhadora pesada a vigiava.
— Poderíamos tentar alcançá-la. — disse Michel — Sim, porém não atacaremos até que tenham chegado as granadas. Imagino que na próxima madrugada azul estarão aqui.