Com uma metralhadora na mão, penetrei com Michel no castelo, guiado por um dos prisioneiros. O interior estava em um estado lastimável. Nas paredes do salão, telas de grandes mestres, suntuosamente emolduradas, haviam sido destroçadas pelas balas. Dois extintores de gás carbônico vazios testemunhavam que havia sido sufocado um início de incêndio. No vestíbulo, com a lona e paredes cheias de metralha, encontramos, quase partido em dois, o cadáver de Charles Honneger. Por uma escadaria de pedra em caracol descemos ao porão, cuja porta de ferro tremia por golpes dados no seu interior.
Apenas entreaberta, saiu Ida Honneger. Michel a agarrou pelos pulsos.
— Aonde vais?
— E meu pai? e meu irmão?
— Teu irmão está morto. Teu pai… ainda vive.
— Não vai matá-lo, vai?
— Senhorita, — disse eu — dez dos nossos homens morreram por sua causa, sem contar os vossos.
— Oh, é espantoso! Porque fizeram isto? Porque? — disse, começando a chorar.
— É também um mistério para nós. — respondeu Michel — Onde estão as moças que eles levaram? E a Senhorita… Enfim, a estrela!
— Magda Ducher? Aqui no porão. As demais estão encerradas em outra cave, à esquerda, parece.
Penetramos no subterrâneo. Uma lâmpada a petróleo iluminava vagamente. Magdalena Ducher estava sentada em um canto, muito pálida.
— Não deve ter a consciência muito tranquila: — disse Michel — Levante-se e saia.
Libertamos as três camponesas.
De novo no térreo, encontrei Louis, que havia chegado com o resto do Conselho.
— O velho Honneger já se reanimou. Vem, vamos interrogá-lo.
Estava sentado sobre o gramado, com sua filha ao lado. Quando nos viu chegar, se levantou.
— Eu os menosprezei, senhores. Devia ter pensado em ter técnicos comigo. Haveríamos dominado esse mundo.
— Para que? — disse.
— Para que? Você não vê que era uma ocasião única para dirigir a evolução humana?
Dentro de algumas gerações teríamos produzido super-homens — Com seu material Humano? — disse sarcástico.
— Ao meu material humano não faltavam qualidades: valor, obstinação, desprezo pela vida. Porém vocês jogaram um grande papel em meus projetos. Meu erro foi ter acreditado que podia tomar o poder contra vocês. Devia tê-lo feito com vocês…
Inclinou-se para sua filha, que chorava.
— Não sejam duros com ela. Ignorava todos meus projetos e até tentou fazê-los fracassar. E agora, adeus, Senhores.
Com um gesto rápido levou algo à boca.
— Cianureto. — disse, caindo.
— Bem, um homem a menos par julgar. — disse Michel à guisa de oração fúnebre.
Nossos homens já estavam carregando os despojos nos caminhões: 4 metralhadoras, 6 fuzis-metralhadora, 150 fuzis, 50 pistolas e munição em abundância. Esta casa era um verdadeira arsenal. Fizemos um achado precioso: encontramos uma pequena impressora,intacta.
— Eu me pergunto que queria fazer na Terra, com todo este material.
— Segundo um dos prisioneiros, Honneger liderava uma liga fascista. — disse Louis.
— Em resumo, tanto melhor para nós. Assim poderemos lutar contra as hidras.
— A propósito, elas não voltaram a ser vistas. Vandal está dissecando, com a ajuda de Breffort, a pequena hidra conservada em um tonel de álcool. É formidável, este rapaz. Já ensinou, a uns quantos garotos, a arte da cerâmica, à maneira dos índios sul-americanos Voltamos ao povoado. Eram quatro da tarde. A batalha havia durado menos de um dia! Esgotado, adormeci.
Sonhei com meu velho laboratório em Bordeaux, a cara do «patrão» desejando-me boas férias. («Estou certo de que haverá algumas pequenas coisas para estudar no lugar em que você for» Oh, ironia! Tenho todo um planeta!). A compleição robusta do meu primo Bernard na entrada da porta, depois, umas centenas de metros mais abaixo, a montanha cortada a pico.
Às seis da tarde, meu irmão me despertou e fui ver Vandal. Estava em uma sala da escola; sobre uma mesa, diante dele, a hidra empesteando o ar com álcool, meio dissecada. Desenhava esquemas na ardósia e, sobre o papel, Breffort e Massacre o ajudavam.
— Ah, já estás aqui, Jean. — disse-me — Daria dez anos da minha vida para poder apresentar este espécime na Academia. Seria uma sessão extraordinária!
Me conduziu ante seus esquemas.
— Iniciei, não mais que primariamente, o estudo da anatomia destes animais, porém já se deduzem algumas coisas importantes. Sob certos aspectos, não posso deixar de compará-los a animais muito inferiores. Têm algo de nossos celentérios, embora não seja mais do que pelo grande número de nematocistos, de células urticantes, contidas em seu tegumento. Sistema circulatório muito simples: coração de duas grandes válvulas, sangue azulado. Uma só artéria se ramifica, e o resto da circulação é lagunar. Possui unicamente uma grande artéria aferente ao coração. As lagunas têm uma grande importância. Mesmo desinfladas, a densidade destas hidras é notavelmente débil. Aparelho digestivo de digestão externa, mediante a injeção de sucos digestivos na presa, e aspiração por um estômago-faringe. Intestino muito simples.
Porém existem duas coisas curiosas: 1ª A dimensão e complexidade dos centros nervosos.
Têm um autêntico cérebro, situado em uma cápsula quitinosa, detrás da coroa de tentáculos, estes completamente inervados. Têm também um curioso órgão, situado sob o cérebro, que se parece um pouco com o aparelho elétrico de um peixetorpedo.
Os olhos são tão perfeitos como os dos nossos mamíferos. Não estranharia, portanto, que este animal fosse, em um certo grau, inteligente. 2ª Os sacos de hidrogênio, que ocupam o setor superior do corpo, e ocupam as quatro quintas partes do seu volume. E este hidrogênio provem da decomposição catalítica da água a baixa temperatura. A água é conduzida por um tupo hidróforo, de um tentáculo especial, onde deve realizar-se a decomposição. Imagino que o oxigênio passa para o sangue, pois este órgão está rodeado de múltiplas arteríolas capilares. Se um dia dominássemos o segredo desta catálise da água!
«Uma vez inchados os sacos de hidrogênio, a densidade do animal é inferior à do ar e flutua na atmosfera. A poderosa cauda plana serve de leme, porém especialmente de timão. O principal sistema de propulsão reside em um dos sacos contráteis, que projetam para trás ar misturado com água, com uma violência inusitada, através de verdadeiros encanamentos. No espécime que conservamos, excitei eletricamente os músculos contráteis; coloquei no interior um anel de ferro. Olha como ficou!
Me estendeu um grande anel, dobrado em forma de um oito.
— A potência destas fibras musculares é prodigiosa!
No dia seguinte, pela manhã, fui despertado por pancadas na porta. Era Louis, para me avisar que o julgamento dos prisioneiros ia começar e que, como membro do Conselho, eu formava parte do Tribunal. O Sol azul se levantava.
O tribunal foi constituído em um grande hangar transformado em sala de justiça.
Compreendia o Conselho, reforçado por algumas representações. Entre eles, Valdez, Breffort, meu irmão Paul, Massacre, cinco camponeses, Beauvin, Estranges e seis operários. Nós ocupamos um estrado ante uma mesa e as representações sentaramse em ambos os lados. Adiante, um espaço vazio para os acusados e depois um lugar com bancos reservado ao público. Todas as saídas estavam guardadas por homens armados.
Antes de introduzir aos acusados, meu tio, que por sua idade e ascendência moral havia sido designado presidente, levantou-se e disse: Nenhum de nós teve antes que julgar a seus semelhantes. Formamos um tribunal marcial extraordinário. Os acusados não terão advogados, pois não temos tempo a perder em discussões intermináveis. Por outro lado, temos o dever de ser tão justos e imparciais, como seja possível. Os dois principais criminosos estão mortos. E eu devo recordar-lhes que os homens são preciosos neste planeta. Porém não esqueçamos tampouco que doze dos nossos foram mortos por culpa dos acusados, e que três de nossas jovens foram odiosamente maltratadas. Introduzam os acusados.