Novamente em marcha, rodamos a 25 ou 30km em média.
Quando entardeceu, eu ainda estava ao volante, havíamos feitos 300km e uns picos situados à esquerda nos haviam convencido de que o pântano continuava.
Foi somente ao cabo de três horas do dia seguinte, depois de uma boa noite, que pudemos mudar de direção, sem haver encontrado outra coisa mais que ervas cinzentas, raras árvores pequenas e algum barranco que tivemos que evitar. Ao longe se perfilavam as montanhas para as quais seguíamos Pouco antes das dez, o tempo mudou e ao meio-dia a chuva tamborilava sobre as chapas de duralumínio. Comemos, apertados no interior. A chuva era tão violenta que dificultava a visão, e decidi deter-nos até que parasse. Entreabrimos as janelas para deixar entrar ar fresco e, uns estirados nos catres e os demais sentados na mesa, ficamos discutindo. Eu estava em um lugar intermediário na banqueta dianteira, com Michel e sua irmã ao meu lado, sentados na soleira da porta de comunicação.
Michel e eu fumávamos nossos cachimbos e os demais fumavam cigarros. Graças a Deus ou ao azar, havia plantas de tabaco no povoado, além de uma abundante provisão, e havíamos podido plantá-las. Ao abrigo das incursões dos inspetores da Tabacaria!
A chuva durou dezessete horas. Quando despertamos ainda persistia, embora mais fraca, e os turnos de guarda afirmaram que não havia cessado um instante. Toda a planície estava coberta por uma película de água, absorvida lentamente pelo húmus Quando Michel o pôs em marcha, o caminhão derrapou antes de avançar.
Ao final do terceiro dia, havíamos percorrido 650 quilômetros, chegamos perto das montanhas. As colinas, orientadas no sentido SO-NO, reduziam o horizonte, e entre duas delas eu faria um achado capital.
Era noite. Nós havíamos nos detido ao pé de um montículo avermelhado, onde a vegetação permitia ver uma terra desnuda, argilosa. Levando minha arma, havia me distanciado um pouco. Vagando, vigiando o céu de vez em quando, eu refletia. Me perguntava se as leis da geologia terrestre eram aplicáveis a Tellus. Acabara de decidir— me pela afirmativa, quando notei que há algum tempo experimentava uma sensação indefinível, porém conhecida. Me detive. Estava diante de um pequeno pântano oleoso, onde a vegetação era muito pobre, apenas umas manchas amareladas rodeados de reflexos iridescentes. Tive um sobressalto: aquilo cheirava a petróleo!
Aproximei-me. Umas bolhas negras subiam à superfície, por uma pequena fenda.
Inflamaram-se sem dificuldade, o que não significava nada, pois podia tratar-se de simples gás Porém, e as iridescências? Aparentemente, ali havia um depósito petrolífero, provavelmente a pouca profundidade. Estudei o local detidamente. A capa argilosa que cobria a colina era substituída aqui por uma rocha escura, ardósia. A uns cem metros, esta terminava em uma beirada de calcário branco. Todas as aparências de uma fissura. O petróleo podia ser rastreado através dessa fissura, caso em que era provável que se perdesse. Ou talvez permanecesse próximo à superfície. De toda forma, havia petróleo em Tellus, e encontraríamos uma maneira de explorá-lo.
Anotamos cuidadosamente aquele lugar no nosso itinerário e rodeamos uma cadeia de montanhas pelo sul. — seria melhor chamá-las colinas altas, pois não ultrapassavam os 800 metros de altura. — Eram elevações calcárias, pouco erodidas, provavelmente geologicamente jovens. Em um bloco desmoronado descobri uma concha fóssil, muito parecida a um braquípodo terrestre. Isso provava que nem todos os seres de Tellus estavam — ou não haviam estado — tão absolutamente desprovidos de armação, como as hidras. A vegetação continuava igualmente monótona: ervas cinzas e «árvores» cinzas. Durante as paradas, Vandal transformava a mesa em laboratório, e o micrótomo não deixava de funcionar. Porém até o momento não havia conseguido nenhum descobrimento sensacional. As células das plantas eram análogas às dos vegetais terrestres, embora frenquentemente polinucleadas. Estas plantas não tinham inflorescências, e sim uns grãos semelhantes ao dos pteridospermos da era Primaria da Terra.
Assim que rodeamos as colinas vimos ao longe uma poderosa cadeia de montanhas coroadas de picos nevados. A mais alta era particularmente bela. Chocava-nos por sua enorme altitude. Levantava-se negra como a noite sob seu chapéu de neve, cônico, regular, caindo reto sobre a planície. Era provavelmente vulcânica. Batizamos de «Monte Tenebroso».
Dirigimos direto para ela. Michel tomou alguns dados e, com um simples cálculo, deduziu sua altura. Sussurrou: — Aproximadamente 12.700m!
— Doze quilômetros! Superior ao Everest…
— Mais de 3.000 metros.
— Porque conseguimos distinguir claramente o pico? Não deveria estar acima das nuvens?
— Acontece que não há nuvens. São bastante raras em Tellus. Porém quando chove!…
Lembra de anteontem!
— Entretanto, deve chover mais frequentemente do que pensas. Esta vegetação não vive sem água!
Antes de chegarmos ao pé do pico, topamos com um difícil obstáculo. O solo começou a descer. E no fundo de um amplo vale avistamos um rio. Estava rodeado de uma vegetação dendriforme, que mostrou-se mais próxima das árvores terrestre que todas as que conhecíamos até o momento. Existiam inclusive inflorescências, que Vandal comparou com os cones de determinados gimnospermos Como atravessar o rio? Não era muito largo, — uns 200 metros — mas era rápido e profundo. As águas eram negras. Como recordação do meu país natal, o batizei de «Dordogne». Parecia pouco provável que umas águas tão rápidas pudessem agradar às hidras, porém tomamos nossas precauções. Seguimos o fluxo da corrente, na esperança de encontrar um vau fácil. À noite, nos pareceu que chegáramos à nascente.
O rio parecia saltar de um penhasco. Não foi fácil passar com o caminhão pela espécie de ponte que formava essa paragem rochosa: estava obstruída pela vegetação e por blocos de pedra e cortado pelas torrentes. Rio abaixo, pela outra margem, seguimos até o «Monte Tenebroso». Por uma ilusão de ótica, parecia formar parte da cadeia de montanhas. Na realidade, erguia-se muito antes, como uma gigantesca mesa recoberta de lava negra, basalto e outras rochas. Ele nos pareceu a prova de uma mudança recente na origem profunda do magma expelido pelo vulcão, pois as lavas, fluidas, não formam um relevo escarpado. Grande quantidade de obsidiana pontilhavam a base.
Perto de uma delas fiz um surpreendente achado: em um monte de lascas encontrei uma ponta finamente cinzelada, em forma de folha de louro, totalmente análoga às que nossos antepassados fabricaram na Terra ao longo do período solutrense.
IV — OS SSWIS
Mostrei meu achado, em particular, a Michel e Breffort.
— Estás certo — perguntou Michel — que não pode ser uma forma natural?
— De modo algum. Considera a forma geral, os retoques. É exatamente a réplica de uma ponta solutrense.
— Ou de algumas peças, igualmente em obsidiana, provenientes da América, que terias podido contemplar no museu do Homem, se o houvesse frequentado. — acrescentou Breffort.
— Portanto, — repôs Michel — é forçoso admitirmos que existem homens em Tellus.
— Não necessariamente. — disse Vandal — A inteligência pode florescer sob formas distintas da nossa. Até o momento, a fauna teluriana não tem nada de terrestre.
— Certo. O fato de meu primo e seus companheiros terem encontrado humanoides em Marte, não é razão para que devam existir aqui também.
— Não poderia tratar-se — respondeu Michel — de terrestres como nós que, não tendo à sua disposição nossos meios, tenham retrocedido à Idade da Pedra?
— Não creio. Na Terra eu conhecia muitos poucos homens capazes de cortar a pedra à maneira pré-histórica. E podes acreditar, a fabricação de semelhante peça supõe uma habilidade que não se adquire senão por uma treinamento de muitos anos.