O Conselho se reuniu nesta mesma noite. Por causa da morte do Senhor cura e de Charnier, não éramos mais que sete. Prestei contas da nossa missão e apresentei Vzlik, na presença dos outros membros da expedição que estavam ali a título de consultores.
Louis nos pôs ao corrente dos problemas que haviam ocorrido na nossa ausência, dos quais o mais grave era a nova tática das hidras. Chegavam à noite e se emboscavam no matagal, atacando os passantes. Não se podia sair mais sem que fosse em grupos armados.
— Tu nos propuseste por rádio — acrescentou — emigrar até a região do Monte Sinal.
Não desejo nada melhor. Porém, como? Se tivermos que fazer o trajeto em caminhão, nossa reserva de combustível não será suficiente, e se fizermos a pé, lá estão as hidras e os Sswis… E deveríamos, ademais, abandonar nosso material! Mesmo com os caminhões, não sei de que forma poderíamos transportar as locomotivas, as máquinas, utensílios, et cétera.
— Não foi assim que eu havia projetado a coisa.
— Como então? Talvez em avião?
— Não, de barco.
— E de onde vais tirar este barco?
— Penso que Estranges poderia fazer os planos. Não peço um super destroier de 30 nós de velocidade Não, um pequeno cargueiro convém melhor à nossa empresa. Estamos perto do mar. Por outro lado, seguimos o Dordogne a partir de um ponto situado a duzentos quilômetros de Cobalt-City até a sua embocadura. É perfeitamente navegável. Cada vez que pude, verifiquei com uma sonda e encontrei mais de dez metros. O mar parece tranquilo. Afinal de contas, não seria mais que uma viagem de escassos setecentos quilômetros por mar e duzentos pelo rio.
— E como andará este barco? Perguntou meu tio.
— Com um grande Diesel da fábrica, ou com uma máquina a vapor. Se tivéssemos material para sondas, para ver se o petróleo é profundo!
— Isto nós temos. — disse Estranges — Tudo o que é preciso. O material que se empregou na sondagem da segunda represa que devia construir-se ficou depositado na fábrica. Quando aconteceu o cataclismo, eu acabava de receber uma carta advertindo— me que viriam buscá-lo.
— Isto está melhor quena história do Robinson Suiço! Até que profundidade podem chegar as máquinas?
— Chegaram até 600 ou 700 metros.
— Caramba! Isto é muito para uma represa!
— Tenho a impressão de que a companhia que efetuou a sondagem procurava algo mais. Enfim, não podemos queixar-nos. Ademais, tenho entre os operários três homens que, em outros tempos, trabalharam nos poços de petróleo de Aquitânia — Melhor ainda. A partir de amanhã, todos ao trabalho. Todo mundo está de acordo em que abandonemos este lugar?
— Peço uma votação. — disse Marie Presle — Compreendo que é difícil permanecer aqui, porém ir a um lugar com essa gente… — Apontou para o Sswis, que escutava em silêncio.
— Imagino que poderemos entendermo-nos com eles. — interveio Michel — Mas é melhor que votemos.
O resultado do escrutínio foi de dois votos contra — Marie Presles e o mestre — e cinco votos a favor.
— Sabe, tio, não lhe garanto que possamos trasladar o Observatório. — disse — Ao menos imediatamente.
— Eu sei, eu sei. Mas se ficarmos aqui vamos todos perecer.
QUARTA PARTE
AS CIDADES
I — O ÊXODO
Uns dias depois, parti no «tanque», seguido por três caminhões carregados de material.
Outro levava o combustível que tinha que ser adicionado ao motor da perfuratriz Nos pusemos imediatamente ao trabalho. Como havia imaginado, a bolsa de petróleo não era muito profunda; encontramos aos 83 metros. Enchemos, não sem dificuldade, um caminhão cisterna. No povoado se havia instalado uma refinaria rudimentar, que nos proporcionou um combustível de qualidade razoável. Permaneci ausente dois meses e meio. Vzlik, que havia vindo comigo, fazia grandes progressos na língua francesa, e eu falava com ele com se fosse um compatriota. Como explorador, ele me foi muito útil. Sua resistência era extraordinária e, a toda velocidade, ultrapassava os 89km por hora.
Todas as noites entrava em contato com o Conselho, via rádio. Os planos do barco estavam terminados e estava iniciada a etapa de execução das peças. No povoado levavam uma vida infernal. As incursões das hidras eram continuas, difíceis de rechaçar, e perdemos dezessete homens e uma grande quantidade de gado. Também tínhamos noticias e cartas por meio dos condutores dos caminhões-cisterna, os quais se maldiziam todas as vezes que era preciso regressar à zona terrestre.
Ao cabo de um tempo voltei ao povoado com Vzlik, deixando a exploração sob a direção de um contramestre. Muitas coisas haviam mudado na minha ausência. Nos campos de lavoura, como uma orla, haviam sido construídos refúgios sólidos, com o fim de levar a termo os trabalhos da colheita, sem demasiado risco. A fábrica produzia grandes quantidades de trilhos. Eram um pouco grosseiros, porém bastavam para o que precisávamos. Uma nova via conduzia até a costa. Ali se alçava o estaleiro naval.
A quilha do navio já estava no lugar. Tinha 47 metros de comprimento por 8 de largura. Estranges opinava que poderia andar a 7 ou 8 nós. Perto, haviam construído os depósitos de combustível; no momento tínhamos 40.000 litros. No meio de uma atividade febril, passaram-se oito meses.
O lançamento, após terminado o casco do navio, foi feito em boas condições. Tiveram que terminar as instalações interiores e construir um dique de carga. Fizemos os primeiros testes quando chegava a seu término o segundo ano de nossa estadia em Tellus. O navio se portava bem, porem andava com lentidão, pois não passava do seis nós na velocidade de cruzeiro.
Michel e Breffort realizaram uma rápida incursão na região do cobalto, levando sementes de gramíneas terrestres, com a finalidade de que nosso gado, ao chegar, encontrasse pastos convenientes. Levaram também Vzlik, encarregado de negociar com sua tribo. Devia aguardar-nos na confluência do Dron e do Dordogne.
Antes de partir, ele nos fez uma revelação interessante: um rio profundo, embora estreito, que se unia ao Dron, passava a trinta escassos quilômetros do local que havíamos escolhido. Michel comprovou que era navegável até cinquenta quilômetros do mesmo.
Construímos também uma barcaça rebocável.
Vinte e nove meses terrestres, depois da nossa chegada, o primeiro comboio tomou a rota do Sul. O barco transportava setenta e cinco homens, armas, ferramentas, placas de alumínio, aço e trilhos. Eu o dirigia, ajudado por Michel e Martina. A barcaça carregava uma locomotiva, uma grua desmontável e combustível. Navegamos com prudência, a maior parte do tempo usando a sonda. Às vezes tivemos que nos afastarmos da costa. O mar estava calmo.
Eu me colocava de preferência na proa ou sobre-a ponte. A água era muito verde.
Ao redor do barco navegavam formas imprecisas. Eu estava intranquilo, ignorando que classe de monstros podia ocultar este oceano. «O Conquistador» — assim se chamava nosso barco — estava armado com uma metralhadora de 20mm e outra de 7mm. Porém me senti aliviado quando penetramos no estuário do Dordogne.
Entramos no rio a pequena velocidade. Foi bom que procedêssemos assim. Apesar da débil corrente, ficamos estancados por duas vezes no estuário, com maré baixa, por sorte.
Com exceção de Michel, Martina e eu mesmo, nenhum membro da tripulação conhecia outra fauna teluriana além das hidras. Sua admiração não tinha limites. Uma noite, um tigressauro conseguiu saltar da margem sobre a ponte do barco, ferindo dois homens antes de ser derrubado por uma rajada de metralhadora.
Quando chegamos a uns quilômetros da confluência do Dron, das ervas secas da margem saíram dois Sswis a toda velocidade. Minutos mais tarde vimos elevarem-se três colunas de fumo; era o sinal combinado com Vzlik.