Ele nos aguardava sozinho no extremo da língua de terra. Cem metros atrás estavam, formando um grupo triangular, uns cinquenta Sswis de sua raça.
— Salve. — disse com sua voz sibilante — Salve, Vzlik. — respondi.
O Conquistador se imobilizou, porém sem lançar âncoras, pois uma traição era sempre possível.
— Sobe a bordo. — continuei.
Ele lançou-se na água e trepou pela escada de cordas.
Naquele momento, o mecânico deu uma olhada no «olho de boi» da sala de máquinas.
— Então, é com esses cavalheiros que vamos viver? — disse.
Vzlik voltou-se e respondeu: — Verá que não são maus.
Me seria impossível descrever o estupor que se pintou na cara do mecânico.
— Chifres do diabo! Ele fala francês!
Sua admiração me surpreendeu. Depois recordei que a maior parte dos habitantes do povoado somente haviam entrevisto o Sswis, que durante sua estadia esteve quase sempre comigo em expedições.
Michel e Martina vieram ter conosco.
— Então, Vzlik, — disse ela — qual é a resposta à nossa proposta?
— Nós escolhemos a paz. Cedemos a vocês, em plena propriedade, o Monte-Sinal, que nós chamamos Nssa, e o território compreendido entre o Vecera, o Dordogne e o Dron, até os Montes Desconhecidos, a que chamamos Bsser, salvo o direito de passagem permanente para nós. Em contrapartida, vocês se comprometerão a fornecernos ferro, em quantidade suficiente para nossas armas, e a prestar-nos ajuda contra os Sswis negros, — os « Sslwips « — os trigressauros e os Golias. Vocês desfrutarão de direito de passagem sobre nosso território, como também para perfurá-lo; mas a caça será proibida, se não mediar acordo com o Conselho das tribos.
— Aceitamos. Disse — Quanto ao ferro, necessitamos de tempo para fabricá-lo.
— Já sabemos. Expliquei aos Sswis como o exploram. O Conselho dos chefes quer vê-los.
— De acordo. Vamos.
— Pusemos uma piroga na água. Eu desci com Michel e Vzlik. Martina ficou sobre a ponte e, discretamente, aproximou-se da metralhadora.
— Be quiet but careful (fica tranquila, porém alerta) — disse em mau inglês, para que Vzlik não pudesse entender.
Com quatro golpes de remos chegamos à margem. Doze Sswis haviam se adiantado e nos observavam. Para nossos olhos terrestres eles se pareciam extraordinariamente entre si, e se Vzlik se tivesse misturado entre eles teríamos sido incapazes de reconhecê-lo. Depois nos habituamos ao seu aspecto, e agora os distinguimos com facilidade, embora, para dizer a verdade, são muito mais semelhantes entre si que nós.
— Vzlik, em quatro palavras, comunicou-lhes nossa aceitação das suas condições.
Responderam dando-nos boas vindas, em termos concisos, muito diferente da linguagem florida que as novelas de aventuras da minha infância atribuíam aos selvagens terrestres. Então entreguei a cada um, com presente de amizade, uma excelente faca de aço, semelhante à que Vzlik possuía. Suas palavras de agradecimento demonstraram que haviam gostado do presente. Porém seus rostos permaneceram impassíveis.
Voltamos ao barco com Vzlik e lentamente começamos a subir a corrente. Chegamos à grande curva do «Ille», — assim havia sido batizado o novo rio — além do qual a navegação não era possível, pela existência de rápidas correntes. Era uma grande extensão de água, de uma largura superior a duzentos metros. Na margem norte se abria uma pequena baia, como um porto. Decidi efetuar ali o desembarque.
Ao cair da noite lançamos âncora.
Dedicamos o dia seguinte a derrubar árvores, destinadas à construção do embarcadouro.
Terminamos oito dias depois. Instalamos os trilhos e foi iniciada a delicada manobra de colocação de uma grua que, embora estivesse desmontada, era muito pesada. Cerca de meio-dia nos sobreveio um trágico acidente: um jovem operário de vinte e cinco anos, Leon Bellieres, foi esmagado por um andaime. Como tínhamos pressa, o enterramos imediatamente.
Em sua memória, adotamos o nome de «Porto Leon» Montada a grua, o trabalho foi mais fácil. Penosamente, desembarcamos a pequena locomotiva e os três vagões. O resto foi mais simples.
O Conquistador retornou, sobe o comando de Michel. Ficaram ali sessenta pessoas e começamos a edificação de um fortim de madeira para estar ao abrigo dos Tigressauros, como também de uma possível traição dos Sswis. Uma emissora de rádio nos mantinha em contato com o Conselho. Depois edificamos uns armazens, cobertos com placas de duralumínio, então os enchemos com todo o material que havíamos levado. Enquanto isso, uma equipe havia começado os trabalhos da via férrea, de cinquenta quilômetros, que conduzia a Cobalt-City.
Estávamos no quilômetro quatro, e já havíamos utilizado toda a reserva de trilhos, quando chegou o Conquistador com um novo carregamento, vinte e três dias mais tarde. Transportava grandes quantidades de combustível, trilhos, provisões e uma pequena escavadora. Levavaram mais cinquenta homens de reforço.
Na terceira viagem desembarcaram as primeiras mulheres e crianças.
No povoado a situação havia melhorado um pouco, porém as hidras continuavam aparecendo todos os dias.
Nas viagens seguintes nos mandaram gado bovino e caprino, aos quais encerramos em um terreno valado, semeado de ervas terrestres. Todas as noites, os conduzíamos para dentro do fortim, pois os trigressauros enxameavam, e antes que perdesse a fixação de visitar-nos, tive que matar cinco ou seis deles.
Conforme o pessoal ia chegando, novas cabanas iam sendo construídas Cada família dispunha de dois cômodos, sendo que os solteiros — que com certeza estavam diminuindo — dormiam em comum.
Porto Leon ia tomando o aspecto de uma povoação ao estilo do Oeste americano, sem os «saloons» e os revólveres. A moral havia aumentado; todos estavam contentes de terem se livrado da ameaça das hidras.
A via férrea ia se estendendo. Alcançou o quilômetro 20, depois o 30 e o 40. Na final, onde trabalhavam, estabeleceu-se um povoado provisório. Chegou finalmente ao vale, onde deveria ser edificada nossa capital. No povoado «terrestre» não restavam mais que cinquenta homens, encarregados de desmontar a fábrica, sob a direção dos engenheiros. Meu tio e Menard estavam decididos a permanecer até a saída do último barco: no momento não havia forma de desmontar o Observatório. Ficaria fechado com o maior cuidado, à espera de que nossos meios fossem mais potentes.
De toda forma, devia seguir uma lente de 50cm e um telescópio de 1,8m. Transportar o grande refletor de 5,50m estava acima das nossas forças.
Guardo uma recordação deliciosa deste primeiro estabelecimento. Nossas casas, metade obra, metade duralumínio, se esparramavam em desordem pelas ladeiras do vale. Os animais abundavam, porém não havia ali nem Tigressauros nem Golias. As formas que víamos todos os dias eram herbívoros ou pequenas feras, análogas às nossas raposas ou nossos gatos. Os gatos, aliás, se multiplicaram e nos foram muito úteis, destruindo os pequenos roedores que ameaçavam nossas colheitas. Um penhasco calcário nos forneceu cimento.
Em primeiro lugar, construímos a fábrica metalúrgica, a trezentos metros da mina de hulha. À medida que as máquinas iam chegando, iam sendo colocadas em seus lugares.
Na época em que a fábrica começou a funcionar, me casei com Martina. Foi uma cerimônia muito simples. Não tivemos a honra de ser o primeiro casal que se casara em Tellus: Beltaire e Ida haviam se casado em Cobalt dois meses antes de nós. Porém como se tratava, segunda a expressão de Vzlik, de um «matrimônio de chefes», os Sswis mandaram uma delegação carregada de presentes. Como Vzlik lhes havia explicado que eu apreciava as pedras de uma maneira especial, me trouxeram um monte, e entre elas uns cristais variados e muito belos e excelente minério de cobre.