Este último me interessou particularmente, face ao que perguntei o local onde havia sido encontrado. Provinha das colinas situadas ao Sudeste do Monte Tenebroso, onde abundavam.
Fazia tempo que eu desejava visitar a tribo de Vzlik, então aproveitei a ocasião e partimos em «viagem de bodas» no caminhão blindado.
Voltei a passar pela ponte que havíamos estendido sobre o Vecera, e que os Sswis havia respeitado e utilizavam. À noite chagamos às cavernas. Abriam-se sobre um alto penhasco, orientado para o Oeste, sobre o pico de um declive abrupto. Abaixo corria uma pequeno riacho.
Os Sswis, avisados por Vzlik, nos aguardavam. Fomos conduzidos à presença do chefe, um Sswis muito velho, cuja pele descolorida era de um cinza esverdeado. Estava recostado sobre uma grossa liteira de ervas secas, em uma gruta cujas paredes estavam cobertas de notáveis pinturas, que representavam Golias e Tigressauros atravessados por flechas. Pareciam ser utilizadas para rituais mágicos. Tivemos a satisfação de nos ver representados com o caminhão, em forma bastante parecida; porém, neste caso,as flechas rituais haviam sido cuidadosamente apagadas. Fiquei surpreendido com a limpeza dessas residências trogloditas. As aberturas estavam quase inteiramente fechadas por peles esticadas sobre armações de madeira. Lâmpadas de azeite, um azeite vegetal, iluminavam as grutas.
— Sua civilização é notavelmente humana. — disse Martina.
— Sim. Tenho a impressão de que entre sua forma de vida e as de nossos antepassados paleolíticos não deve existir outra diferença além da sua limpeza.
O velho Sliouk — tal era o nome do chefe — levantou-se ao ver-nos. Nos deu boas vindas, por meio de Vzlik, Atrás dele, contra a parede rochosa, estavam suas armas: um grande arco, flechas, lanças. Salvo um grande colar de pedras reluzentes, estava completamente nu. Eu lhe dei uma faca, umas pontas de flecha de aço e um espelho.
Ficou fascinado por este último e, durante o banquete que se seguiu, — então já sabíamos que podíamos comer a carne teluriana — não cessou de manipulá-lo.
Sua filha estava presente. Os Sswis são muito corteses com suas mulheres e, para um povo primitivo, as tratam muito bem. São menores que os machos, gordinhas e de pele mais clara. Tive a impressão de que Vzlik e Ssonai se entendiam muito bem, o que me alegrou, pois se Vzlik, após a morte do seu sogro chegasse a ser chefe da tribo, nossa posição estaria reforçada.
Permanecemos oito dias com eles. Tive longas conversas com Vzlik e lhe perguntei muitas coisas que até aquele momento ignorava. Pude assim fazer uma ideia da sua organização social.
Os Sswis são monógamos, ao contrário dos seus inimigos, os Sswis negros, ou Sslwips. A tribo compreendia quatros clãs, cada um deles governado por um chefe secundário, que não se uniam estreitamente mais que em tempos de guerra ou caça.
A tribo conta com oito mil indivíduos, compreendidas aí as «mulheres» e as crianças.
Em um grau mais elevado, onze destas tribos estavam confederadas, porém sua solidariedade se dava em função de uma grave ameaça. Além da caça, os Sswis têm como recurso alimentar um cereal que «cultivam», se é que podemos empregar esta palavra para designar um trabalho que consiste em semear e colher duas vezes ao ano. Conhecem a arte de defumar a carne, com o que podem fazer provisões.
Os Sswis estão rodeados, exceto pelo Norte, por seus inimigos negros. Outras destas tribos vivem mais distantes lá pelo Sul, onde a lenda situa sua origem.
São ovíparos. As fêmeas põem dois ovos por ano, do tamanho de um ovo de avestruz terrestre. Os filhos aparecem depois de trinta dias de incubação e são capazes de se alimentarem imediatamente Os laços familiares são muito relativos, a partir do segundo grau de parentesco. Os Sswis vivem bastante tempo, entre 90 e 110 anos terrestres, quando não morrem em combate, o que não é frequente. Geralmente são de uma bravura extraordinária e muito agressivos. Respeitam as alianças, matam os inimigos só por o serem. O roubo dentro da tribo é desconhecido. Fora é outro assunto!
Quase todos possuem uma inteligência semelhante à dos homens e estão bem dotados para o progresso.
Me dou conta de que estou divagando ao falar-vos de coisas que todos vós conheceis.
Já que hoje muitos deles se integraram em nossa vida, até o extremo de trabalharem como operários ou matemáticos!
Na volta, em lugar de regressar diretamente, passamos por Porto Leon. O Conquistador acabava de chegar da sua última viagem, carregado de telhas, ladrilhos, e o telescópio de 1,80m. Trazia também meu tio e Menard.
II — O AVIÃO
Passou-se mais um ano, segundo a medida terrestre. Desde nossa chegada a Tellus haviam transcorrido quatro de nossos antigos anos. Segundo os cálculos de Menard, isto correspondia a três anos telurianos.
Cobalt-City tomava forma. Já era uma população animada com mais de 2.000 habitantes, com sua central telefônica, sua fundição, sua fábrica metalúrgica, rodeada de campos de lavoura onde cresciam o trigo e o Skin, o cereal Sswis. Possuía um pequeno hospital, onde Massacre formava seus alunos, uma escola e, inclusive, um embrião de Universidade, na qual eu ensinava por cinco horas semanais. O gado pastava pelas colinas vizinhas, nas quais a vegetação terrestre aumentava dia a dia entre as ervas telurianas. As minas de carvão, de ferro e de outros metais eram exploradas de acordo com nossas necessidades. Uma via férrea nos comunicava com o casario de «Alumina», a 55 quilômetros ao Norte, onde quarenta homens formavam o pessoal da mina de bauxita. Porto Leon abrigava 600 habitantes.
Animado por meus projetos de exploração, mandei construir um estaleiro naval, onde estava sendo terminado um navio mais rápido que o Conquistador. O primeiro esforço dos engenheiros havia sido para fabricar ferramentas com o material básico que possuíamos.
Cada três semanas, partiam dois caminhões cisterna para os poços de petróleo, por uma autopista de 700 quilômetros. O poço se esgotava rapidamente e chegava o momento de fazer regressar os sessenta homens que ali permaneciam. Tínhamos dezenas de milhares de litros de combustível em reserva e já havia encontrado outros pontos petrolíferos apenas a 100 quilômetros.
Em resumo: se de vez em quando não encontrássemos os Sswis, que passeavam por nossas ruas, e sem os dois sois e as três luas, poderíamos afirmar que estávamos de regresso à Terra.
Foi então que aconteceu o feito mais importante da nossa história, depois da nossa projeção sobre Tellus.
Eu havia me deitado tarde, passando a limpo as minhas notas e desenhando planos geológicos rudimentares, em meu gabinete de trabalho, que ocupava o piso inferior da nossa pequena casa. Antes de subir para dormir, fui até o aparelho de radio e chamei o contramestre da guarda dos poços de petróleo pra dar-lhe instruções. Depois esqueci de desligar o receptor.
Ao cabo de meia hora, Martina me despertou.
— Escuta, estão falando lá em baixo!
— Deve ser do lado de fora.
Fui até a janela e abri. Tudo estava escuro e a rua deserta. O povoado dormia e todas as luzes estavam apagada. Somente o farol da torre de guarda varria o espaço, iluminando as casas.
— Você deve ter sonhado! — disse, e me deitei de novo.
— Escuta, falam novamente.
Prestei atenção e, com efeito, pude ouvir vagamente umas vozes. Logo, por um hábito terrestre: — Devo ter deixado o radio ligado. — disse meio dormindo. E imediatamente: — Santo céu! Quem poderia ser a estas horas?
Desci de um salto. O receptor, ligado, estava mudo. Pela janela via a noite cravejada de estrelas. As luzes se haviam ocultado.
De súbito, uma voz saltou do aparelho: — «Here is W.A. Calling New Washington… Here is W.A. Calling New washington…» (Aqui é W.A. Chamando New Washington). Houve um silêncio e… «Here is W.A…»