Nos distanciamos novamente da costa.
Uma manhã, quando ia dar ordem de virar para o Leste, o vigia sinalizou uma costa à frente. Decidi fazer um reconhecimento. Avançando com a sonda, chegamos a duzentos metros de uma praia desolada. A posição, verificada por Michel, foi de 19º 3' 44'' de latitude Norte e 28º 22' de longitude Oeste, com relação a Cobalt-City. Parecia tratar-se do cabo de uma ilha. Abandonando o anterior projeto de desembarcar, tomamos o rumo Sudeste. Uma mensagem enviada para o avião ficou, a principio, sem resposta. Duas horas depois, nos chamaram e nos disseram que acabavam de rechaçar uma ataque das hidras, que não eram verdes e sim escuras e de um tamanho enorme; de doze a quinze metros de comprimento.
Sem mais incidentes além de um pouco de mar grosso, que o Temerário enfrentou sem dificuldade, chegamos à vista do continente onde havia caído o avião, continente que, segundo disseram os aviadores, estava separado do de Cobalt-City por um estreito. Para encontrar-lo foi mister sondar no rumo Norte. Depois de haver contornado uma enorme península, percorremos a costa abaixo dos 10 graus de latitude. A temperatura era insuportável, e tivemos que usar grandes chapéus e regar com frequência a ponte metálica. As vezes o mar se cobria de uma bruma morna e sufocante, mais penosa ainda que a insolação de Helios.
Finalmente, em uma noite chegamos a um ponto da costa que, segundo nossos cálculos, nos deixava mais perto do avião. Desanimados, examinamos a margem. Era um verdadeiro labirinto. As árvores cresciam até o mar, sobre uma praia lamacenta cheia de vidas indistintas e que desprendia um mau cheiro terrível. Me perguntei com ansiedade como faríamos para desembarcar. Em segundo plano, distante, uma gigantesca cadeia lançava seus picos a mais de 15.000 metros.
Perscrutamos a costa em busca de um lugar mais hospitaleiro. Alguns quilômetros mais adiante encontramos um estuário de um rio e por ele penetramos, apesar da violência da corrente.
Usando a sonda, subimos 90 quilômetros. Aqui, uns bancos de limo nos detiveram.
Todas nossas armas estavam carregadas e a vigilância duplicada. As margens, sempre encharcadas, alimentavam uma vida imunda, quase protozoótica Estranhas massas de uma geleia viva, animada de um movimento ameboide, subiam pelo limo, com coloridos de cinza ou de verde ácido. O ar estava saturado de um odor putrefato, o termômetro marcava 48 graus à sombra. Chegada a noite, toda a margem se iluminou de fosforescências moveis de diversas cores.
Depois de muito procurar, encontramos na margem direita um banco de rochas, que pareciam nuas e desprovidas de seres vivos. Nos acercamos com o Temerário, manobrando com as duas hélices. Os cabos foram amarados com piquetes de ferro, plantados naquela terra macia e esquisita. Foi colocada a ponte de madeira, o que permitiu à camionete ganhar terra.
— Quem vai? — perguntou Michel — Tu, eu e quem mais?
— Tu não. É necessário que fique aqui alguem capaz de conduzir o Temerário.
— Então é a tua vez de ficar. És o único geólogo; em troca, há um monte de astrônomos.
— Eu sou o chefe, e te ordeno que fiques. Irás na segunda viagem. Fala com o avião da ponte. Em que direção se encontra ele e a que distância?
— Uns trinta quilômetros a Sudoeste.
Quando souberam que estávamos tão perto, gritaram de alegria: — Não tínhamos mais que dois litros de água potável e acabaram-se os comprimidos para esterilizar mais.
— Imagino que estaremos ai antes de duas horas. — respondi — Preparem-se. Se têm combustível, acendam um fogo. O fumo nos guiará.
Sentei-me ao volante. Andrés Etienne, um marinheiro, ocupou-se da torre armada com dois lança-granadas. Um pouco emocionado abracei Michel, cumprimentei os outros e partimos.
III — A MORTE VIOLETA
Com o olhar posto na bússola, tomei a direção Sudoeste. O solo rochoso se prolongou durante dois ou três quilômetros; depois o terreno tornou-se macio. Etienne teve que descer para colocar as correntes nos pneus. Apesar da minha proibição, quis colher uma espécie de ameba de quarenta centímetros de diâmetro e ficou com a mão queimada como por um ácido. Os animais pululavam. Alguns deles alcançavam um metro de largura. Travavam uma feroz luta em «ralenti», em que o vencido terminava submetido pelos pseudópodes do vencedor, e digerido.
Avançávamos com dificuldade. Em certos trechos, a água jorrava sob as rodas.
Afortunadamente, os vegetais eram escassos e flexíveis, e se curvavam sob o carro.
Um fedor de ovos podres, proveniente da decomposição destas ervas, e talvez também dos animais gelatinosos, nos incomodava terrivelmente. Afinal, duas horas depois da nossa partida, avistamos à distância uma coluna de fumo.
O sol ascendeu, e os repugnantes seres flutuantes desapareceram. A terra endureceu; aumentamos a velocidade e pudemos tirar as correntes. À distância percebi a silhueta de um avião com as asas destroçadas.
Quando nos viram, os americanos, esquecendo-se de toda prudência, correram para nós. Com a exceção de um deles, vestido de aviador, todos usavam o uniforme da «U.S Navy». Abri a porta traseira e os fiz entrar.
A camionete ficou apertada com nove pessoas. Quase me desmontaram o braço com os agradecimentos. Tirando uma garrafa debaixo do meu assento, ofereci-lhes conhaque com água, talvez não muito fresca, porém foi muito apreciado.
O mais velho, que devia contar uns trinta e cinco anos, o comandante, fez as apresentações.
Começou com uma espécie de gigante ruivo, que me passava por uma cabeça: o capitão Elliot Smith. Depois um homem moreno rechonchudo: capitão Donald Brewster. Um ruivo magricela se chamava Donald O'Hara, e era tenente. O engenheiro Robertt Wilkins, de trinta anos, tinha o cabelo castanho, olhos cor de avelã e um amplo tórax. O sargento John Pardy, gordo, era canadense. Finalmente, indicou o homem vestido de aviador: — Uma surpresa: Andrés Biraben, geógrafo, vosso compatriota.
— Curioso! Ouvi falar muito de voce na Terra. — disse.
— E finalmente, eu mesmo, Arthur Jeans.
Apresentei meu mecânico e acrescentei: — Senhores, temos de tratar de salvar tudo o que for possível do seu avião e seguirmos.
Voltaram a ver as hidras gigantes?
— Não. — respondeu Jeans — Vocês poderão ver os restos das que abatemos no outro lado do avião.
Chegamos ali na camionete. Enormes massas acabavam de apodrecer.
— Esse animais também deram o que fazer a vocês? — perguntou Biraben.
— Sim! Porém as nossas eram verdes e menores, o que não as impedia de serem perigosas. Seu avião é um bom refugio?
— Sim.
— Neste caso, vou levar quatro de vocês comigo. Os outros três ficam aqui com meu marinheiro. Desmontem as armas de bordo. Ainda têm munição?
— Estamos muito bem providos.
— Neste caso, as levaremos em uma terceira viagem.
Jeans designou Smith, Brewster, Biraben e Wilkins. Os demais se encerraram no avião.
Pus Smith ao meu lado. Eu falava mal o inglês, porém falava bem o alemão. Smith falava alemão sofrivelmente, e pudemos nos informar. Soube assim que New-Washington era um fragmento dos Estados unidos caído em pleno oceano teluriano. Houve nove mil sobreviventes e quarenta e cinco mil mortos.
A ilha, assim formada, se estendia sobre trinta e sete quilômetros de comprimento por sete de largura. Havia uma fábrica de aviões quase destruída pelo choque, que haviam reconstruído, campos de lavoura, grandes reservas de víveres e munições, e, coisa estranha, várias naves: o cruzador ligeiro francês, o Surcouf, um destroier americano, o Pope, um torpedeiro canadense e dois barcos mercantes: um cargueiro misto norueguês e um petroleiro argentino. Eu tinha, no Surcouf, um colega de escola e fui informado que ele havia desaparecido na catástrofe. Na ocasião, todos os navios se encontravam em alto-mar, conseguindo, ao cabo de um tempo, chegar a New Washington, com as árvores de mastros destruídas, como após um combate, navegando às vezes à vela, porém basicamente intactos. O cataclismo se lhes apresentou sob a forma de uma gigantesca tromba d'água.