Em um tabique intacto havia uma abertura. Reinava uma semi-obscuridade na cabine transcônica em que penetramos, e a princípio não pude ver nada além das silhuetas imprecisas dos meus companheiros. Depois que meus olhos se habituaram à penumbra eu distingui uma espécie de mesa de bordo, com uns sinais parecidos aos da inscrição, uns sinais metálicos e estreitos, uns cabos de cobre rotos e pendentes e, crispada em uma alavanca de metal branco, uma mão mumificada. Enorme, negra, ainda com músculos apesar do ressecamento, não tinha mais que quatro dedos dotados de garras que deviam ser retráteis. A mão estava cortada.
Por instinto, nos olhamos. Quanto tempo fazia que esta mão estava se mumificando nesta ilha perdida, em uma última manobra? Quem era aquele ser que havia pilotado aquele engenho? Provinha de outro planeta do sistema de Helios, de outra estrela ou, como nós, havia sido desalojado do seu próprio universo? Eram perguntas às quais até muito tempo depois não acharíamos mais que uma resposta incompleta.
Ficamos esquadrinhando até à noite entre os restos do aparelho. Nossos achados foram medíocres. Alguns objetos de metal, caixas vazias, fragmentos de instrumentos, um livro de páginas de alumínio, porém, por desgraça, sem nenhuma ilustração, e um martelo de forma muito terrestre. Atrás, onde deveriam estar os motores, blocos informes e enferrujados e um espesso tubo de chumbo, um fragmento de metal branco que, analisado em New-Washington, descobriu-se ser urânio Tiramos fotos e voltamos. Era esperado que nossos achados fossem escassos: alguns passageiros daquela máquina deviam ter sobrevivido, como provava a inscrição, e devem ter levado tudo que podia ser de utilidade. Não tínhamos tempo de pesquisar a ilha. Depois de havê-la batizado de «Ilha Mistério», partimos para a próxima ilha situada a Nordeste.
Desembarcamos com dificuldade e não pudemos passar o carro para a terra. A pequena parte que visitamos era árida, povoada unicamente de «víboras», salvo alguns «insetos». Entretanto, encontramos algumas ferramentas Sswis, em obsidiana.
Mais movimentada e frutífera resultou a exploração da ponta Sul do continente boreal.
Ao amanhecer chegamos a uma pequena enseada rodeada de altos penhascos, fantasticamente recortados. O desembarque do carro foi trabalhoso e o sol estava alto quando parti com Michel e Smith. Não sem dificuldades, chegamos até uma meseta que se estendia na direção Norte e Leste até perder-se de vista. Ao sul elevavam— se pequenas montanhas. Nos dirigimos para elas, através de uma savana marcada por pequenos bosques.
O lugar estava extremamente povoado de animais variados: Golias, elefantes e pequenos animais, isolados ou em rebanhos. A nossa passagem despertou um casal de Tigressauros que não nos atacou, afortunadamente, pois nossa camionete não teria resistido ao choque.
Às três da tarde, quando terminávamos de comer, apareceu à distância uma enorme manada. Aproximaram-se e reconhecemos os Sswis da raça grande e vermelha, a raça de Vzlik. Recordei que este último me havia dito, em repetidas ocasiões, que sua tribo provinha do Sul, e que poucas gerações antes eles haviam se separado do seu povo por razões que continuei ignorando. Este encontro nos incomodava, pois nos fechava o caminho para as montanhas e, se avançássemos, dado ao seu temperamento belicoso, a batalha seria inevitável. Mas talvez eles não nos tivessem visto, porque dobraram à esquerda e desapareceram no horizonte.
Rapidamente fizemos um conselho de guerra. Eu me inclinei pelo retorno imediato, pois nos havíamos afastado do Temerário e estávamos em um pais desconhecido.
Mas Michel e Smith eram de opinião em seguir adiante, e não regressar até o dia seguinte.
Então continuamos.
Perto das montanhas, às quatro, estávamos ante um penhasco que se levantava diante da cadeia montanhosa. A uns trinta metros de altura, pareceu-me ver umas colmeias. Quando chegamos mais perto, pudemos observar umas fortificações constituídas por torres espaçadas com uns vinte passos entre si, e de uma altura de dez metros. Ao pé do penhasco, numa faixa de cinco ou seis metros, não havia nem árvore nem arbusto. Os Sswis galopavam entre as torres. Pareciam muito agitados, e com os binóculos, vimos que apontavam com o dedo para nós. Duvidando, reduzi a marcha.
De repente, uma coisa comprida e negra saiu do alto de uma torre que estava em nossa frente. Sibilante, uma gigantesca lança, que devia pesar uns bons trinta quilos, cravou-se na terra a poucos passos de nós. Freei, e depois, recuperando meu sangue frio, retornei acelerando.
— Em zig zag! — gritou Michel.
Olhei para trás e pude ver uma duzia de dardos nos ares. Vibrando, cravaram-se no solo ao nosso redor, e eu, com um golpe de volante, tive que evitar uma. Nossa metralhadora funcionou. Smith estava em casa! Havia sido campeão de tiro na aviação americana. Michel me contou depois que em um abrir e fechar de olhos ele havia incendiado seis torreões. Não pude ver nada desta fase do combate. Estava agachado sobre o volante, com o pé no acelerador, incomodado com o piso irregular, a cabeça afundada entre os ombros e temendo a cada instante sentir uma lança cravarse nas minhas costas. Na realidade, faltou pouco para isto! Ao chegar às primeiras árvores que limitavam com a zona devastada, produziu-se às minhas costas um choque violento, um ruido metálico. Eu alterei o rumo com violência.
Quando, minutos depois, passei o volante para Michel, vi que uma lança havia atravessado o teto, passado entre as pernas de Smith e terminando sua corrida com a ponta afundada contra uma lata de boi assado, cravando-se contra o solo. A haste sobrepassava o teto em mais de dois metros. Sem nos determos, nós a serramos e pudemos examinar a ponta: era triangular, dentada, e de aço!
À noite fizemos uma curta parada, e caminhando, discutimos nossa aventura.
— É curioso — disse — que estes Sswis conheçam o metal, e que além disto seja uma aço de boa têmpera. Trata-se certamento do povo de onde provem a tribo de Vzlik, o que significa que poucas gerações atrás ainda estavam na idade da pedra.
Os Sswis são realmente muito inteligentes, porém me surpreende tal rapidez de progresso.
Michel refletia.
— Talvez isto tenha relação com nosso descobrimento da ilha.
— Pode ser, têm catapultas, ou melhor, balestras, que alcançam a mais de quinhentos metros.
— Em todo caso, — disse Smith, em inglês — ao menos destruímos seis torres.
— Sim, mas agora vamos. Este pais não é seguro!
Rodamos a noite toda. Neste planeta eu já tinha vivido outras noites agitadas, porém nenhuma como aquela! As três luas havia se levantado e toda a fauna deste mundo parecia haver-se reunido naquele local. Tivemos que abrir caminho através de manadas de elefantes, atraídos pelos faróis. Depois foi um tigressauro à espreita quem, salvo um positivo pânico que compartilhamos amplamente, escapou do nosso fogo sem danos aparentes. Três Golias nos abrigaram a mudar a rota e nossos pneus sofreram mordidas de víboras. Entretanto, antes do raiar do dia, vimos foguetes sendo lançados do Temerário, e na alvorada já estávamos a bordo.
V — O PERIGO
Uns dias mais tarde, chegamos à embocadura do Dordogne, sem mais contratempo que uma avaria nos motores, o que nos obrigou a navegar um dia inteiro a vela.
Avisados por Cobalt pelo radio, não nos surpreendemos em encontrar na confluência da Ilha, Martina, Louis e Vzlik, em uma barca a motor. Subiram a bordo e sua embarcação foi rebocada até Porto Leon. Fazia mais de um mês que estávamos fora. É inútil que se diga que estive contente de ver Martina novamente. Muitas vezes, no curso da viagem, pensei que não voltaríamos Louis me estendeu o texto da última radio mensagem recebida de New-Washington.