Ao redor do poço, seco, claro, levantou-se um pitoresco acampamento. Trapos estendidos sobre estacas fizeram as vezes de tendas de campanha para aqueles que haviam ficado sem teto. Louis mandou montar uma para os operários que haviam participado no salvamento.
Sentamo-nos diante de uma tenda e tomamos uma ceia fria à base de carne e pão, regada a vinho tinto, que me pareceu o melhor da minha vida. Depois fui à enfermaria na vã esperança de ver Martina: Ela dormia. Massacre estava satisfeito; poucos casos graves. Havia ordenado que Breffort e meu irmão se deitassem. Os dois estavam bem.
— Desculpa-me, estou caindo de sono, — disse o cirurgião — e amanhã tenho uma operação que, nas presentes condições, será delicada.
Voltei à tenda e não demorei também a cochilar em cima de uma grossa cama de palha. Despertei por causa do ruido de um motor. Era «noite» ainda, ou seja, este semi-dia púrpura que conheceis pelo nome de «noite vermelha». O carro se deteve detrás de uma casa silenciosa. Dei a volta e vi meu tio. Havia descido com Vandal para saber das novidades.
— E então? — perguntei.
— Nada. A cúpula está imobilizada por falta de eletricidade. Passei pela fábrica. Estranges me disse que por algum tempo não poderemos dispor de corrente. A represa não nos acompanhou. Mudando de assunto, posso dizer-te que nos encontramos em um planeta que gira sobre si mesmo em 29 horas, e cujo eixo está pouco ou nada inclinado com relação ao plano de sua órbita.
— Como sabe disto?
— Muito simples: o dia azul durou 14h 30min. O Sol vermelho levou 7h 15min. para alcançar o zênite. Portanto, a duração total do dia bi-solar é de 29 horas. Por outro lado, os dias e as «noites» são iguais, e com certeza estamos no equador; mais exatamente em torno do grau 45 de latitude Norte. Por conseguinte, eu deduzo que o eixo do planeta está muito pouco inclinado, a menos que tenhamos caído justamente no equinócio. O Sol vermelho é exterior à nossa órbita e gira provavelmente conosco ao redor do Sol azul. Este é um momento em que os dois sois e nós mesmos estamos em situações opostas. Passado o tempo necessário, não deveremos estranhar se formos iluminados simultaneamente, algumas vezes, pelos dois ou por nenhum.
Então haverão noites negras ou, melhor dito, com luas.
— Com luas?
— Olha para o céu — Levantei a vista. Pálidas, em um céu rosa, havia duas: uma um pouco maior que nossa velha Lua terrestre, a outra aproximadamente igual.
— Faz pouco tempo, havia mais outra. — continuou meu tio — É a menor das três e já está escondida.
— Quanto nos resta de «noite»?
— Apenas uma hora. Na fábrica vimos alguns granjeiros dos arredores. Há poucas vítimas. Porém mais distante…
— É necessário ir vê-los. — disse — Vou no seu carro com Michel e Louis Mauriere.
Temos que saber a extensão do nosso território.
— Vou com vocês.
— Não tio. Tens um pé torcido, podemos ter avarias e ver-nos obrigados a andar.
Daremos uma volta ultra rápida.
— Está bem; ajuda-me a descer e leva-me à enfermaria. Você vem comigo Vandal?
— Eu gostaria de participar desta excursão. — disse o biólogo — Imagino que a parte terrestre não será muito extensa e vocês têm a intenção de seguir seus contornos.
— Enquanto encontrarmos caminhos praticáveis. Bem, venha conosco. Pode ser que tropecemos com alguma fauna inédita. Esta saída corre o risco, por outro lado, de ser demasiado calma, nesse caso sua experiência na Nova Guiné pode ser-nos muito útil. Despertei Michel e Louis.
— Certo, — disse ele. — porém antes queria falar com seu tio. Senhor Bournat. Poderia você, durante nossa ausência, fazer um censo da população e dos recursos existentes em víveres, armas, utensílios, et cétera? Depois da morte do prefeito, você é aqui o único a quem todos escutarão. Você está em boas relações tanto com o Senhor cura, como com o Senhor mestre. Não vejo ninguém mais que Juillet, o dono do bar, que talvez no goste muito de você. Embora, claro está, que estaremos de volta antes que termine tudo aqui.
Subimos no carro, um velho modelo sem capota, muito sólido. Eu havia sentado ao volante quando meu tio chamou: — Pega o que tenho na bolsa.
Abri-a e tirei uma pistola regulamentar, calibre 45.
— Esta é minha arma de oficial de artilharia. Toma. Quem sabe o que vais encontrar.
Na bolsa do carro há dois carregadores.
— É uma boa ideia. — disse Louis — Não teria você outra arma?
— Não, porém me parece que deve haver escopetas de caça no povoado.
— Certo. Pararemos na casa de Boru. É um ajudante aposentado da «Colonial» e um caçador empedernido Despertamos o velho e, apesar dos seus protestos, pegamos boa parte do seu arsenaclass="underline" um «Winchester» e duas escopetas de caça, com as respectivas munições.
Partimos com a alvorada, para o Leste. Enquanto foi possível, seguimos a estrada que de vez em quando aparecia ligeiramente seccionada, mas mesmo assim conseguíamos seguir em frente. Um afundamento nos deteve durante uma hora. Três horas depois da nossa partida caímos em uma zona caótica: não se viam mais que montanhas derrubadas, montes de terra, pedras, árvores e, por desgraça, escombros de casas.
— Devemos estar perto do limite. — disse Michel — Vamos a pé.
Deixando o carro sem vigilância, talvez um pouco imprudentemente, pegamos nossas armas, algumas provisões e alcançamos a zona devastada. Avançamos penosamente durante mais de uma hora. Para um geólogo, o espetáculo era fantástico; um espesso caldo de rochas sedimentares, um magma das eras primária, secundária e terciária em tal estado de agitação que eu recolhi, em poucos metros, um trilobita, um amonita cenomaniano e numilitas.
Louis e Vandal, que seguiam na frente, tropeçaram com uma inclinação enquanto eu me atrasava recolhendo fósseis. Chegaram em cima e pudemos escutar suas exclamações.
Em poucos instantes, Michel e eu nos juntamos a eles. Tão distante quanto alcançava nossa vista, estendia-se um pântano de águas oleosas, povoadas de uma vegetação de ervas rígidas, acinzentadas, com se cobertas de pó. A paisagem era sinistra e grandiosa.
Vandal pegou seu binóculo e deu uma olhada para o horizonte.
— Montanhas. — disse.
Emprestou-me o binóculo. Longe, a Sudoeste, uma linha azulada se destacava no céu.
Ao redor do promontório que formava a zona terrestre, o limo havia deslizado, amontoando-se com cólera, sepultando e destruindo a vegetação. Com precaução, descemos até a borda das águas. De perto era quase transparente; o pântano parecia profundo e era salobro.
— Isto é um deserto. — observou Vandal — Nem peixes nem pássaros.
— Olha ali. Disse Michel.
Ele nos indicava em um banco de lama um ser esverdeado, de pouco mais de um metro. Em uma extremidade tinha a boca rodeada de uma coroa de seis tentáculos moles; na base de cada tentáculo se fixava um olho glauco. No outro extremo do corpo uma potente cauda se espalhava em forma de aleta. Não pudemos examiná-lo de mais perto por causa da sua situação inacessível. Enquanto subíamos novamente a elevação, um animal idêntico correu pela margem a grande velocidade, com os tentáculos ao longo do corpo. Apenas entrevisto, lançou-se nas águas.
Antes de voltar ao carro, fizemos uma última observação. Foi então que, pela primeira vez desde que chegamos a este mundo, divisamos uma nuvem. Era de um tom esverdeado e flutuava muito alto. Dias depois conheceríamos seu terrível significado.
Encontramos o carro com os faróis acesos.
— Mas, — disse — estou absolutamente certo de tê-los apagado. Algum curioso deve ter feito isto Entretanto, ao seu redor, no pó da estrada, não havia mais pegadas que as nossas.
Apaguei os faróis, lançando uma exclamação: o mostrador estava banhado de uma substância viscosa e fria, como a baba dos caracóis.