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Antes de introduzir aos acusados, meu tio, que por sua idade e ascendência moral havia sido designado presidente, levantou-se e disse: Nenhum de nós teve antes que julgar a seus semelhantes. Formamos um tribunal marcial extraordinário. Os acusados não terão advogados, pois não temos tempo a perder em discussões intermináveis. Por outro lado, temos o dever de ser tão justos e imparciais, como seja possível. Os dois principais criminosos estão mortos. E eu devo recordar-lhes que os homens são preciosos neste planeta. Porém não esqueçamos tampouco que doze dos nossos foram mortos por culpa dos acusados, e que três de nossas jovens foram odiosamente maltratadas. Introduzam os acusados.

Eu sussurrei-lhe: — Onde está Menard?

— Está trabalhando com Martina em uma teoria sobre o cataclismo. É muito interessante.

Já voltaremos a falar disto.

Um a um, entre guardas armados, entraram os trinta e um sobreviventes. Ida Honneger e Magdalena Ducher foram os últimos.

Meu tio tomou novamente a palavra: — Sois coletivamente acusados de assassinatos, raptos e ataques a mão armada.

Subsidiariamente, de atentado contra a segurança do Estado. Existe um chefe entre vós?

Titubearam um momento, depois, empurrado pelos demais, um homem ruivo, enorme, avançou.

— Eu mandava, na ausência dos «patrões».

— Teu nome, idade e profissão?

— Biron, Jean. Trinta e dois anos. Antes eu era mecânico.

— Reconheces os fatos dos quais sois acusados?

— Que os reconheça ou não, dá no mesmo, vão fuzilar-nos do mesmo jeito.

— Não é certo. Poderiam ter sido enganos. Façam avançar os demais! Como pode atuar desta forma?

— Bem, depois da hecatombe, o patrão nos fez um discurso, dizendo que o povoado estava em mãos (desculpe-me) de uma chusma, que era necessário defender a civilização, e — ele titubeou um momento — que se tudo seguisse bem, nós seríamos como os senhores de outros tempos.

— Participaste do ataque ao povoado?

— Não. Podem perguntar aos demais. Todos os que tomaram parte foram mortos.

Eram os guarda-costas do filho do patrão. Claro que o patrão ficou furioso. Charles Honneger afirmou ter capturado uns reféns. Na realidade, fazia muito tempo que ele queria esta moça. O patrão não estava de acordo. Eu tampouco. Foi Levrain quem o incentivou.

E quais eram os objetivos do vosso patrão?

— Já lhe disse. Queria ser dono deste mundo. Tinha um monte de armas no castelo (na Terra ele fazia contrabando de armas) e também nos tinha presos a ele. Tentou o golpe. Estávamos presos a ele. Em outros tempos havíamos feito muitas coisas erradas.

Ele sabia que vocês não tinha armamento. Não imaginava que fabricariam tão depressa!

— Bem. Retire-se! O seguinte.

O seguinte foi o rapaz ruivo que havia agitado a bandeira branca.

— Teu nome, idade e profissão?

— Beltaire, Enrique. Vinte e três anos. Estudante de ciências.

— Que diabos fazias nesse antro?

— Eu conhecia Charles Honneger. Uma noite havia perdido todo meu salário do mês no poker. Ele pagou minhas dívidas. Me convidou para o castelo e durante uma excursão pela montanha me salvou a vida. Depois ocorreu o cataclismo. Eu não aprovei nunca os projetos do seu pai, nem sua conduta. Porém não podia abandoná-lo.

Devo-lhe a vida. Não disparei uma só vez contra vocês!

— Isto comprovaremos. Outro. Ah! Uma pergunta mais. Quais eram teus projetos?

— Queria ser técnico em aeromodelismo.

— Isto poderia servia mais adiante. Quem sabe?

— Queria dizer também… que Ida Honneger… fez todo o possível para preveni-los.

— Já sabemos e levaremos isto em conta.

O desfile continuou. Estavam mescladas todas as profissões. A grande maioria dos acusados haviam pertencido mais ou menos a uma liga fascista.

Eu não sei o que os outros pensavam naquele momento, porém eu estava confuso.

Muitos daqueles homens tinham um aspecto sincero e, inclusive alguns, honesto. Era evidente que os principais culpados haviam morrido. Beltaire teve minha simpatia pela fidelidade ao seu amigo. Nenhum dos outros acusados o imputou de falta alguma.

Ao contrário, haviam confirmado, em sua maioria, que ele não havia tomado parte no combate. O acusado número vinte e nove entrou. Declarou chamar-se Juillet Levrain, jornalista, de 47 anos de idade. Era um homem de compleição reduzida, delgado, traços duros.

Louis consultou seus papeis.

— Pela declaração das testemunhas, se depreende que voce não fazia parte dos homens de Honneger. Você era um convidado, e alguns supõem que era, inclusive, o grande chefe. Você não pode negar haver disparado contra nós. Ademais, as testemunhas se lamentam de… emfim, digamos, violências da sua parte.

— Isto é falso. Nos os via jamais. E eu era alheio a toda esta questão. Não era mais que um simples convidado.

— Que falta de vergonha! — exclamou o guarda da porta — Eu o vi na metralhadora do centro, a que matou Salavin e Robert. Apontei-lhe três vezes sem conseguir liquidá— lo. Este canalha!

Na sala, muitos dos guardas, reunidos como espectadores, aprovaram suas palavras.

Apesar dos protestos, foi conduzido para fora da sala.

— Introduzam a Senhora Ducher.

Entrou com ar abatido, apesar da maquilagem. Parecia inquieta, desorientada.

— Magdalena Ducher, vinte e oito anos, atriz. Mas eu não fiz nada!

— Você era a amante de Honneger pai, não é correto?

— Sim, — exclamou uma voz na sala, que desencadeou uma tempestade de risos — dos dois.

— É mentira. — exclamou ela — Oh, é odioso! Permitir que me insultem desta forma.

— Está bem, está bem! Silêncio na sala! Isto veremos depois. A seguinte.

— Ida Honneger, dezenove anos, estudante.

Seus olhos avermelhados não a impediam de eclipsar completamente à atriz.

— Estudante de que?

— De direito.

— Temo que isto não vai ser-lhe útil aqui. Sabemos que fez todo o possível para evitar o drama. Por desgraça não conseguiu. Ao menos pôde suavizar o cativeiro de nossas três jovens. Pode voce informar-nos sobre os que vamos julgar?

— À maioria não conheço. Biron não era má pessoa. E Enrique Beltaire merece vossa indulgência. Me disse que não havia disparado. E eu acredito. Era amigo do meu irmão… Reprimiu um soluço. «Meu pai e meu irmão não eram maus, no fundo. Eram violentos e ambiciosos. Quando eu nasci éramos muito pobres. A riqueza veio de uma vez e foi o que os fez se perderem. Oh! Este homem, este Levrain, ele foi a causa de tudo! Foi ele quem fez meu pai ler Nietzsche, e isto o fez acreditar no superhomem.

Foi ele também o culpado dos antecedentes desse projeto insensato de conquistar um mundo! É capaz de tudo! Eu o odeio!

Desfez-se em lágrimas.

— Sente-se senhorita, — disse gravemente meu tio — Vamos deliberar. Não tema.

Nós a consideramos mais como uma testemunha.

Nos retiramos, detrás de uma tela, assistidos pelo corpo de representantes.

A discussão foi prolongada. Louis e os camponeses eram partidários de penas severas.

Michel, meu tio, o pároco e eu mesmo defendíamos a moderação. Os homens eram tão escassos. Não compreendendo o que lhes havia ocorrido, os acusados haviam, como é lógico, acompanhados a seus chefes. Finalmente chegamos a um acordo.

Meu tio levou o veredito aos acusados reunidos.

— Juillet Levrain: nós o consideramos culpado de assassinato, rapto e violências com premeditação. Foste condenado à morte pela forca. A sentença será executada na próxima hora.