— Estamos a toda velocidade! Sessenta por hora. E se um pneu rebenta…
— Então nos assaremos. Porém aguentarão!
— À esquerda, Paul, à esquerda, — gritou Breffort — terreno limpo!
Schoeffer virou e, instantes depois, rodávamos através de uma vasta e nua extensão de argila avermelhada. As montanhas estavam perto e Helios se levantava. Consultei meu relógio; do momento em que havia me deitado até aquele instante, haviam passado uma hora e meia.
Nossa posição naquele momento era boa. Nos encontrávamos sobre uma superfície desolada, de vários quilômetros de circunferência, provavelmente. Com nosso armamento intacto, éramos temíveis. No nosso caminhão, não corríamos perigo de ser atingidos, excetuando os pneus, nem por flechas, nem por azagaias.
Pouco a pouco, o fogo rodeou nossa ilhota de salvação e passou pela esquerda.
Adiante do fogo corriam todos tipos de bestas curiosas. Vandal desceu à terra e capturou algumas. De formas e tamanhos variados, — desde o de um musaranho à de um cachorro grande — apresentavam todas elas uma característica pouco comum: a presença de seis patas. O número de olhos variava entre três e seis.
À nossa direita, o fogo, tendo encontrado talvez uma vegetação mais úmida, deteve— se. À esquerda tinha nos empurrado um pouco. Alcançou um grupo de árvores, que crepitaram e se inflamaram com violência, como se estivessem impregnadas degasolina.
Ouviu-se um ruido terrível. Uma forma enorme saiu de entre as árvores abrasadas e correu direto para nós a grande velocidade. Tratava-se do animal que vimos à noite, ou de um irmão da mesma raça, que devia ter seu esconderijo naquele bosque. A uns 500 metros de nós, em terreno limpo, deteve-se. Com os binóculos pude examiná— lo em detalhe. Sua forma geral — excetuadas as seis patas, — era de um dinossauro.
O dorso denteado se prolongava através de uma comprida cauda eriçada. Sua pele verde brilhante era calosa. A cabeça, de uns três ou quatro metros, estava dotada de numerosos chifres, dois deles ramificados; possuía olhos, dois laterais e um frontal. Virou-se para lamber uma ferida e pude ver uns dentes enormes, agudo,s e uma comprida língua roliça em uma boca violácea.
Então apareceram dez «centauros» armados com arcos, que começaram a atirar suas flechas no monstro. O animal lançou-se sobre eles. Com uma maravilhosa presteza, eles o contornaram; seus movimentos eram vivos e precisos e sua velocidade ultrapassava à de um cavalo a galope, o que era absolutamente necessário, uma vez que o monstro exibia uma ágil atividade, muito notável com relação ao seu peso.
Todos nós observávamos aquela apaixonante caça épica, temendo intervir. Teria sido difícil disparar sem alcançar os próprios caçadores, dançando em torno da sua presa. Eu ia ordenar que nos puséssemos a caminho, quando aconteceu um drama.
Um dos «centauros» escorregou. A enorme mandíbula do monstro o agarrou, triturando— o.
— Adiante! Prontos para disparar!
Avançamos, a velocidade moderada, para poder manobrar melhor. Por estranho que possa parecer, não creio que os «centauros» tivessem notado nossa presença antes que estivéssemos a cem metros deles. Então nos viram, e abandonaram imediatamento o ataque ao monstro, reagrupando-se de três em três À medida que avançávamos, eles retrocediam, deixando-nos frente à frente com o animal. Tínhamos que evitar a tudo custo um choque com ele, o que nos teria esmagado.
— Fogo! — gritei.
O monstro nos atacava. Embora crivado pelas balas e pelos obuses perfurantes, não se deteve. Schoeffer, com uma rápida manobra do volante, inclinou à esquerda.
Me pareceu que o animal escorregava para a direita, quando um golpe de cauda amassou a blindagem. A metralhadora continuou disparando. A besta quis voltar-se para nós, tropeçou e se deteve imóvel, morta. À distância, os «centauros» observavam.
O monstro já não se movia. Com a metralhadora em punho, desci do caminhão com Michel e Vandal. Martina quis vir porém a proibi. Com razão. Apenas pusemos os pés em terra, os «centauros» nos atacaram, acompanhados de gritos sibilantes: «Sswis! Sswis! Um fuzil-metralhadora crepitou, calando-se em seguida, talvez travado.
A metralhadora disparou por duas vezes. Mas os assaltantes já estavam sobre nós. Nossa rajadas foram mais eficazes. Três «centauros» mortos, rolaram por terra; mais dois feridos fugiram. Uma chuva de flechas caiu ao nosso redor, enrrando-nos.
Depois, foi corpo a corpo. Com nossas metralhadoras descarregas, empunhamos as pistolas. Apenas peguei a minha, quando me senti preso e içado pelas costas. Havia sido agarrado por uns braços poderosos contra um torso oleoso, do qual se desprendia um acre cheiro de gordura rançosa. Eu tinha os braços apertados contra o corpo e minha pistola na mão esquerda. Pude ouvir uns disparos, mas não podia me virar.
A terra seca ressoava sob os pés do meu atacante.
Me dei conta de que se não me desprendesse rapidamente estaria perdido. Uns trinta «centauros» chegaram como reforço. Com um violento esforço pude afrouxar o abraço do meu inimigo, virar-me e soltar meu braço direito. Fiz passar minha pistola para a mão direita e disparei cinco balas na cabeça do ser que estava me arrastando.
Rolei por terra, maltratado e quase desmaiado. Quando me levantei, os outros não estavam a mais de 300 metros e o caminhão chegava a toda velocidade, com as armas caladas. Me pus a correr para ele sem grandes esperanças de escapar. Estava inundado de um líquido alaranjado e viscoso, o sangre do centauro. Ouvia cada vez mais perto o galope dos meus perseguidores. Minha respiração era entrecortada. Minhas costas doíam Vi Michel fazendo sinais com o braço através da abertura da torre.
— Muito tarde. — pensei — Porque não disparam? — De repente compreendi: não podiam atirar sem risco de me acertar. Brutalmente, me lancei ao solo voltando-me em direção ao inimigo. Ainda tinha três balas na minha arma. Apenas cai ao chão, quando os primeiros obuses sibilaram sobre minha cabeça, alcançado uns10 inimigos. Se assustaram e detiveram-se. Não obstante, dois deles continuavam me perseguindo; derrubei-os a uns cem metros. Com um chiado de freios, o caminhão se deteve muito perto, com a porta aberta. Saltei para o interior. Uma chuva de flechas bateu contra a porta, arranhando o plexiglas da portinhola. Um dos dardos passou através de um disparador, cravando-se, vibrando, em um encosto. Respondemos ao fogo e os sobreviventes fugiram. Éramos dono do campo de batalha.
Michel desceu da torre.
— Certo rapaz, escapaste de uma boa! Porque diabos não de abaixastes antes?
— Foi o que estive pensando. Não houve feridos?
— Vandal recebeu uma flechada no braço, no meio do alvoroço. Não há de ser nada… se não estiver envenenada. Breffort examinou a ponta e afirma que não está.
— Que seres infernais!
— Aonde vamos agora?
— Voltemos para ver o Golias que abatemos.
Michel, Vandal e eu descemos pela segunda vez para examinar o monstro, assim como os cadáveres dos «centauros» que haviam ficado no primeiro campo de batalha.
Segundo Vandal, a couraça do Golias, como chamávamos ao monstro, era um material semelhante à quitina dos insetos terrestres, embora distinta. Em todo caso, era muito dura, e para conseguir arrancar um dos chifre ramificados, que Vandal queria levar, arrumamos uma serra para metais. Fotografamos o animal e os «centauros» mortos. Tínhamos ainda alguns carretéis de filme que usávamos com parcimônia.
São realmente seres estranhos esses «centauros», ou «Sswis» — como também os chamamos por causa do seu grito — Um corpo quase cilíndrico, quatro patas finas, cascos duros e pequenos, uma cauda córnea e curta. Na parte anterior, este corpo acaba bruscamente, e se inicia um torso quase humano, com dois longos braços que terminam em mãos de seis dedos opostos e iguais, por pares. A cabeça esférica, calva, desprovida de aparelho auditivo externo, — que é substituído por uma membrana sobre uma concavidade — possui três olhos de um cinza pálido, o maior dos quais está situado na frente. Uma boca ampla com uns dentes agudos, como de répteis. O nariz comprido, mole, movendo-se como uma tromba, cai sobre a boca.