Vandal dissecou sumariamente a um deles. O cérebro é complexo e volumoso, protegido por uma cápsula quitinoide. A armação óssea é mineralizada, porém flexível.
Embora diferentes, são muito mais próximos a nós que as hidras. Alguns cadáveres ainda estavam quentes. O torso não encerra mais que dois vastos pulmões, análogos aos nossos, embora mais simples, o coração, com quatro concavidades, e o estômago.
As vísceras localizam-se na parte horizontal do corpo. O sangue, espesso, era de uma cor alaranjada.
— São seres que forçosamente temos que chamar humanos. — disse afinal Vandal — Conhecem o fogo, talham a pedra, fabricam arcos. São definitivamente inteligentes.
Que lástima termos entrado em relação com eles desta forma!
Partimos, não sem antes haver observado que além das suas armas — arco, ou as azagaias com pontas de obsidiana finamente talhada — os Sswis levavam ao redor da parte vertical do corpo uma espécie de cinta de vegetais artisticamente trançados, que sustentava umas pequenas bolsas da mesma natureza, cheias de objetos de obsidiana, que lembravam notavelmente as ferramentas no nosso Paleolítico Superior humano.
Escolhemos, para passa a noite, uma extensão de terreno completamente desprovido de vegetação. Esses curiosos espaços nus eram bastante frequentes e me convenci de que se deviam à natureza do solo, uma espécie de laterita completamente estéril. Seja qual fosse a causa, servia aos nossos propósitos. Detivemos o caminhão no alto de uma grande elevação, como precaução, para o caso de uma falha no motor quando tentássemos dar a partida. Todas as precauções foram inúteis. A noite transcorreu sem qualquer alarme, turvada apenas pelo grito distante de um Golias.
Não obstante, pela manhã, Michel me despertou com uma cara preocupada.
— Olha. — disse ele, mostrando-me o barômetro.
Este marcava exatamente 76 centímetros de mercúrio, em lugar dos de 91 que nos são habituais.
— Tenho a impressão de que vamos desfrutar, dentro em pouco, de um tempo divertido.
— Estás certo de que não se deve à altitude?
— Ontem à noite assinalava 90.
Levou-me ao vidro da esquerda.
— Olha as montanhas.
Os «Montes desconhecidos» desapareciam na bruma. A oeste, o céu se cobria de nuvens cinza.
— Não podemos permanecer aqui. — decidi. — Em frente. É necessário encontramos um refugio natural.
Paul tomou o volante. Ao instalar-se, observou o horizonte e deixou escapar um assobio significativo.
— Vejam isso! Não tinha vista nada igual desde aquela tempestade no Atlântico Sul!
O setor oeste tinha um cinza-chumbo sinistro. Produzia um contraste surpreendente, o sol nascente brilhando com todo seu esplendor e com essa cor espantosa que ascendia com rapidez pelo céu — À esquerda. — disse — Há uma maior elevação de terras, ao menos não teremos que temer uma inundação.
Seguimos para Sudoeste, através da planície deserta. As nuvens quase haviam alcançado o zênite. De súbito, caíram as primeiras gotas de chuva, grandes e barulhentas.
O vento, que no alto arrastava as nuvens, era nulo ao nível do solo. Fazia um calor agoniante.
Deixando Michel ao lado do condutor, subi, seguido de Martina, para a torre, de onde esperava divisar um refugio. Com o objetivo de chegarmos mais depressas às montanhas, derivamos completamente para o Sul e depois para Sudeste. O sol ascendia lentamente. A chuva, pouco nutrida, persistia. A tempestade se desencadeava a Oeste, com um rumor surdo. Estávamos chegando a uns penhascos, que sob aquela luz cada vez mais pálida, me parecia coalhada de cavernas. Ainda nos faltavam dois bons quilômetros. De repente se desencadeou a tempestade O vento alcançou o caminhão, desviando-o da rota. Paul soltou uma exclamação, ao mesmo tempo em que, com um golpe de volante, restabelecia nossa direção primitiva. A chuva ficou mais pesada, as flechas liquidas eram varridas pelo vento e o penhasco parecia mais distante ou mais próximo, segundo a direção do vento que separava ou precipitava a cortina da chuva. Retumbou um trovão com um ruido ensurdecedor. A escuridão era quase total, iluminada de vez em quando por brilhantes relâmpagos de um violeta deslumbrante. Tive que recolher a metralhadora para o interior do veículo e fechar a portinhola. Logo tive que fazer-me compreender à força de gritos, por causa do continuo fragor.
O caminhão avançava com dificuldade. O solo, viscoso, não oferecia resistência aos pneus, que derrapavam. O vento não era continuo, soprava em rajadas bruscas, dificultando a condução. Não podíamos ultrapassar os 10 quilômetros por hora, por causa do perigo. Os relâmpagos pareciam palpitar durante longos minutos; depois aquilo se converteu em um espetáculo fantasmal de luz e trevas, de onde emergia e desaparecia, ao meu lado, o rosto pálido e um pouco assustado de Martina.
Quando me abaixava, via sob meus pés o interior do caminhão. Sobre a mesa, Breffort escrevia o diário de bordo e Vandal passava suas anotações a limpo. Não conseguia descobrir Beltaire. Vi, finalmente, uma perna balançando no catre. Quando levantava a cabeça, o universo, contrastando com a calma do interior, parecia ainda mais desencadeado. O vento e a chuva se intensificavam. Os relâmpagos mostravam a capota e o teto gotejando como se tivessem saído do mar. A antena vibrava, dobrava, com perigo de quebrar-se. No intervalo que deixava o trovão, percebi um canto agudo.
— Bem, bem. — gritei — é uma senhora tempestade — É magnífico. — respondeu Martina.
Era realmente um espetáculo magnifico, embora pavoroso. Anteriormente, na Terra, eu havia sido surpreendido por tempestades na montanha, porém jamais havia visto nada que pudesse comparar-se a esta, em violência e beleza. Caiu um raio a 200 escassos metros de nós e eu gritei para Micheclass="underline" — O que marca o barômetro?
— Ainda baixando.
— Estamos chegando. Vejo vários refúgios Acende os faróis O penhasco estava muito perto. Rodamos durante dois ou três minutos antes de encontrar uma abertura capaz de abrigar o caminhão, e de fácil acesso.
Temendo um novo encontro dom os Sswis, — ou com os Golias — dispus a metralhadora em bateria, e um sopro de ar frio e úmido penetrou com o rumor da chuva.
A caverna estava vazia, e logo o caminhão estava em terreno seco, protegido por mais de trinta metros de rocha. Nós o colocamos de frente para o exterior e descemos.
Beltaire, a quem cabia o turno, permaneceu na metralhadora.
A caverna media uns cinquenta metros de comprimento por vinte de altura e vinte e cinco de profundidade. A água resvalava pela abóbada formando goteiras. Não obstante, o solo estava seco, graças às saliências da rocha, que faziam as vezes de cornijas. Em um local, cinzas, ferramentas de obsidiana e resíduos de ossos, testemunhavam a recente presença dos Sswis. Portanto era prudente manter vigília. Encontramos também, cuidadosamente guardados em uma anfractuosidade, blocos de obsidiana e reservas de madeira seca.
Talvez fosse imprudência, porém acendemos um fogo detrás do caminhão. Almoçamos perto dele ao meio-dia e as latas de conserva vazias aumentaram o monte de lixo deixado pelos Sswis — Me pergunto que cara farão nossos amigos «centauros» quando encontrarem estes curiosos recipientes — disse.
— Principalmente se olharem para as ilustrações das latas. — acrescentou Michel.
— Um pote de salsicha tinha uma efigie policromática da «Tia Irma», representação de uma opulenta cozinheira.
— Vão ter uma pobre impressão da nossa arte — interveio Martina.