E eu não estava sozinho. A paixão pelos descobrimentos se havia apoderado de todos nós. Que dizer da façanha de Paul Bringer e Nataniel Hawthorne, que partiram de carro para o Sul, que deram a volta no velho continente, perdendo seu carro a mais de 7.000 quilômetros de Nova França, e que regressaram a pé, em meio a a Golias, tigressauros e indígenas hostis? E que dizer, igualmente, da aventura do capitão Unset, sogro de Michel, que com seu filho Eric e treze homens deu a volta ao mundo a bordo do Temerário, em sete meses e vinte dias?
Vinte anos depois da nossa primeira visita, voltei novamente, com Michel, à Ilha Mistério. Nada havia mudado. Unicamente a terra havia coberto um pouco a estranha inscrição. Entrando de novo na cabine onde se conservava a mão mumificada, vimos o rastro dos nossos passos, que haviam se mantido ao abrigo da intempérie.
No regresso visitamos a cidade das catapultas. Nesta ocasião levávamos conosco o filho de Vzlik, Ssiou, que pode entrar em contato com os Sswis vermelhos, que já conheciam o aço. O chefe nos mostrou os fornos rudimentares onde o fabricavam.
Consentiu em explicar-nos a lenda. Há mais de trezentos anos teluriano, três estranhos seres haviam chegado em uma barca «que andava sozinha» em uma praia situada ao Sul da cidade atual. Ao serem atacados, haviam se defendido «lançando fogo». Não «flechas pequenas que fazem bum», como as nossas, esclareceu o chefe, e sim longas chamas azuladas. Dias depois foram surpreendidos enquanto dormiam e foram capturados. Por um esquecido motivo, houve, sobre esta questão, uma violenta disputa na tribo e a metade dos Sswis vermelhos haviam partido para o Norte.
Deles descendiam as tribos de Vzlik.
Os estrangeiros haviam aprendido a língua e ensinaram aos Sswis sobre a fundição do metal. Por duas vezes eles haviam salvo a tribo, debilitada pelo ataque dos Sslwips, «lançando fogo». Pareciam aguardar alguma coisa proveniente do céu Depois morreram; não antes de ter escrito um longo livro que se conservava como um objeto sagrado na gruta do templo, com os objetos que lhes haviam pertencido.
Tentei fazer com que me descrevessem os estrangeiros. O chefe não pode fazê-lo, mas nos conduziu ao templo. Ali, um Sswis muito velho nos mostrou umas pinturas rupestres: umas silhuetas pintadas em negro, bípedes, com uma cabeça e um corpo análogo aos nossos, porém com uns braços tão compridos que quase chegavam ao solo, e um só olho muito bem desenhado, situado na metade frontal do rosto. Comparando— os aos Sswis representados ao seu lado, calculei sua altura em dois metros e meio.
Pedi para ver os objetos: guardavam três livros de metal, parecidos ao que havíamos encontrado na Ilha Mistério, algumas ferramentas mais compreensíveis e o resto das armas que «lançavam fogo». Tratava-se de três tubos de 70cm de comprimento, mais largos em uma extremidade, chapados em seu interior de platina. Da outra extremidade saía um filamente que devia conectar com uma parte desaparecida. Provavelmente, aqueles seres não tinham querido deixar nas mãos daqueles selvagens uma arma demasiadamente potente.
Por fim, vimos o livro feito de pergaminho, de uma espessura de umas quinhentas folhas, cobertas dos mesmos sinais que os do livro de metal. Ao lamentar-me de que ninguem jamais saberia o que continha, o velho Sswis afirmou que estava escrito em sua língua, e que ele sabia lê-lo. Depois de muita reticência, pegou o livro e, colocando— o provavelmente ao contrário, começou a recitar: «Tilir! Tilir! Àqueles que venham após, saudamos! Aguardamos até o final. Agora, dois já estão mortos. Nós jamais voltaremos a ver Tilir. Sede bons para com os Sswis, que tão bem não tem tratado…»
O velho calou-se — Eu não sei ler mais. — acrescentou.
Consegui fazê-lo confessar que aquelas linhas, aprendidas de memória, eram transmitidas de sacerdote para sacerdote, e que «Tilir» devia servir de contrassenha, caso outros compatriotas dos estrangeiros desembarcassem novamente em Tellus.
Reconheceu também que o livro era de dupla linguagem, uma parte escrita em linguá Sswis e, a partir da metade, na dos estrangeiros. Seja como for, isso significava uma preciosa chave para a decifração e, cuidadosamente, fiz uma cópia.
Muitas vezes tenho pensado nessas folhas enegrecidas de curiosos caracteres.
Muitas vezes releguei meu trabalho habitual para começar a traduzir com a ajuda de Vzlik. Definitivamente, não tive jamais tempo suficiente. Extraindo o significado, com dificuldade, de frases dispersas, só consegui aumentar minha curiosidade e não satisfazê— la. Trata de Tillir, de monstros, de catástrofes, de gelo e de terror…
Hoje o livro está em União, onde meu neto Enrique e Hol, o neto de Vzlik, um Sswis «humanizado», tentam traduzi-lo. Parece que os seres que o escreveram vieram do primeiro planeta exterior, que é o mais próximo do nosso, ao qual chamamos Ares, homologando-o ao antigo Marte do nosso sistema solar. Talvez eu ainda viva o suficiente para conhecer o enigma. Porém é preciso que se apressem.
Nós traçamos o caminho, porém sois vós que devereis segui-lo. Não resolvemos todos os problemas. Para dois deles, os mais importantes, nem mesmo foram esboçadas soluções.
O primeiro é o da co-habitação, em um mesmo planeta, de duas especies inteligentes.
Para este não há mais que três soluções: nosso extermínio, que evidentemente é o pior para nós; o extermínio dos Sswis — que não queremos a preço algum — ou sua aceitação como nosso iguais, o que implica na sua integração aos Estados Unidos de Tellus, o que os americanos não querem nem saber, no momento. Por mim o problema não existe. São iguais a nós, e talvez superiores, se tomarmos, por exemplo, a obra matemática de Hol, que poucos entre nós compreendem.
O segundo problema é a coexistência de outra espécie inteligente, caso voltem de Ares os desconhecidos da Ilha Mistério. Se regressarem a Tellus antes que tenhamos conseguido dominar o espaço, estaremos mais que satisfeitos em ter os Sswis como aliados!
EPÍLOGO
Isto é tudo. Terminei. Acabo de queimar meus cadernos.
Lá fora Helios brilha. Sol já se escondeu. Da minha casa, situada nas cercanias de Cobalt-City, posso ver os campos onde ondula o trigo ainda verde. Meu bisneto Jean chegou da escola. Um avião passa, tudo está tranquilo. Alguns Sswis passeiam pela rua e conversam, em francês, com nossos concidadãos. Cobalt-City conta com 25.000 habitantes.
Pela janela, vejo sobre o cimo do Monte Paris, o observatório onde meu tio teve a alegria de terminar seus estudos sobre Ares, com o grande telescópio que fomos buscar há mais de quarenta anos. Vejo passar a neta de Michel, Martina, loira, parecida mais que tudo com Martina. Ela e meu neto Claude…
Mas isto já é o futuro.
Vosso futuro, cidadãos dos Estados Unidos de Tellus…