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Os “sermões” constituem outro conjunto de fontes igualmente significativas – reveladoras tanto em relação ao próprio discurso mendicante como em relação ao quadro cultural, mental e comportamental daqueles contemporâneos a quem se destinavam. Muito difundido entre os franciscanos e outros pregadores mendicantes era o uso dos exempla, historinhas moralizantes que procuravam tocar o receptor levando-se em consideração aspectos diversos como a sua própria condição social e cultural. Foram reunidas no período medieval diversas coletâneas de exempla, como as de Gossouin ou João de Chatillon.

É também numa destas seletas de exempla, a Tabula Exemplorum secundum ordinem alphabeti, composta por um franciscano de fins do século XIII, onde encontraremos um surpreendente esboço de reflexão social que clama por um mundo onde a riqueza fosse mais equitativamente distribuída. De igual maneira, escolásticos como o franciscano São Boaventura, e diversos outros, deixaram publicados textos vários, que são certamente fontes históricas importantes para a compreensão da variedade de discursos produzida no franciscanismo ligado ao movimento universitário.

Há também as fontes de contemporâneos que descrevem ou discutem o movimento franciscano. Jacques de Vitry, na sua Historia Occidentalis, descreve o movimento no seu estágio inicial, o mesmo ocorrendo com a Chronicon de Burchard d’Urspreg (U 1230). Teremos inclusive os depoimentos daqueles que tiveram a oportunidade de observar em ação não apenas as primeiras gerações de franciscanos, como o próprio São Francisco de Assis.

3 Discussão historiográfica

A atualização da historiografia sobre o franciscanismo deve ser acompanhada com especial atenção através dos trabalhos de historiadores profissionais nos congressos internacionais dedicados mais especificamente aos estudos do franciscanismo. Um exemplo importante é a conferência sobre “franciscanismo e modelos culturais do século XIII”, proferida por Jacques Le Goff no VIII Congresso da sociedade internacional de estudos Franciscanos e mais tarde incorporada à coletânea de quatro ensaios que Jacques Le Goff publicou em 1999 com o título São Francisco de Assis (LE GOFF, 2001).

Existe ainda a necessidade de acompanhar de perto os mais recentes trabalhos dos especialistas que relacionaram o estudo do franciscanismo a questões mais específicas, associadas a desenvolvimentos recentes da historiografia como a emergência de uma nova história cultural ou de uma nova história política, e portanto considerando sob uma nova perspectiva conceitos já tradicionais como o de “cultura” ou “poder”.

Estas aberturas, beneficiadas por novas metodologias e interdisciplinaridades, passaram a encontrar aplicação no estudo de aspectos como as “estratégias discursivas” e o “imaginário político franciscano”, sendo oportuno lembrar aqui a obra escrita em 1999 por Jacques Dalarum com o título São Francisco, ou o poder em questão (DALARUM, 1999). Visando um arco de tempo maior correspondente aos limites entre o século XIII e XVI – e que nos interessará mais especialmente neste texto em vista de se examinar o desenvolvimento do franciscanismo nos séculos posteriores – há que citar o brilhante estudo de Felice Acrocca sobre “Francisco e suas imagens” (ACCROCCA, 1997), que procura rastrear no movimento franciscano a história das transformações que se vão operando na imagem de seu fundador, com isto conseguindo examinar os próprios modos de pensar ligados ao franciscanismo. O autor, é oportuno lembrar, tem contribuído ainda para a sistematização de aspectos metodológicos relacionados às fontes franciscanas.

Como estes, existem os clássicos – aqueles textos que, ao aprofundarem o estudo histórico do franciscanismo dentro de uma análise mais ampla da medievalidade, embora também em uma direção específica, conquistaram merecidamente a posição de referências obrigatórias sobre o assunto. No seu já clássico livro sobre Os pobres na Idade Média, escrito em 1979, Michel Mollat oferece um imprescindível capítulo dedicado à questão do franciscanismo e às ordens mendicantes, cortada transversalmente pela questão das práticas e representações que estiveram associadas à pobreza no Período Medieval (MOLLAT, 1989). Ali se examina, em maior detalhe, como o franciscanismo contribuiu para introduzir no mundo medieval uma nova representação do pobre, não mais visto como mero instrumento para a salvação do rico, e nem como alguém imerso em um “estado pecaminoso”, mas sim como um ser humano a ser valorizado por si mesmo. Conforme já vimos, a obra justifica sua destacada importância em vista das relações entre a Ordem dos Franciscanos e a pobreza – seja a pobreza assumida voluntariamente como prática de vida, seja a pobreza do próximo reconhecida e assistida.