– Nem eu.
– E você?
– Não sabia de nada.
– Bem. Aqui somos todos homens da malandragem, ninguém sabia nada dessa revolta dos porra-loucas. Entenderam?
– Sim.
– Cada um de nós precisa compreender que abrir a boca é reconhecer que está a par de alguma coisa. Os que fizerem isso serão abatidos. Não vai haver vantagem nenhuma para aquele que for imbecil a ponto de falar. Joguem as armas na latrina, eles não vão demorar a chegar.
– E se foram os presos revoltados que ganharam?
– Se foram os presos, eles que dêem um jeito para completar a vitória com uma fuga. Mas eu, a este preço, não quero, e vocês?
– Nós também não – dizem juntos os oito, inclusive Jean Carbonieri.
Não disse uma palavra do que eu sei, ou seja, que o tiroteio parou, os presos perderam. De fato, o massacre previsto não poderia já estar acabado.
Os guardas chegam feito loucos, empurrando com coronhadas, pauladas, pontapés os trabalhadores do serviço de pedras. Obrigam-nos a entrar no bloco ao lado, no qual todos se precipitam. Os violões, as mandolinas, os jogos de xadrez e de damas, as lâmpadas, os banquinhos, as garrafas de óleo, o açúcar, o café, as roupas brancas, tudo é espezinhado com raiva, destruído e jogado fora. Eles se vingam sobre tudo o que não é regulamentar.
Ouvem-se dois tiros, com certeza de revólver.
Há oito blocos no campo, eles fazem a mesma coisa em todos e, de vez em quando, com violentas coronhadas. Sai um homem pelado, correndo para as celas disciplinares, furiosamente espancado pelos guardas encarregados de levá-lo para a masmorra.
Eles vão em frente, à direita, ao nosso lado. Agora se encontram na sétima choça. Só falta a nossa. Estamos os nove aqui, cada um no seu lugar. Dos que estavam fora trabalhando, nenhum voltou. Cada um de nós está petrificado no seu lugar. Ninguém fala. Estou com a boca seca, pensando: “Oxalá um fodido qualquer não aproveite a oportunidade para me abater impunemente!”
– Estão chegando – diz Carbonieri, morto de medo.
Eles se atiram para dentro, mais de vinte, todos de fuzil ou revólver, prontos para disparar.
– Como – grita Filissari – ainda não estão pelados? O que estão esperando, monte de lixo? Vamos fuzilar vocês. Fiquem pelados, não estamos com vontade de tirar a roupa dos cadáveres.
– Senhor Filissari…
– Cale a boca, Papillon! Agora não dá mais para pedir perdão. O que vocês tentaram fazer é grave demais! E, nessa sala de perigosos, vocês estavam todos na jogada, com certeza!
Os olhos lhe pulam da cara, estão injetados de sangue, com reflexos assassinos, não há engano possível.
– Temos direito de defesa – diz Pierrot.
Resolvo arriscar a bolada toda de uma vez:
– Me espanta que um napoleonista como o senhor queira assassinar inocentes. Quer atirar? Pois muito bem, nada de discurso, não nos interessa. Atire, mas merda, atire depressa! Eu achava que você era um homem, velho Filissari, um verdadeiro napoleonista, me enganei. Não faz mal. Vamos, nem quero ver você quando atirar, eu vou lhe dar as costas. Todos, dêem as costas a estes guardas, para que não possam dizer que a gente ia atacar.
E todos, como se fossem um homem só, voltaram as costas. Os guardas ficam espantados com a minha atitude, ainda mais que (soubemos depois) Filissari tinha fuzilado dois infelizes nas outras choças.
– O que é que você ainda tem para dizer, Papillon?
Ainda de costas, respondo:
– Esta história de revolta, não acredito nela. Por que uma revolta? Para matar os guardas? E fugir? Para ir aonde? Eu sou um homem de fuga, volto de muito longe, da Colômbia. Pergunto: qual é o país que daria asilo a assassinos fugidos? Como se chama este país? Não sejam estúpidos, nenhum homem digno deste nome pode estar envolvido numa história como essa.
– Você talvez, mas Carbonieri? Ele está, tenho certeza, porque hoje de manhã Arnaud e Hautin estranharam que ele não tinha se declarado doente, para não ir ao trabalho.
– Simples impressão, tenho certeza.
Viro-me para ele:
– Vai entender logo. Carbonieri é meu amigo, ele conhece todos os detalhes de minha fuga, não dá para ele continuar a ter ilusões, ele sabe qual é o resultado final de uma fuga depois de uma revolta.
Aí chega o comandante. Fica do lado de fora. Filissari sai e o comandante diz:
– Carbonieri!
– Presente.
– Levem eles para a cela, sem brutalidade. Guarda fulano, acompanhe-o. Saiam todos, que fiquem aqui apenas os guardas-chefes. Vamos, tragam todos os presos dispersos na ilha. Não matem ninguém, tragam para o campo todos, sem exceção.
Na sala entram o comandante, o subcomandante e Filissari, que volta com quatro guardas.
– Papillon, acaba de acontecer algo muito grave – diz o comandante. – Como comandante da penitenciária, devo assumir uma responsabilidade muito importante. Antes de tomar certas medidas, quero obter rapidamente algumas informações. Eu sei que, numa ocasião tão crucial, você se teria negado a falar em particular comigo, por isso vim aqui. Foi assassinado o guarda Duclos. Tentaram tomar as armas depositadas na minha casa; trata-se, portanto, de uma revolta. Só tenho alguns minutos, confio em você: sua opinião?
– Se tivesse havido uma revolta, será que não estaríamos a par? Por que não nos teriam informado? Quantas pessoas estariam comprometidas? A estas três perguntas que faço, comandante, vou responder, mas antes quero que o senhor me diga quantos homens se mexeram, depois de terem matado o guarda e tomado a arma dele.
– Três.
– Quem são?
– Arnaud, Hautin e Marceau.
– Entendi. Qualquer que seja o seu ponto de vista, concluo que não houve revolta.
– Você mente, Papillon – diz Filissari. – Esta revolta devia se dar em Royale, Girasolo a tinha denunciado, mas nós não acreditamos. Hoje, percebo que tudo o que ele disse era verdade. Portanto, você está nos enganando, Papillon!
– Mas, então, se são vocês que têm razão, eu sou um frouxo e Pierrot le Fou também e Galgani e todos os bandidos corsos de Royale e os homens da zona. Apesar do que aconteceu, não acredito. Se tivesse havido uma revolta, os chefes seríamos nós e nenhum outro.
– Não posso aceitar o que você está me dizendo. Ninguém está envolvido nisso? Impossível.
– Onde está a ação dos outros? Além desses três loucos, alguém se mexeu? Será que alguém mais teve um gesto, esboçado que seja, para tomar o posto de guarda onde se encontram quatro guardas armados, mais o chefe, o Sr. Filissari, com carabinas? Quantos barcos há em Saint-Joseph? Só uma chalupa. E então: uma chalupa para seiscentos homens? Nós somos doidos, somos? E matar para fugir! Vamos supor que vinte consigam fugir; é só para se fazerem prender em qualquer lugar e serem devolvidos. Comandante, ainda não sei quantos homens os seus guardas ou o senhor mesmo mataram, mas estou quase certo de que eram todos inocentes. E, agora, o que significa isso, destruir as poucas coisas que possuímos? Sua ira parece justificada, mas não esqueça que o dia em que não deixar um mínimo de vida agradável para os forçados, neste dia, então sim, pode ocorrer uma revolta, a revolta dos desesperados, a revolta de um suicídio coletivo; morrer por morrer, morreremos todos juntos: guardas e forçados. Sr. Dutain, falei de coração aberto, acredito que o senhor mereça de nós toda a franqueza, pelo simples fato de ter vindo até a gente para se informar antes de tomar decisões. Deixe-nos em paz.
– E aqueles que estão comprometidos? – fala de novo Filissari.
– Vocês que os procurem. Nós não sabemos de nada, não podemos ser úteis para vocês a esse respeito. Repito, esta história é uma loucura de porra-loucas, nada temos a ver com isso.
– Senhor Filissari, depois dos homens entrarem na choça dos perigosos, mande fechar as portas até nova ordem. Dois guardas na porta, nenhuma sevícia contra esses homens e nada de destruir o que lhes pertence. Vamos.