– E os seus amigos?
– Não sei.
Pobre Titin, dou-lhe minha ponta de cigarro e me levanto com uma imensa piedade no coração por esse pobre ser que vai morrer como um cão. Sim, é muito perigoso coabitar com loucos, mas o que fazer? Em todo caso, é o único modo, suponho, de preparar uma fuga sem condenação.
Salvidia está quase pronto. Já tem duas das chaves, só falta a da minha cela. Arranjou também uma corda muito boa e, além disso, fez uma outra com os fios do tecido da maca que, segundo me disse, são formados por cinco outros fios. Por esse lado, tudo vai bem.
Tenho pressa de passarmos à ação, pois é realmente duro continuar desempenhando meu papel nesta comédia. Para ficar na parte do asilo em que se encontra minha cela, tenho que arranjar uma crise de vez em quando.
Arranjei uma tão bem representada, que os guardas-enfermeiros me puseram numa banheira com água muito quente e me deram duas injeções de brometo. A banheira é coberta por um tecido muito resistente, de modo que não posso sair. Só minha cabeça fica de fora, por um buraco. Estou nesse banho há mais de duas horas, com essa espécie de camisa-de-força, quando entra Ivanhoé. Fico terrificado pelo modo como aquele bruto me olha. Tenho um medo tremendo de que ele me estrangule. Não posso sequer me defender, já que estou com os braços debaixo do pano.
Ele se aproxima de mim, seus grandes olhos me fitam atentamente, tem o ar de procurar saber onde já viu essa cabeça que emerge dali como de um buraco de guilhotina. Seu hálito e seu cheiro de podridão me inundam o rosto. Tenho vontade de gritar por socorro, mas temo torná-lo ainda mais furioso com meus gritos. Fecho os olhos e espero, certo de que ele vai me estrangular com suas grandes mãos de gigante. Não vou esquecer tão cedo esses segundos de terror. Enfim, ele se afasta de mim, anda pela sala, depois vai até os registros da água. Fecha a água fria e abre inteiramente a água fervente. Berro, como um perdido, pois estou a ponto de cozinhar completamente. Ivanhoé sai. Há vapor na sala inteira, sufoco-me respirando-o e faço esforços sobre-humanos, em vão, para tentar rebentar este pano miserável. Enfim, chegam em meu socorro. Os guardas viram o vapor que saía pela janela. Quando me tiram daquela água fervente, tenho queimaduras horríveis e sofro como um danado. Principalmente nas coxas e nas partes onde a pele saiu. Besuntado de ácido pícrico, deitam-me na pequena sala de enfermaria do asilo. Minhas queimaduras são tão graves, que resolvem chamar o doutor. Algumas injeções de morfina me ajudam a passar as primeiras 24 horas. Quando o médico me pergunta o que aconteceu, digo-lhe que um vulcão surgiu na banheira. Ninguém compreende o que aconteceu. E o guarda-enfermeiro acusa o que preparou o banho de ter regulado mal as saídas de água.
Salvidia acaba de sair, depois de me untar com pomada pícrica. Está pronto e me faz reparar que é uma sorte eu estar na enfermaria, pois, caso a fuga fracasse, poderemos voltar para essa parte do asilo sem sermos vistos. Ele deverá fazer rapidamente uma chave da enfermaria. Acaba de tirar o molde num pedaço de sabão. Amanhã teremos a chave. Eu é que devo dizer o dia em que me sentir suficientemente curado para aproveitar o primeiro turno de um dos guardas que não fazem ronda.
Marco para esta noite, durante a guarda da 1 às 5 horas da manhã. Salvidia não está de serviço. Para ganhar tempo, ele vai esvaziar o tonel de vinagre às 11 horas da noite. O outro, o de óleo, vamos rolá-lo cheio, pois o mar está muito ruim e talvez o óleo possa nos servir para acalmar as vagas quando o derramarmos na água.
Tenho uma calça de sacos de farinha cortada nos joelhos e um blusão de lã, uma boa faca na cintura. Tenho também um saco impermeável que vou pendurar no pescoço; nele estão cigarros e um isqueiro de estimação. Salvidia preparou uma mochila impermeável com farinha de mandioca embebida em óleo e açúcar. Mais ou menos uns 3 quilos, me disse ele. Ê tarde. Sentado em minha cama, espero meu companheiro. Meu coração dá fortes pancadas. Dentro de alguns instantes, a fuga vai começar. Que a sorte e Deus me favoreçam! Que eu consiga sair para sempre do caminho da podridão!
É estranho: dedico ao passado apenas um pensamento rápido, que vai para meu pai e minha família. Nenhuma imagem do tribunal, dos jurados ou do promotor.
No momento em que a porta está se abrindo, relembro, a contragosto, Matthieu carregado de pé pelos tubarões.
– Papi, a caminho!
Sigo-o. Rapidamente, ele fecha a porta e esconde a chave num canto do corredor.
– Depressa, vamos.
Chegamos à despensa, a porta está aberta. Tirar o tonel vazio é uma brincadeira. Ele envolve o tonel com cordas, eu com fios de ferro. Pego a mochila de farinha e na noite preta começo a rolar meu tonel para o mar. Ele vem atrás, com o tonel de óleo. Felizmente, ele é muito forte e consegue controlá-lo com facilidade nesta descida quase vertical.
– Devagar, devagar, tome cuidado para que ele não pegue velocidade.
Espero-o, para o caso dele soltar seu tonel, que assim seria forçado a parar, ao bater contra o meu. Desço de costas, eu na frente e o tonel atrás. Sem qualquer dificuldade, chegamos lá embaixo. Há um pequeno acesso ao mar, mas primeiro devemos transpor rochedos que são difíceis de ultrapassar.
– Esvazie o tonel. Não vamos poder passar pelos rochedos com ele cheio.
O vento sopra com força e as vagas rebentam raivosamente contra os rochedos. Pronto, está vazio.
– Enfie a rolha, bem apertada. Espere, ponha esta placa de lata por cima. Os buracos estão feitos. Enfie bem as pontas.
Com o barulho do vento e das vagas, as pancadas não podem ser ouvidas.
Bem presos um ao outro, não é fácil erguer os dois tonéis acima dos rochedos. Cada um deles é de duzentos e vinte e cinco litros. São volumosos e difíceis de manejar. O lugar escolhido por meu amigo para entrarmos no mar não facilita as coisas.
– Empurre para cima, em nome de Deus! Erga um pouco. Cuidado com essa onda!
Nós dois fomos derrubados, com tonéis e tudo, e jogados com força contra o rochedo.
– Cuidado! Eles podem rachar. E nós podemos quebrar a perna ou um braço!
– Acalme-se, Salvidia. Passe na frente, para o mar, ou venha aqui por trás. Lá, está bem localizado. Puxe para você, de uma vez, assim que eu gritar. Vou empurrar, ao mesmo tempo, e certamente vamos nos distanciar dos rochedos. Mas, para isso, é preciso primeiro nos mantermos firmes no lugar, mesmo quando a onda nos cobrir.
Gritando essas ordens ao meu companheiro, no meio da barulhada do vento e das ondas, creio que ele as entendeu: um enorme vagalhão cobre completamente o compacto bloco que formamos, os tonéis, ele e eu. É então que, raivosamente, com todas as minhas forças, empurro a jangada. Ele também puxa, seguramente, pois de repente nos encontramos soltos e levados pela onda. Ele sobe nos tonéis antes de mim e, no momento em que subo, por minha vez, uma enorme vaga nos apanha por baixo e nos atira como uma pluma sobre um rochedo pontudo, mais avançado que os outros. A espantosa pancada é tão forte que os tonéis se desmancham, os pedaços se espalham por todos os lados. Quando a vaga se retira, leva-me a mais de vinte metros do rochedo. Nado e deixo-me levar por uma outra vaga, que rola direto sobre a costa. Aterrisso, praticamente sentado, entre dois rochedos. Tenho tempo de me agarrar antes de ser arrastado de novo. Contundido por toda parte, consigo sair dali, mas quando piso em seco, percebo que meu amigo foi arrastado para mais de cem metros cio ponto em que havíamos entrado no mar.
Sem precauções, grito: “Salvidia! Romeo! Onde você está?” Nada me responde. Aniquilado, deito-me no chão, tiro as calças, o blusão de lã e me encontro nu, só com a cueca. Meu Deus, meu amigo, onde está ele? E grito de novo, o mais alto que posso: “Onde você está?” Apenas o vento, o mar, as vagas me respondem. Fico ali, sem saber quanto tempo, atônito, completamente aniquilado, física e moralmente. Depois, choro de raiva, jogando para longe o saquinho com cigarro e isqueiro que pendurara ao pescoço, gentileza fraternal feita pelo meu amigo, pois ele não fumava.